domingo, abril 29, 2007

RESPONSABILIDADE

Como será em 2070

Prezado Vereador, Tentei salvar o seu e-mail e não consegui. Deu um bode aqui e ele sumiu. Mas antes eu o tinha lido e apreciado, ou melhor, ficado boquiaberto. E sei muito bem que a previsão é realista, se nada for feito para evitar tal miserabilidade. O problema está na classe política, nosso nobre e querido vereador. Pois sabemos muito bem que o destino do planeta está nas mãos dos políticos. Eles é que tem a autoridade de administrar a vida não só moral como fisica do mundo. Eles é que governam o mundo e governam autorizados pela vontade do povo de todo o mundo. Nada dos empresários, dos operários, dos criminosos (e todos, infelizemnte estão mais bem organizados do que aclasse política) mandarem nisso e naquilo. Todos estão subordinados à classe política mundial. E a classe política, como todos sabem, é contistuida legalmente pelos vereadores, prefeitos, deputados (estaduais e federais), senadores e primeiros mandatários (sejam presidentes de repúblicas, tiranos de cubas e iraques, primeiros-ministros, reis e rainhas).Toda a populaçãomundial, constituida de cidadãos de todas as classes e de membros de quadrilhas e de máfias disso e daquilo e de comparsas de crimes-organizadose das pobres pessoas sem eira nem beira: todos estão subordinados ao poder político, que precisam assumir tal responsabilidade de pôr ordem na ordem das coisas. Tenho ou não razão? É claro que uma andorinha não faz verão. Mas é necessário que a noção de classe seja apregoada dentro da própria classe política, primeiro com a noção da auto-crítica, depois em termos de praticidade participativa. Depois o prezado amigo me diz, combinado? Abraços e agradecimenos do Lázaro.

A LEITURA TRANSBORDA DO LIVRO

OU O DIA INTERNACIONAL DO LIVRO OU DEPOIS DE LER UM CONTO DE CLEVANE PESSOA LOPES. 

A moça que não lia, viu um dia que a leitura transpirava, transbordava Isso ela viu depois depois que viu a ereção do moço adormecido (que acabara de ler “Ana Karenina”, de Tolstoi). Como é que pode?, ela pensou como é que pode um incentivo durar tanto permanecer mesmo na dormência da lucidez? Aí ela abriu “Os Cânticos dos Cânticos de Salomão” e fixou a linha saltitante: “Teus peitos são duas pombas” - a linha saltitava na página da escritura sagrada Como é que pode ser assim transpirante, transbordante? Os meus peitos também são assim como duas pombas espertas no jardim? São, sim!, ela confirma ao exibi-los ao espelho ao atônito olhar do espelho. E aí depois quando pressentiu e viu os dela tomados de mãos e bocas gulosas (ah santa periquita do rabinho verde!) Aí a frigidez foi embora com a leitura a apatia foi embora com a leitura a sensação chegou com a leitura a vida melhorou com a leitura o mundo ficou mais bonito com a leitura tudo tudo passou a ser objeto de leitura.

segunda-feira, abril 23, 2007

INTERFACES DO OLHAR

Espontâneas considerações oriundas de uma primeira leitura do livro supracitado, da poeta portuguesa Ana Hatherly, livro portador dos subtítulos: “Uma Antologia Crítica” e “Uma Antologia Poética”. Roma Editora, Lisboa, Portugal, setembro de 2004. 

Sendo ao longo do tempo mais leitor do que escritor, e assim mais propenso ao arquivamento íntimo das apreensões do que ao esbanjamento instantâneo do ressurto que então aflora, sinto-me feliz em reconhecer e declarar que a poesia de Ana Hatherly espouca e brilha em todas as páginas do livro, de forma que as duas antologias (a crítica dos outros livros dela e a poética dela) coadunam-se na mesma linguagem intercambiável dos toques e comunhões da mesma poesia escrita ou desenhada nos versos da prosa , na prosa dos versos e no revestimento pictórico, melodioso, no turbilhão dos conceitos e das imagens. Assim é até correto afirmar que a crítica do poema só será completa se feita através de um texto que seja também e a seu modo um outro poema? Louvores, pois, ao conjunto de autores (uma orquestra afinada na execução de uma sinfonia?): não é todo dia que se vê assim fundir a justiça na relevância, tão expansivamente. Um dos autores, Pedro Sena-Lino (1) diz logo que os textos dela não são apenas poemas, são poéticas, e que também os Manifestos e Ensaios são absolutamente poemas. Não há dissociação estilística nem queda de tensão no comportamento literário ao longo de dezenas de livros, desenhos, escritos, pinturas, resenhas, entrevistas, narrações oníricas, rosários de tisanas, um fabuloso conjunto de signos multifacetados. Textos imbuídos de secretas intenções nos fragmentos de palavras, sons e sentidos, resultando, no dizer de Pedro, em ossos que podem ser pintados, projetados, associados livremente e exigindo a premente participação do leitor que, assim, torna-se uma espécie de co-autor. Com a mesma leveza do que é belo e puro de alma, ela vai dizendo coisas como as que agora cito de memória: havia um jardim ali porque havia um interesse humano por muitas outras coisas que se interpenetravam na argamassa da construção sempre renovável, que se nos apresenta. Com a palavra poética na porta da mente, na ponta da língua e dos dedos, ela reconstrói com a cinza dos dias que roem os ossos “o que o mundo não diz? o que o mundo não é” – e que só o poeta (no caso, ela) pode dizer (2). No texto de Rogério Barbosa da Silva (3), “Itinerário e Labirintos da Poesia de Ana Hatherly”, enfatiza-se a imagem do labiríntico nos percursos de sua poética: “nas folhas que caem, poucas, amarelas e discretas, não são já o princípio do regresso à terra funda?” Um vai-e-vem no itinerário dos labirintos, no qual “a palavra a faz derivar para as artes visuais, e o seu trabalho de pintura a faz derivar para a literatura, promovendo um encontro das artes (...), um trabalho arqueológico que funciona como um suplemento do trabalho poético”. A meditação sobre a existência, ela afirma na entrevista com Fernando J. B. Aquino (2), é outra das vertentes de seu trabalho, reveladas desde a publicação de seus primeiros livros, uma constante instintiva e consciente em sua ininterrupta atividade criativa. Movida pela lúcida intenção de “cingir o obscuro coração das coisas”, ao enfrentar o “irredutível enigma de tudo”, ela escreve, não porque compreendeu, mas para compreender, aprender. O antigo, querido e notório lirismo português palpita e brilha na poesia dela com os melhores laivos do romantismo e do barroco, não apenas associados aos encantos da paisagem, mas, como ela diz, “mais no amor..., no êxtase desesperado do amor”, traço particular que esquenta e ilumina o insuperável lirismo humano da tradição camoniana. Um bonito caso de fidelidade ao estilo, conscientemente admitido desde o primeiro livro, e fidelidade também ao espírito de luta, ao amor-próprio e à linha de seus fazeres díspares (verbais, gráficos visuais, ensaismo, traduções, cinema, palestras, pedagogia, editoria, administração cultural...) em harmonia no contexto do viver e do criar, sempre munida do “imaginário em ebulição” (conforme a frase perfeita de Maria João Fernandes (4) de sua personalidade serena e ciclópica ao mesmo tempo. Outra beleza de seu trabalho é a sólida unidade que apresenta um conjunto sem estorvo e sem desarranjo no alinhamento propulsor dos conceitos e das imagens, das formas e dos conteúdos, tudo como que previamente articulado, apesar da genérica sujeição de um mundo exterior invasivo na “interioridade oscilante” das pessoas nas intempéries impostas pelo que talvez seja o oposto da poesia, a política socialmente predominante. Seus textos visuais, com o emprego ou não de palavras, são poemas espetaculares, uma técnica ou jogo combinatório (como acentua a citada Maria João Fernandes), que lhe permite, à feição dos antigos anagramas, “realizar a variedade na uniformidade”. São textos exclusivos e intercalados aos verbais, sem atritar o equilíbrio, sem dissonância fonética ou pictórica, um recurso criativo-artesanal prontamente formulado, com o sensível ganho para as artes gráficas, que se tornam, assim, mais afeitas e irmanadas. De tal maneira que um desenho em forma de poema passar a ser uma coisa e outra, não só para quem faz mas também para quem recebe e absorve. E é assim que a “subversão da linearidade lógica do discurso” prorrompe e se instala naturalmente na página, sugerindo sinteticamente profusas afirmações num disponível leque de significações. O itinerário poético dela, como observa Rogério Barbosa da Silva, é repleto de labirintos, através dos quais ela caminha apoiando-se no jogo dialético dos amansados paradoxos que fluem das brenhas e das cavidades para as escrituras e leituras, sem as dores da arenga e imbuídas da aragem, do enlevo e das novas suscitações estéticas. Assim é que descortina o horizonte pragmático a ser palmilhado em prosa e verso sem derrapar e sem atalhar, passando (e vincando) de livro em livro sem recuar, sem dar passadas maiores que as pernas, cumprindo a auto-determinação de seguir a sinuosa linha criativa entre abismos práticos e teóricos, com tanta felicidade. Se é feliz no ponto em que se encontra é porque soube encaminhar os inícios e manejar os meios em sã consciência, valendo-se dos elos existenciais da sensibilidade e da intelectualidade, municiados pela nórdica sensualidade portuguesa de seus modos de pensar e de agir. Fica bem claro que ela sabe jogar no incerto com tanta certeza, com tanta felicidade. Sabemos que os conteúdos existem exteriormente longe e perto das pessoas, que os utilizam ou não, de conformidade com a vontade e a capacidade de cada uma. Já as formas (que às vezes confundem-se com os conteúdos, e ambos podem até trocar de papéis de interpretação como num teatro de marionetes) são desideratos particulares, membranas plasmáticas, dispositivos renováveis nas teclas das opções, que funcionam como veículos, logotipos, a marca identificadora do comportamento expressional. Isoladamente é uma espécie de desígnio inato ou uma escolha no processo de iniciação e de aperfeiçoamento do ofício de viver. Em Ana Hatherly a fusão dos dois dispositivos chega a resultar numa espécie de traço de caráter (uma herança genética?), uma disponibilidade espontânea, através da qual ela consegue dizer e não dizer as coisas, sem a dor do esforço físico-mental. Como se de repente todas as flores viessem morar em seu jardim e todas as palavras viessem cantar em seu eleito vocabulário. A naturalidade dentro (e parceira) da complexidade na obra enfim legível e instigante. “A memória é invisível por isso tentamos dar-lhe corpo” -é o que ela diz no livro “A Idade da escrita”, de 1998. A presença invisível é uma espécie de proximidade do longíncuo, uma insatisfação constante que se refaz continuamente, chegando às vezes a quase satisfazer-se. Mas o certo é que a benquerência está sempre acima da presença e da ausência, acima do prazer e do desgosto. Mas essa presença invisível, ou ausência visível, na mente e nas mãos de Ana, é o adjutório para escolher e acionar “um tipo de experimentação mais individualizada”, o que ela faz habilmente, escoimando “os excessos de subjetividade” em sua metodologia peculiar e disciplinada e estóica, isenta das tentações adornantes que poderiam levá-la à prescrição de “receitas narcísicas”, como ela mesma diz na página 108. Segura de si e munida de tirocínio alertado, ela vai no caminho das sucessivas descobertas, sabendo que cada uma aponta o esconderijo da outra, de ponta a ponta, numa “demanda infinita” e é assim “que se instala o reino da utopia, que não pode sumir do mapa da imaginação e da memória”, uma diretriz de vanguarda sem polêmica, quase consensual para instaurar a consonância e a compatibilidade do discursivo e o visual como partes confluentes da mesma escritabilidade. A embaraçosa presença de uma impossível ausência impede-a de oferecer o que tem e obriga-a a oferecer o que não tem, uma vez que não conseguiria casar uma ausência com outra ausência. E no impasse temático e vivencial, ela recorre à prática das exaustivas e fecundas TISANAS, já inscritas definitivamente em seu laureado repertório. “Na quentura da in-fusão das ervas desprende a essência do aroma” – e aí uma nova modalidade literária estala em regozijo e adequação: a Tisana de muitas páginas e muitos anos, aqui sintetizada na de número 45, que dá título ao artigo de Silfriede Engelmayer (5): “Tudo que é profundo se revela à superfície”. Nelas (Tisanas) o escritor José Martins Garcia (6) destaca alguns padrões característicos, entre os quais “o relacionamento desconcertante em que as imagens se sucedem com premeditada inverossimilança”. Nelas os aforismos são impecáveis, burilados: “Em todos os gestos úteis há sempre algo de terrível”; “o amor é impossível mesmo quando possível”; “ninguém consegue saciar o desejo, que ele é o cerne de tudo”. “Não me esqueço”, ela afirma a certa altura, sempre cheia de vida. “O mistério do desaparecimento é o que nos enche de palavras: criamos porque nos falta alguma coisa”. E ela assim continua dizendo: “A importância vital do erotismo, que é uma das forças vitais da criação. Sem erotismo não há criação”. “O concretismo é redutor. Não existe só uma vanguarda, mas vanguardas sucessivas ao longo do tempo”. Navegar é preciso, reciclar também é, eu me atrevo a acrescentar. “Não venho da droga nem do alheiamento do real, venho só de dentro, um outro dentro diferente da família surrealista”. E quem é o poeta que não é poeta? Ela sabe e revela: “é o que se atira para o nada” e que assim o faz numa “queda livre controlada, não suicida, mas correndo os riscos” e peripécias, colhendo os achados , muitos deles até então inconcebíveis. “Nunca se andará para a frente sem derrubar algo”, ela acrescenta. Integrante do Movimento PO-Ex (Poesia experimental Portuguesa), alinhado como um todo no esforço de “instauração de uma nova ordem ético-estética,... politicamente de esquerda..., denunciando todas as formas de repressão e de imobilismo”, iniciado na década de 60 em escala mundial e que transigiu vinte anos depois para uma”definição de territórios individuais de experimentação”, quando então ela optou pela pesquisa das “origens da poesia visual derivada da poesia figurada, que na Europa remonta aos gregos alexandrinos”. Maria João Fernandes (7) constata na obra dela que a explicitação do discurso teórico está sempre a carecer do texto-imagem – e é justamente esse trabalho pujante e meticuloso que ela vem desempenhando desde o início de sua profícua atividade, como lá diz o texto do terceiro parágrafo da página 70: “Sobre o branco, as teias noturnas, labirínticas da imagem, véus translúcidos e opacos, demasiadamente lúcidos, lúdicos, efêmeros, vertiginosos, onde se equilibram as lágrimas da terra, pássaros em miniaturas que de súbito voam sobre a página, letras em fuga dos jardins dos alfabetos da noite e do coração aprisionado. Há fugas subterrâneas e viagens no fundo dos oceanos da escrita do mundo. E que mundo é esse? Das letras, das grafias ilegíveis, das imagens sem paralelos no mundo visível, dos abismos dos paradoxos da razão e das nascentes antiqüíssimas dos sonhos”. 

 NOTAS (1) Pedro Sena-Lino, páginas 41 a 48. (2) Fernando J. B. Martinho, páginas 10 e138. (3) Rogério Barbosa da Silva, páginas 25 a 39. (4) Maria João Fernandes, páginas 69 a 85. (5) Elfriede Engelmayer , página 65. (6) José Martins Garcia, página 66. (7) Idem idem Nota 4, acima.

domingo, abril 22, 2007

O SANTO FORTE

“Meu santo é forte”, diziam uma tia, quando lhe rogavam pragas. “Meu santo é forte”, dizia um tio quando escapava de um acidente que podia ter sido fatal. Na roça, quando existia roça, era assim. Hoje os santos nem são mais evocados. E as restingas rurais sofrem outras denominações: agro-indústria, latifúndio improdutivo na mira do mst, casas-de-campo, hotéis-fazendas, monocultura, o diabo a quatro. Hoje, longe das laranjeiras onde cantavam os sabiás, nós, tripulantes do êxodo rural, temos que prevenir e exorcizar os males do corpo e da alma, através de orações protetoras contra os membros das quadrilhas do crime organizado, contra os desmandos dos politiqueiros, contra a incúria dos abusadores da boa fé dos cristãos, desejando os benefícios às pessoas merecedoras de nosso amor, como antigamente, ou seja, mais ou menos assim: O que mais te desejo no dia a dia, agora que anda achacada de males, é a proteção de um santo bem forte, a cada hora do dia e da noite: “Santa Terezinha do Menino Jesus, a das rosas para manter intacto o encanto de teu rosto São Jerônimo e Santa Bárbara para livrá-la do temporal dos raios e trovões Santa Luzia, a dos olhos abençoados que mantenha impávida a luz que vem e que vai de sua útil e bela visão São Bento evitador de incêndios e amansador de répteis Santo Antônio de Pádua desatador dos nós afetivos, conciliador de afeições São Cristóvão encaminhador das boas jornadas e das alvíssaras São Braz aliviador dos engasgos do corpo e do espírito São Cipriano fazedor e desmanchador de manias depressivas São Sebastião que nos livra da fome, da peste e da guerra Santa Ana a professora das boas maneiras e melhores ações São Jorge o desmanchador das arapucas, mundéus e escaramuças São Lázaro que protege contra as perebas e os confinamentos São Vicente de Paula que não deixa faltar aos pobres seus pães cotidianos. E que os teus inimigos (se os tiver) tendo olhos, não te vejam; tendo pernas, não te alcancem; tendo armas, não te firam. Que teus amigos Que teus amores frutifiquem ao teu redor”.

sexta-feira, abril 20, 2007

OS DITOS POPULARES SOB A ÓTICA PERNÓSTICA

Compilação de Lázaro Barreto (*).

- A mim pouco importa que claudique a onagra, o que me apraz é acicatar. Tradução: Pouco me importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar. - Prosopopéia flácida para acalentar bovinos (conversa mole para boi dormir). - Romper a face (quebrar a cara). - Creditar ao primata (pagar o mico). - Inflar o volume da bolsa escrota (encher o saco). - Impulsionar a extremidade do membro inferior contra a região glútea de alguém (dar um pé na bunda). - Derrubar com a extremidade do membro inferior o suporte-sustentáculo de uma das unidades do acampamento ((chutar o pau da barraca). - Deglutir o batráquio (engolir sapo). - Colocar o prolongamento caudal em meio aos membros (meter o rabo entre as pernas). - Derrubar com intenções mortais (cair matando). - Aplicar a contravenção de um tal de João, deficiente físico de um dos membros superiores (dar uma de João sem braço). - Sequer considerar a utilização de um longo pedaço de madeira (nem a pau). - Sequer considerar a possibilidade de uma fêmea bovina expirar fortes contrações laringo-bucais (nem que a vaca tussa). - Derramar água pelo chão através do tombamento premeditado de seu recipiente (chutar o balde). - Pode retirar o equino da perturbação pluviométrica (pode tirar o cavalo da chuva). - Batráquio forasteiro não emite som glutíneo (sapo de fora não ronca). 

(*) Publicado na Revista VITRINE, dirigida pela jornalista Luciene Queiroz, de Itauna, na edição de número 10 do Ano I, em Fevereiro de 2001).

quinta-feira, abril 19, 2007

DOIS PONTOS DO AMOR

Os tempos do pequeno príncipe e da raposa dão saudades? O que a raposa apregoa ao príncipe? Que somos responsáveis por quem cativamos? Como assim se a cativação é recíproca (só cativamos quem nos cativa e vice-versa, não?)? Toda pessoa não é apenas uma pessoa, como diria o Pessoa, Fernando. Cada um de nós abriga em si muitas outras eus e cada um tem lá seu amor próprio e alheio por outras pessoas. Somos multiplicáveis divisíveis somáveis subtraíveis. É isso mesmo, não adianta estrilar. Ou então, todas as pessoas em cada uma resumem-se numa só o tempo todo? A reciprocidade é assim maleável, não? Você não é responsável., nem ver. O nosso amor de cada dia é imperecível: pode esfriar em si mesmo ou repartir-se com outras pessoas mais adiante. E é assim que fica sempre um pouco dele, mesmo em quem fica chupando os dedos ou morrendo de raiva, um pouco que pode novamente espichar, pois que em si ele é uma grandeza que apenas encolhera sob o frio ou o calor circunstancial. O mais certo é que ele tem duas faces: a nua, da sensualidade; a crua, da crueldade.

segunda-feira, abril 16, 2007

DELÍRIOS MOMENTÂNEOS

o jardim botânico nos arredores hollywoodianos de minha sonhadora juventude as charruas na várzea, o minuano na serra as estrelas em forma de rosas no brejo e na beira da linha dos artifícios o seixo e a lasca e a fagulha do lascivo olhar os sítios líticos ao longo da bacia do rio das almas ainda vivas de finados amantes os artefatos mais íntimos disparados pelos olhos apreensivos e prendedores de Ida Lupino, estrela mais importante daquele céu, que era aquele filme de beijos e abraços dela, que eu recebia sem devolver as conchas de moluscos de água doce as curvas de níveis dos poros nos meados erógenos a etnografia dos parágrafos no livro aberto do corpo revestido de legítima nudez a fisiologia dos sítios crepitantes as bocas de lábios telhadinhos no sentido horizontal mais em cima no sentido vertical mais embaixo os ângulos nos extremos da puberdade os ícones selecionados pela ênfase libidinal e o manjar exposto a céu aberto.

MÃE DE FAMÍLIA

Por que a ela pode ser imputada a culpa do pecado original? Ela tem a força moral acima da fraqueza social. Até mesmo a mais fragilizada (Marlene Dietrich) consegue fragilizar os homens mais duros (Jean Gabin, John Wayne). A Marlene é um bom exemplo, ela que parecia mover-se numa moldura diáfana, envolvida num ar diferente, que respirava com dificuldade, que imprimia em suas feições distanciadas (enfatizadas, porém, pelos longos cabelos louros-avermelhados) o ar aparentemente doentio e realmente cativante de sua brilhante formosura. Qualquer uma delas, seja nova ou velha, bonita ou feia, pobre ou rica (as distinções são injustas, mas necessárias), ao contracenar com os homens em qualquer palco da realidade, rouba os olhares da platéia, como a ruiva Greer Garson fazia na teatral Inglaterra de seu tempo. E como a voluptuosamente beiçuda Angeline Jolie faz hoje em dia nas telas de todo o mundo. De tê-la criado assim como é, na peneira das ambigüidades instigantes, Deus nunca se arrependeu. Ela é a mãe nossa de cada dia, a namorada de nossas lúbricas paixões, sempre a encontrar (como lá diz Balzac) indulgências em seu coração para as tolices que inspira a nós, homens, vassalos dela. E é assim que digo-me sempre: não se envergonhe da delicadeza de certos momentos e da ternura de inadiáveis instantes: só assim, rendido, desarmado, você chegará perto da mulher, atraindo-a. Nenhuma delas, na História e na Geografia , jogou pedras nas caixas de marimbondos, nem jamais teve o nome maculado nos relatos dos massacres e genocídios e holocaustos: ela que traz no seio a luz do mundo, não participou nem de longe da crucificação de Jesus, nem lidera, hoje em dia, o comando vermelho do crime organizado do brasil afora. É isso aí, assim mesmo. A família é um feixe de afetos problemáticos ou é um feixes de problemas afetuosos? Todos brigam aos beijos e abraços – e no final das contas o choro de alguns até parece um canto alegre, não é mesmo? Graças à lúcida e atraente presença da MÂE.

domingo, abril 15, 2007

PERÍODOS E PARÁGRAFOS

Humorismo em Caixa-alta. Toda vez que leio Millôr Fernandes (e o leio desde os tempos da revista “O Cruzeiro”), lembro-me de uma citação de André Gide, na qual ele afirmava desconfiar de toda bemaventurança que não fosse progressiva. Millôr não é apenas um homem, um humorista, um escritor: é um fenômeno. Sua saúde, seu fôlego, sua verve, seu bom senso de humor não se esgotam nunca, ao contrário, estão cada vez mais à prova de balas, mais fluentes, expansivos, sucessivos e inteligentes. Quase todos os intelectuais que surgiram e brilharam naqueles anos dourados já estão com os faróis baixos e/ou apagados. Mas ele não: o reforço da energia é constante, no fluxo e no refluxo iluminador, tudo nele brilha incansavelmente. Um fenômeno de pessoa, não? Nova Versão de Macunaíma. Como leitor e assinante da revista VEJA (a melhor do Brasil, indiscutivelmente), sugeri (e não fui atendido) uma reportagem evidenciando a semelhança de Macunaíma e Seus Manos (devastadores de corpos e de mentes) com Lula e Seus Companheiros, nos pesadelos da História do País. Seria uma espécie de apresentação analítica de um paralelismo de cunho sociológico, algo que só mesmo a VEJA tem, no Brasil, condições e capacidade para assumir e concretizar. O Baixo-Clero do Congresso. Outra sugestão que apresentei refere-se ao papel degradante, no momento histórico brasileiro, dos parlamentares que não se mancam, do chamado “baixo clero” do Congresso Nacional que, afinal de contas, nunca se desmoralizou tanto como nos últimos anos de nossa derrapagem política. Creio que a reportagem poderia evidenciar o logro eleitoral do povo brasileiro que vota em quem julga merecer sua confiança e que, na realidade, prova à exaustão, o desmerecimento, logo nas primeiras semanas do mandato, como estamos presenciando. Penso que toda essa fajuta e nefasta patota (do baixo clero) não tem nada a ver com o simples conceito do politicamente correto: em vez de legisladores eles são, na realidade, meros lobistas, despachantes, defensores de causas próprias, que a imprensa não cansa de denunciar, infrutiferamente. Vamos Mudar de Assunto? Mas Como? Estou meio azedo hoje? Vamos, pois, intercalar aqui um poemeto? O título é “O Corre-corre das Necessidades”. Ei-lo: No tempo que a cidade sonhava, o homem dormia. Agora, sob a insônia da cidade, revolvendo-se nas ruas abalroadas de estrepolias, o ser humano sofre a insolente psicose do dia passado do dia passando do dia a passar. As ruas apinhadas de gentes, umas com medo, outras fazendo medo. Quando, Drummond, veremos, como você viu, a vida passada a limpo? Caprichos e Fantasias. Enquanto a cidade está em obras (a da Primeiro de Junho, além de indevida e desnecessária, prolonga-se indefinidamente, sacrificando o andamento do cotidiano dos habitantes), a vegetação ciliar da beira do Rio Itapecerica arde em chamas escandalosas. Estamos mesmo na fase apocalíptica da possessão do mundo pelas hostes hediondas da infernália? Os caprichos e fantasias não eram apenas os triviais holocaustos da antiguidade em nome de Baal e de Moloch? Por que teimam em perpetuar-se, impunemente?

sexta-feira, abril 13, 2007

RIMAS

Amor rima com fervor. Às vezes tem que se esconder para sobreviver. Não é preciso socorrer, pois sozinho ele não vai morrer. É só dormir na bamba corda, que toda hora ele acorda. Está vendo como ele rima e não desafina?

segunda-feira, abril 09, 2007

PEDIDOS DE PERDÃO

Leitor inveterado desde a mais tenra infância, às vezes chego a pensar que é até normal perpetrar, às vezes instintivamente, algum conceito sacrílego, do qual, de cabeça baixa, me penitencio, pedindo perdão a Deus. Nas Sagradas Escrituras constato muitas vezes o que, como leitor atento, considero um deslize do escritor do texto e não da própria fonte, irrefutavelmente sagrada. Os autores do Velho Testamento escreveram que Deus criou a Natureza em benefício do Homem – e aí eu penso que poderiam ter acrescentado que a recíproca é verdadeira, uma vez que se também a Natureza foi criada por Ele, os dois valores Homem e Natureza se equivalem. Mas da leitura fica o pesar de o leitor não entender que o homem ali mencionado é o homem de todos os tempos, e não apenas do tempo presente que, baseando-se que é o herdeiro de Deus, pode dispor dos bens naturais com tal voracidade que às vezes não deixa nem semente dos outros seres vivos sobre a terra. Discordo também que o ser humano seja o melhor de todo o repertório da Natureza. Não é o mais bonito nem o mais inteligente, não é o mais bondoso nem o mais amável. Se foi criado à semelhança de Deus, não quer dizer que os outros seres também não foram criados à semelhança de Deus, que é o Supremo Criador, Justo e Magnânimo. Penso que todas as pessoas do mundo não podem alimentar a presunção nem a regalia de um privilégio injusto e, portando, não-divino – e que o que deve prevalecer é a comunhão do amor irmanando todas as espécies vivas do planeta. Recebi, há dias, um e-mail da psicóloga Margarida Mendes, de São José do Rio Preto, SP, anexando um texto da escritora Ivana Maria França de Negri, da Sociedade Piracicabana de Proteção dos Animais, belamente formatado por José Carlos Gregório, que, com a devida autorização de ambos, passo às mãos e olhos dos prezados leitores deste jornal e dos missivistas online. Isso devidamente resumido por este escrevinhador. Que é o seguinte: PEDIDOS DE DESCULPAS – Ivana Maria França de Negri (resumo adaptado). Nós, representantes da raça Homo Sapiens, pedimos desculpas às outras criaturas que habitam o planeta. Pela nossa inabilidade em conservar (usufruir sem degradar) os recursos naturais do meio-ambiente, destruindo rapidamente o que a natureza levou milhões de anos para construir. Que elas perdoem a insensibilidade com que abandonamos cadelas e gatas prenhas, filhotes e animais velhos nas ruas e estradas para morrerem mais depressa. Eles sucumbem aos poucos, por doenças, tristeza e abandono – pois vemos todos os dias centenas de corpinhos estirados nas margens das estradas. Pedimos perdão pela inconsciência, quando aprisionamos animais em jaulas e gaiolas, privando-os da liberdade. Perdoem-nos pela nossa voracidade em utilizar seus corpos como alimentos, sujeitando-os a uma vida cheia de privações – tudo apenas para saciar nossa gula. Pedimos desculpas pela falta de ética ao utilizar suas vidas como experimentos laboratoriais, quando existem outras alternativas de pesquisas. Perdoem-nos por utilizar a força física delas em nosso egoístico proveito, quando poderíamos utilizar outro expediente. E muitas vezes apenas para nosso cruel divertimento, como nos circos, rodeios, touradas e outras ações de martírio delas para nosso exclusivo e mórbido sado-masoquismo. Tudo isso sem falar na caça criminosa para a comilança desvairada e a retirada de peles para o comércio ilícito e desumano. Perdoem-nos também pelas queimadas que poluem a atmosfera e ceifam a infinidade de vidas silvestres. Perdoem-nos por nossa crueldade: pela violação dos santuários ecológicos, pelo desmatamento, pela matança, pela captação de bens naturais e pela poluição generalizada. Perdoem-nos pelo derramamento de petróleo e de outros produtos químicos, nos rios e mares, sacrificando tantas vidas aquáticas pela asfixia, pela hemorragia nefasta de tristes espetáculos degradantes. Pedimos desculpas por considerar todas essas aberrações como práticas comuns na frieza de pessoas ditas civilizadas das cidades, que condenam tantas vidas ao sacrifício mais contundente, que clama aos céus. Perdoe-nos por não sabermos compartilhar com os outros seres vivos da alegria criadora da Divindade, por ignorarmos o que seja conviver pacificamente com os outros irmãos, todos filhos de nossa mãe Natureza. Pobres de nós, chamados seres humanos, que ignoramos que a paz pregada por Jesus está em saber viver harmoniosamente com os seres que compartilham esta empreitada de aprendizado sob a terra de todos e não apenas nossa. E que Deus tenha piedade de nós no fatídico dia do ajuste final das contas. (Pela cópia e resumo do texto de Ivana: LB).

sexta-feira, abril 06, 2007

RESPINGOS ROSIANOS

Colhidos enquanto relia o livro “Ave, Palavra”, e outros livros de João Guimarães Rosa. - Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com o homem? - Ser poeta é já estar no adiantado da velhice? A poesia é também um pedido de perdão? - O esquecimento é voluntária covardia. - Mulher..., bonita como ninguém. Roubei do ruivo perfume de seus cabelos... um grande verde instantâneo. - Amar é a gente querer abraçar um pássaro que voa. - Leoana (a grega) me diz que, se gostasse de mim um pouco mais, ou um pouco menos, me amaldiçoaria. Amiga e amigo. Um amigo de infância – o Tino (Faustino Homem de Melo) do Roldão, disse-me outro dia que acredita na (metafórica?) pregação bíblica de que o homem foi feito do barro. “Se é na terra que ele é sepultado” (hoje nem todos), “é dela que ele renasce, como se fosse de uma semente igual às das relvas e das árvores”. Ele quis dizer que da terra nascem todos os seres do planeta, que a fonte de toda vida está nela: seca, úmida, sáfara, fértil, nos altos e baixos e escarpas de todos os continentes. Pode haver controvérsias neste ponto de exclamação entremeado de pontos de interrogações.Mas a hipótese se levanta, sucinta e provável. Fiquei pensando no velho conceito da contínua transformação dos materiais da natureza, no seio da qual nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, de acordo com o reiterado aforismo cartesiano. Depois, lendo o texto “Terrae Vis”, do lírico livrinho “Ave, Palavra” de Guimarães Rosa, deparei com o trecho do “Divinatione”, de Cícero, onde ele assegura que o que animava a Pitonisa era “uma força emanada da terra”, acrescentando que “são várias as espécies de terras: as mortíferas, as pestilentas e as salubres: algumas engendram homens de espírito agudo, outras produzem seres estúpidos. Assim é o efeito dos diferentes climas, e também da disparidade dos eflúvios terrestres”. Mais adiante, no mesmo texto, Rosa cita Keyserling: “Nas alturas das Cordilheiras, cujas jazidas minerais exalam ainda hoje emanações como as que antigamente metamorfosearam faunas e floras, tive consciência de minha própria mineralidade” As emanações telúricas, boas e más são na verdade inegáveis: mostram-se até com certo acinte em todos os lugares do mundo,impregnados, como nós de sentimentos e idéias deprimentes e instigantes, tristes e alegres, afrodisíacos e melancólicos. É do próprio subsolo (ele, Rosa, quem diz) que “vem ondas de harmonia e de inspiração espiritual”. Ler Guimarães Rosa é assim como ler os aromas e as ocupações da paisagem rural: “a simetria obscurada das coisas, as folhas que crescem como virtudes. Os verdes que vão e vêm, como relâmpagos tontos. A dança mágica do capim que a vaca vai comendo (...), o medo grande que de dia e de noite esvoaça, e que pousa na testa da rês como uma dor” (“Ave, Palavra”, pág. 115). Mais respingos rosianos, de “Sagarana” (edit. José Olimpio, RJ, 1965): - “Agora, Francolin,vá s’embora, que eu já estou com muita preguiça de você”. - “...quando vejo aquele, fico logo amigo da minha faca.... Mas Silvino é medroso mole, está sempre em véspera de coisa nenhuma” (pág. 17). - “Boi apaixonado, que desamana, vira fera.... Saudade em boi, eu acho que ainda dói mais do que na gente” (pág. 58). De “Primeiras Estórias” (edit. Nova Fronteira, RJ, 1988): - “A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração” (pág. 19). - “O peru, imperial, dava-lhe as costas, para receber admiração. Estalara a cauda, e se entufou, fazendo roda: o rapar das asas no chão – brusco, rijo, se proclamara. Grugulegou, sacudindo o abotoado grosso de bagas rubras; e a cabeça possuía laivos de um azul-claro raro, de céu e sanhaços, e ele completo, torneado, redondoso, todo em esferas e planos, com reflexos de verdes metais em azul-e-preto – o peru para sempre (pág. 8). De “Manuelzão e Miguilin (edit. Nova fronteira, RJ, 1984):”A mesmo despois que a visonha daquilo tornou a se desaparecer, a cachorrinha não teve paz. Ela não podia olhar a luz da candeia, não queria de jeito nenhum virar a cara para a banda do fogo da fornalha”... (pág. 177). - “tinha até chorado lágrimas, dessas que violão toca” pág. 188). - “Compadre, vejo. Mais antes trabalhar domingo do que furtar segunda-feira. Mesmo digo. Aqui a gente olha a garapa ainda na cana” pág. 222).

terça-feira, abril 03, 2007

CORRESPONDÊNCIA DE DRUMMOND - REPERCUSSÃO

A descoberta das cartas e dos poemas inéditos que Drummond enviou a Lázaro Barreto no período de 1963 a 1986, pelos jornalistas Luciene Queiroz e Alécio Cunha, mereceu enfática reportagem cultural nas edições dos dias 6, 7, 8, 9 e 10 de abril de 1997, do jornal HOJE EM DIA, de Belo Horizonte. A do dia 6, com fotos e chamada de primeira página em caixa alta, ocupou seis amplas e compactas páginas do caderno dominical de cultura, também com fotos coloridas e ampliadas, encabeçando o título da introdução ao assunto, “Confidências de CARLOS & LÁZARO”, que encaminha o leitor aos textos das páginas 3, 4, 5, 6, 7 e 8. Alécio, com a colaboração de Luciene, conta a história do relacionamento epistolar, baseando-se nas informações verbais do Lázaro e nas próprias cartas do poeta itabirano, transcritas em fac-símiles, bem como os poemas até então inéditos que escreveu especialmente para seu leitor e amigo de Divinópolis, datilografados e/ou manuscritos, em caprichoso visual (a cores, nos originais). Na edição do dia 7 (ainda com chamada de primeira página), o jornal fala ( através do Alécio) da repercussão da descoberta dos poemas inéditos, sob o título entre aspas de uma frase tirada da declaração do crítico Antônio Cândido (um dos maiores nomes da literatura do Brasil): “Esse Achado é Histórico”. Na íntegra a citação é : “É de salutar importância este novo olhar sobre Drummond. Há um vício entre os pesquisadores de acreditarem que a obra de um autor pode se esgotar. Drummond não se esgota e esse achado é histórico”. Ao lado, na página, as opiniões sobre a reportagem: 1 – Antônio Sérgio Bueno, Professor de Literatura Brasileira na UFMG: “Li com surpresa e entusiasmo o Caderno de Cultura do HOJE EM DIA. Pude matar dupla saudade, do maior poeta brasileiro de todos os tempos, de que não esperava mais nenhum sinal depois de “Farewell”, e do querido Lázaro Barreto, a quem vou escrever ainda hoje uma carta de gratidão por este presente que deu a todos os amantes da poesia. O material publicado é da maior importância porque nele se aprende lições da melhor arte poética. De repente, os poetas, especialmente os iniciantes, ganharam dois mestres supremos para qualificar melhor sua luta com as palavras. Muito obrigado, Lázaro, e as mais vivas congratulações ao HOJE EM DIA que nos proporcionou uma luminosa uma manhã de domingo”. 2 – Thais Drummond, Psicanalista e Doutora em Literatura Comparada: “A descoberta da correspondência inédita entre os poetas Carlos Drummond de Andrade e Lázaro Barreto, realizada pelo HOJE EM DIA, vem acrescentar um fio significativo à trama das amizades literárias que se constroem e “desconstroem” a partir dos arquivos de escritores brasileiros. Assim, a matéria “Confidências de Carlos e Lázaro” participa do resgate de nossa história intelectual e ainda inscreve a cidade mineira de Divinópolis no mapa da cultura brasileira”. 3 – Letícia Mallard, Professora e Pesquisadora de Literatura Brasileira: “A matéria foi superimportante, expondo as relações entre o escritor consagrado e o iniciante à procura de espaço. O leitor viaja por inéditos de Drummond que “poetam” o clima paradoxal da dor e alegria dos dezembros, capta-se nas cartas, a simpatia paciente do time do conselheiro literário. E mais: a matéria projeta e divulga o trabalho de Lázaro Barreto”. 4 – Lyslei de Souza Nascimento, Mestre em Literatura Brasileira e Doutora em Literatura Comparada: “No arquivo continuamente aberto das relações entre os escritores, as cartas trocadas por Carlos Drummond de Andrade e Lázaro Barreto promovem novas possibilidades de se acessar materiais até bem pouco tempo considerados “residuais” no universo da leitura e da pesquisa. Muito mais do que rastrear textos de caráter privado, que poderiam ser objetos de mera curiosidade, essa correspondência fornece ao leitor/pesquisador um sem número de leituras que ampliam voz e letra dos escritores. Destaca-se, nesses terrenos sedutores da escrita particular, uma história da intelectualidade mineira da década de 60, cuja recuperação compõe o perfil do escritor mineiro e as inusitadas situações que a escrita pode levar. Desta forma, o arquivo particular de Lázaro abre-se para múltiplas leituras e instaura um “arquivo público” cuja janela reenvia o leitor não só aos textos literários, mas ao mapeamento da poética drummondiana que, nos interstícios das cartas, revelam a liderança do poeta e a amizade intelectual que permeia a literatura mineira. 5 – Vera Casanova, Professora de Literatura Brasileira na UFMG: “...Este espaço nos jornal, dado às cartas poéticas entre Lázaro Barreto e Carlos Drummond de Andrade, abre novos espaços para as letras, mais um momento para a escritura mineira, trazendo o Drummond das cartas, sempre aberto aos novos escritores, descobrindo e inventando afetos poéticos, encorajando a publicação e fazendo seu verso multiplicar e migrar de alma em alma. Lázaro Barreto, aquele que se junta a Bandeira, Murilo Mendes, João Cabral, entre outros leitores de Drummond, e se enreda na paixão do poético, recebendo idílios que ultrapassam as esferas do corpo, indo habitar o eterno lugar do Poeta”. No canto direito da página 1 do dia 7/4/97, o jornal publica o texto intitulado: “Inéditos dão alento ao estudo da Poesia”, que na íntegra é o seguinte: “O filósofo e crítico literário Marco Luchesi, autor de “O Sorriso do Caos”, acredita que a descoberta dos poemas na correspondência entre Lázaro e Drummond valoriza a crítica genética, os estudos dos originais e manuscritos de textos literários e suas variadas versões. “Um poeta como Carlos Drummond merece uma avaliação constante de sua obra”, afirma. O poeta e tradutor Fernando Py, responsável pela organização bibliográfica da obra drummondiana, não se conteve enquanto não ouviu duas vezes a leitura dos poemas. “Não acredito no que meus ouvidos estão olhando. Isto mesmo,olhando e não escutando, porque eu juro que eu posso ver. Por que isso é Drummond e como é Drummond”, disse. O escritor Autran Dourado também está muito satisfeito com a descoberta. “Toda vez que uma faceta não muito conhecida de um determinado autor é descoberta, a Literatura ganha um prêmio. Não vou discutir o mérito literário dos poemas, que creio serem menores no manancial literário tão múltiplo de Carlos Drummond, mas a validade deles é inegável”, disse. Responsável pela futura edição da obra completa de Drummond pela Editora Nova Aguilar, Isabel Lacerda lembra que este material poderá ser utilizado no volume relativo às correspondências do poeta. “É um achado de valor inestimável. Pena que não tenha vindo antes”, afirma, torcendo para que, através desta reportagem, surjam outros “depositários da poesia de Drummond”. E a reportagem segue, com o texto de Nilton Eustáquio (editor de pesquisa do próprio jornal): “Nunca Te Vi, Sempre Te Admirei”. E na página 3 da edição do dia 8, Alécio publica o texto “Todo o Mérito à Poesia Drummondiana”, na qual Lázaro confessa estar receioso de ser mal interpretado ao revelar ao jornal a posse das cartas e dos poemas, quando na verdade só aceitou a publicação visando prestar uma espécie de homenagem póstuma ao grande poeta, na passagem dos dez anos da falta que ele faz à vida literária brasileira. Na mesma edição constam outros textos de intelectuais de renome como Afonso Borges, Eneida Maria de Souza, Maria Zilda Ferreira Cury, Leonel Porto. E nas edições dos dias 9 e 10, 18 e 19 do mesmo mês o noticiário da repercussão prossegue com novos textos em forma de cartas da Mestre em Comunicação Ana Paula Barreto e da escritora Ruth Silviano Brandão, que afirma: “A descoberta dos manuscritos é significativa para os estudos de Literatura Brasileira, não só em termos da obra de Carlos Drummond de Andrade, como da revelação de Lázaro Barreto”. Outros jornais também se manifestaram a respeito da reportagem. O Jornal do Brasil do dia 05/06/97 publicou, com chamada e ilustração na primeira página, o artigo intitulado “Drummond e os Poemas ao Amigo Oculto”, de Fabiano Lana, com ilustração ampliada e reprodução de alguns dos poemas inéditos de Drummond. O jornal AGORA, de Divinópolis, na edição do dia 09/05/97 publica o artigo (com chamada de primeira página) de Guilherme Filho, intitulado “Lázaro conta o relacionamento com Drummond”. Outro jornal de Divinópolis, o GIRO, na edição de setembro de 2002 publica uma página inteira sobre o assunto, intitulada “Frutos de Amizade”, com textos sobre a reportagem, fac-símile de uma das cartas e de um dos poemas – e também do poema “Os Felizes Oitent”anos”, com que Lázaro celebrara, na época, o aniversário natalício do grande poeta. Na Gazeta do Oeste, também de Divinópolis, Maria José Faria Botelho publica, na edição de 11/04/97, a crônica “O Poeta do Dia”. Pessoalmente o Lázaro recebeu inúmeras cartas e telefonemas de outros escritores (inclusive do seu velho e querido amigo José Afrânio Moreira Duarte), de leitores, amigos e estudantes, todas avivando a importância do evento dado a lume como uma simples e sincera homenagem póstuma do destinatário ao remetente da correspondência.

domingo, abril 01, 2007

A POESIA HELENA ORTIZ

Nela a poesia não oferece nem acolhe o poema de circunstância: é ato contínuo do germinar das gramíneas ao desabrochar das orquídeas no chão de pedras e detritos, no ar rarefeito e refeito dos dias inevitáveis do calendário inconsútil. As diferenças e as semelhanças são, pois, indistinguíveis, participam do mesmo rol das realidades que são simples num momento e num lugar, e complexas depois, em outro contexto? Ela é a própria poesia que não se deixa levar pelas aparências dos lugares comuns e dos versos feitos. Ela tem outros olhos, outras pernas nas idas e vindas dos mesmos caminhos nossos de cada dia. Incorpora a própria poesia, que em si mesma é mesmo algo hipotético como o que reza a irônica basófia da linguagem popular: não é favor nem contra, muito pelo contrário. A verdade eterna existe em si mesma, não depende de quem a mencione na contingência dos sentidos constantemente susceptíveis. Eis com que naturalidade surge na página 77 do livro EM PAR (Editora da Palavra, RJ, 2001) o POEMA QUE TECE “quem passa pela minha casa não sabe que lá estou tecendo a vida com cada fio da lembrança de teus cabelos quem vê as flores novas dos maracujás não sabe que onde estou tu estás”. Não é a própria poesia debulhando seus versos com as mãos e as espigas mais apropriadas? Os labores da poesia na poeta não ficam como que subentendidos? No “seu falar” que “às vezes” é “um quase não falar”, a tensão explode não no que diz, mas “no que deixou de dizer” e que “é vivida às vezes como uma bênção”: é assim que Márcia Cavendish Wanderley, em algumas linhas das orelhas do (outro) livro SOL SOBRE O DILÚVIO (editora da Palavra, RJ, 2005), fala da poética heleniana. Repare bem no poema “escombros” e vê se não é bem assim tão meigo e torneado como a Márcia disse: “nasceste numa noite de tempestade juntamos o que tínhamos não era pouco no outro dia já fazia sol morreste numa noite de tempestade no outro dia já fazia sol mas era frio e não recolhemos os destroços nem secamos a água da chuva (era tudo o que tínhamos). Noutro poema (pág. 20), ela diz que “posso mudar essa lembrança – é minha”: confirmando sua pacífica autonomia para dispor dos dados de sua vida e das palavras de seus poemas. Ela é ela e mais ninguém. Pode até sofrer junto com quem ama a noturna angústia de toda a humanidade – mas sabe que no dia seguinte o sol virá para enxugar as névoas. Mesmo no afagante exercício do amor, ela toca com as palavras nos poemas o continuado tema da serenidade diante da data fúnebre, das palavras feias do dia-a-dia, dos escombros reaproveitáveis, dos infiéis abandonos, dos desejos duvidosos e das dúvidas desejáveis, dos amores acompanhados dos respectivos instrumentos musicais (de repente ela se torna um lençol florido de sombras úmidas, a concatenar os dados da intriga, da despedida, da condição humana “rígida e fria”, como no poema da página 47: “eu te matava aos poucos”, sabendo de antemão que as “flores novas plasmam a cena/ recendem/ a cada cheiro de flor”). Fecho o livro para reler depois, sentindo ainda pelos ares da escritura uma oferenda de novos versos, como se a autora continuasse (e deve continuar) a viver mais uma das primaveras em que o livro foi publicado no Rio de Janeiro, sentindo em suas palavras como “é tênue o farfalhar” das coisas, sabendo que “viver é um brinquedo diário de morrer” – pois o que se depreende da leitura é que morrer é sonhar, e que a alma não é apenas visível, mas também uma aproximada amiga nossa. Uma leitura reconfortante, uma lufada de ar aceitável nos dias que correm, tempestuosos.

DOCE JOGO DE LUZES

O doce jogo de luzes dos olhares femininos é uma forma de paz social diante da amargura guerreira de outros olhares de nossos dias atribulados de nossos semelhantes amotinados, infrutiferamente. Uns são deliciosamente verdes quando passam esticados e fúlgidos na procura e na oferta. Outros são negros no semblante consentido a algo que entristece a portadora abnegada. Outros são castanhos na volta do dia padronizado, ou azuis ao longo do sono da meia-noite suspirosa. Outros são verdes quando passam levando recados aos nossos, que ficam , imobilizados no encantamento. Todos vivos dentro do emaranhado de fogos das vestes delas, assim de passagem na contramão da avenida dos flertes. Eles não sabem o que dizer quando procuram o amor em nosso amor? E assim é que de repente surge o olhar inquisitivo a presenciar interrogações persuasivas, insinuantes, assim mesmo de longe, aproximando-se ao distanciar no quarteirão da rua tremeluzente! Sem falar no furtivo de soslaio, suscitador de ilações, que não sabem se dão ou se pedem. Os nomes de cada um são os mesmos de suas donas? Todos bíblicos e nenhum jurídico? Os de Ester já passaram no descuido ou vão passar no prolongamento de uma nova atenção, ao longo das prementes expectativas? Os de Sara, assas ressabiados? Os de Judite, impositivos, requerentes? Os de Débora, inebriantes, inquietantes? E os mais primitivos das egípcias e persas? E os mitológicos das gregas e romanas? e os meramente humanos e não obstante completamente divinos? Eles bafejam, cerceiam, cercam, abençoam seus amantes para agredir e engambelar? Eles podem cegar momentaneamente? Quais seriam as perguntas principais, as principais respostas, que exprimem tão sigilosamente? Ah, nós, os olhados aqui, ali e além, não passamos de vítimas hipnotizadas na festiva chuva desses olhares abençoadores? e aquele que vem de longe, nos entrementes dos revezes, que é apenas e sobretudo um olhar que fulge e foge, que ressurge e torna a fugir: é o que há de melhor no mundo atribulado de tantos outros afazeres tacanhos?