1 – Mae West costumava dizer que quando era boa, era muito boa; mas quando era má, era melhor ainda. Alguém pode rir do sexo? Ela ria. Mas ao contrário do que se propagou durante muito tempo (“tome cuidado ao passar perto dela; sua libido está a ponto de explodir”), ela morreu praticamente virgem. Praticamente virgem? Sim, era uma abstêmia sexual.
2 – Temos que pôr a mão no coração e reconhecer que o sexo é mesmo algo fantástico e que a melhor sexualidade está ao nível de nossas fantasias, derivadas, é claro, de nossa realidade tátil-visual-olfativa-palatável-libidinal, com um pitada de mistério aqui e outra de poesia ali.
3 – Janet Leigh (ou uma sósia perfeita, que a representava): quando a vi numa manhã dominical do Parque Municipal de Belo Horizonte (onde eu vivia na década de 50), com os seus inconfundíveis olhos lancinantes me flertando, ah, tudo mais desaparecia, só ela era toda a manhã dominical, com aquele olhar de poesia que procura um poeta (que infelizmente eu não era) à altura de seus poemas mais interiores.
4 – Drenar um brejo é necessário? O arroz pode ser plantado noutro terreno, o pasto para o gado brota em qualquer outro lugar, mesmo nos altos. Mas um brejo..., a última lembrança de um rio...: é um viveiro auto-suficiente dos remanescentes dos seres amabilíssimos da fazenda. E, além disso, o que será do lençol freático que nele vem tomar um pouco de ar livre?
5 – Só nas mãos dos maus praticantes é que o ato sexual vira um ato violento, uma sevícia, um estupro. Quando isso acontece, a constelação das virgens lá no céu perde o sono e vira uma manada de rãs a coaxarem, transformam-se numa caixa de marimbondos açulados.
6 – Sim, acho que consegui aprisionar nos meus os olhos dela. Estão aqui guardados, retinados, disponíveis para novos olhares pensamentais. Mas até quando conseguirei segurar o brilho deles, tendo no meio tanta neblina, tanta distância?
7 – Todo homem que se defronta com o infortúnio, que é despojado da prosperidade material, acaba descobrindo que existe um remoto e pequeno ponto na imaginação, que não se manifesta amiúde, onde o espírito é capaz de manter-se a salvo, embora tal ponto jamais fosse suspeitado nas épocas de fortuna e abundância. Job transformou-se em primoroso poeta assim que seus rebanhos e manadas foram tomados e carregados. Assim disse James Russel Lowell (1819-1891).
8 –Cibele Ruas dizia em fins do ano passado (2003) que os chamados doces bárbaros (existencialistas, surrealistas, socialistas, hippies, feministas, desconstrutivistas etc), que invadiram e revolucionaram o século 20, estão sumindo. O que é uma pena. Penso na nova barbaridade dos terroristas, traficantes, seqüestradores, assaltantes, homicidas, mensaleiros, sanguessugas, membros da infame corporação do crime organizado, fisiologistas, e desavergonhados em geral) que estão invadindo e destruindo o século vinte e um já, em seus albores. Serão defenestrados como vírus letais? Quando?
9 – O criminoso hediondo (seja de colarinho branco ou de pescoço macuquento) a fugir das pessoas de bem, a procurar o nevoeiro dos ermos, a treva dos abismos. Por que não se planta logo nessas paragens lúgubres, dando sossego às pessoas de bem?
10 – Você se desnuda todo quando perde a vergonha na cara – e aí não tem mais como esconder a feiúra dos defeitos. O sentimento da vergonha sobrepuja o da culpa, como lá diz Silviano Santiago, que põe na boca de um personagem a catilinária contra a liturgia católica da confissão e expiação dos pecados. Pois a nódoa que se aprofunda não se apaga – e assim o expediente do confessionário é apenas uma credencial para novos cometimentos pecaminosos.
11 – O espaço flutuante (da ação e da situação) onde se movem a família e a comunidade: a guerra e a paz coexistem ali, explícitas ou implícitas, diuturnamente.
12 – As oportunidades não surgem gratuitamente, não são atiradas a deus-dará, impunemente. É pré-requisito para aproveitá-las estar adredemente preparado para recebê-las e cair em suas graças e fecundar suas entranhas, injetar e cruzar seus genes, e assim procriar a posteridade dos amálgamas. Assim como as árvores recebem as folhas, as folhas recebem as frutas, assim as mãos do escritor estarão aptas e espalmadas, sanguíneas e sedosas, otimamente preparadas para receber as palavras do dicionário e com a doce desenvoltura dos bons modos amaciá-las, proferi-las no crivo dos bons sentidos, e escrevê-las com todas as letras do alfabeto de que é constituído o mundo e a vida.
13 – Uma pessoa só vale a pena ser uma pessoa se for o amor de outra pessoa.
14 – Toda noite ia finalmente deitar num leito de pedra, tendo de um lado a angústia e do outro a canseira, e no teto o vazio que precisava preencher de sonhos e realidades.
15 – Primeiro você saboreia os doces eflúvios do ilusionismo e da enganação, depois come o pão que o diabo amassou com o rabo. Primeiro as sereias cantam nas ilhas paradisíacas, depois você se torna um bebê chorão sobre o leite derramado.
16 – O que é pior: a arrogância do desafio ou a humildade da cabeça baixa?
17 – Quem quer pegar um passarinho não chega dizendo xô. Mas o pássaro que você pega e mata vira uma cobra na sua consciência, não ? Ou você já é uma cobra?
18 – Uma mulher às vezes vale por todas. É a atriz que encarna várias personagens na sucessão dos espetáculos. A cada aparição dos lábios, e da irreflexão do olhar – é assim que nela espelha-se a noite das peripécias, o dia das surpresas. E depois... a intimidade implícita, a perder de vista...
19– Laura de Mello e Souza (é uma historiadora, mas bem que podia ser um poema, ou melhor, uma poeta) escreve que as colônias já estavam fadadas “a servirem de imenso purgatório aos pecados do Velho Mundo”. Na opinião dela o Brasil colonial era “natureza edênica, humanidade demonizada”.
20 – O caminho ao redor de uma esfera, a beleza que faz chorar. Quantas vezes já tive que recorrer ao lenço para não molhar as páginas de Dostoievski, Proust, Guimarães Rosa, Drummond e Pedro Nava, não por tristeza ou dor, mas pela emoção da beleza ardorosamente encontrada nas palavras que eram gestos, semblantes, beijos, caminhos, desejos, nuvens, fulgores, as palavras como seres e coisas. Os círculos concêntricos ampliando e desaparecendo como os efeitos de pedras atiradas na flor das águas de uma lagoa, que se desdobram em anéis de variações seqüenciais tão graciosas.
21 – Ésquilo define os gregos na peça “Os Persas”: eles não eram escravos nem súditos, -definição que condensa, na opinião de Cornelius Castoriadis, “um programa político para a humanidade inteira”.
22 – O sonho é uma espécie de vida paralela e complementar? Sem ele a vivência estaria confinada, perderia muitas de suas válvulas e de suas ações retroativas e mesmo progressivas. Sonhar é viver.
23 – existem pessoas inconfundíveis que, nem que passem muitos e muitos anos, jamais cairão no olvido de outras pessoas. É assim que às vezes quem está olhando o feio que se tornou, vê o bonito, que não sumiu da lembrança.
24 – A Ida Lupino no filme “Entre o Amor e a Morte”: os olhos em todo corpo, parte da bunda comida por um peixe, mas todinha auto-iluminada. Como uma pessoa assim pode um dia envelhecer e cair no ostracismo? Nem depois de morta.
25 – O verso livre é a linguagem franqueada de toda regularidade rítmica, logo uma prosa, como quer Roger Cailois? Não e não, eu penso. A própria prosa tem que ter lá seu ritmo, se quer exprimir uma continuação de vida e não sua imobilidade.
26 – De fome e de sede morria o rei da lenda no pomar e no jardim onde abundavam as águas das frutas e as frutas das águas..., e é assim que morro de impotência e de ignorância ao pé das armários dos livros da sabedoria humana longamente concatenada.
27 – O colonialismo cultural começa cedo. As crianças de hoje gostam mais de rock do que de samba. Por que? O uso do bico deforma a boca? No rádio, na televisão, em toda parte, só se ouvem a chamada música pop. O samba agora é estrangeiro na própria terra natal.
28 – Com o alargamento dos horizontes as pessoas ficaram contraditoriamente mais limitadas? É difícil de se ver alguém desenvolto, falando à vontade das coisas e dos seres. Onde quer que esteja, está sempre espremido entre aspas, parêntesis e paredes.
29 – Os picles shakespearianos, nunca por demais citados: “me adula quem me conta a verdade”; “jamais a cólera foi boa guardadeira de si mesma”; “a palavra de amor cavalga o coração apaixonado como a plumazinha do cisne na alta onda do mar revolto: sem voltar-se para nenhum lado”. À mulher sovina, que mata o prazer ainda em botão, ele recrimina num soneto, alegando que ela dá de comer à terra o que é do céu. O que em sentido prosaico coincide em linguagem popular brasileira o que o amante afoito diz à amada avara: “se não me der , a terra vai comer”. Nutres o ardor com as próprias energias – ele acrescenta: causando fome onde há tanta abundância. Só ele mesmo, para nos ser tão fiel e prestimoso, heim?
30 – Uma pesquisa nos EUA confirma que é importante para as pessoas acima dos 60 anos de idade fazer exercícios físicos e mentais continuamente, ter a companhia de um gato ou de um cachorro – e que a vida amorosa delas deve ser valorizada, não existindo nenhum motivo para diminuir a atividade sexual.
31 – O poeta, este ser intemporal
contemporâneo do passado
do presente
do futuro
conterrâneo de Demócrito
de Jesus
e
de si mesmo.
32 – Como diria a Sabedoria Zen do Oriente: antes de conhecer a verdade, as montanhas são montanhas, as águas são águas. Enquanto conhecemos a verdade, a montanha já não mais parece montanha nem a água parece água.Mas depois de conhecer a verdade (a iluminação da beleza) a montanha volta a ser montanha e a água volta a ser água.
33 – A expressão “mundo xuxa” começa a ser cunhada na imprensa mais consciente do país, para tentar explicar o esforço (melhor diria o despudor) de certas figuras para boiar na mídia, mesmo que para isso tenha que vender a alma aos diabos da presunção e do estrelismo imposto e não merecido. É uma variação (uma modernização?) da antiga expressão “mundo cão”, sem a mesma crueza, mas com o mesmo despudor.
34 – Falam do chupa-cabra fisiológico e esquecem do chupa-cabra ideológico. Afinal quem esvazia mais a mensagem do socialismo utópico (como uma possível escada de Jacó)? Quem usurpa da juventude bem articulada a vitamina do cristianismo e injeta nela o arrivismo das castas e corporações que se impõem a qualquer preço? Quem fundiu as imagens (agora manjadas) do FHC e do Lula numa espúria bolha gelatinosa? Quem está comendo a mão esquerda das pessoas ou tornando-as, nas pessoas, uma outra mão direita, irrisoriamente cooptada? Esquerda e direita amputadas?
35 – Muito político esclerosado de nascença julga que o poder público é uma creche na qual pode aninhar seus parentes e amigos incapazes de viver por conta própria. É assim que boa parte dos recursos que deveriam beneficiar muitos, concentra-se nas mãos inábeis e desonestas que não sabem e não querem trabalhar e têm raiva de quem sabe e quer.
36 – Cristina Landman, teóloga africânder (da minoria da África do Sul), recomenda a poligamia contra certas conhecidas mazelas sociais: infidelidade conjugal, doenças sexualmente transmissíveis e o divórcio.
37 – Bela Bartok, compositor e folclorista húngaro, era um apaixonado pela busca do novo no velho, assim como no Brasil fazia o nosso querido Mário de Andrade, poeta e pesquisador, que classificava as tradições em móveis e imóveis: elásticas e recicláveis as primeiras, empertigadas e inúteis as segundas. Os dois artistas e intelectuais sabiam dar nomes aos bois, abrir e fechar aspas para citar os precursores e até os diluidores.
38 – O casal andava tão às turras que quando o telefone tocou e o marido foi atender, a mulher ficou de lado, olhando-o, inquisitoriamente, querendo saber quem estava do outro lado da linha. O marido, percebendo, tampou o bocal e disse, olhando-a: “É a sua mãe”. E ela (sabem o que ela disse em resposta, vermelha de raiva?) Ela disse em alto e bom som: “É a sua, seu...!”.
39 – Os monopólios agroindustriais acabam com as fazendas e controlam a produção de grãos no mundo inteiro, causando desemprego, êxodo rural e desqualificação do produto. O sanduíche de presunto não tem gosto de nada “e sua textura”, diz Gore Vidal, “é de um plástico cor-de-rosa. Isso porque nas grandes criações de porcos, estes permanecem em um só lugar durante toda a vida. Como não se locomovem nem fuçam na terra, não criam resistências naturais às doenças”, precisando da injeção de muitas drogas em seus corpos “prisioneiros, até sua morte e transformação em presunto incomestível”.
40 – A criança de hoje em dia considera a violência como algo comum do seu dia-a-dia de tanto vê-la, incessantemente, nos canais da televisão de sua casa. Chego a pensar que ela às vezes chega a pensar que o ser humano em geral só tem mãos para esmurrar e atirar – tal é o grau de veiculação do culto da violência em nosso tempo.
41 – A Televisão Brasileira está ótima em muitos casos e péssima quando acirra a competição por audiência. Aí surgem as figuras nada simpáticas dos Ratinhos e Faustões, dos Gugus e Silvios, das Márcias e Xuxas da vida.
42 – Como sentimos hoje a ausência do político-tribuno e a presença do político-despachante! O primeiro subia a tribuna para defender as grandes causas populares; o segundo é este que entra-e-sai nos gabinetes com os tapinhas nas costas, desviando uma verba daqui e outra dali, desmoralizando as dotações orçamentárias de todas as instâncias governamentais, para unicamente defender os próprios interesses eleitoreiros e bolsistas.
43 – A noite o frio era tanto que congelava a voz até das pessoas monossilábicas. Era preciso que o dia amanhecesse e o sol saísse para degelar o ar. Só então a voz deles ficava audível.
44 – Sade, Byron e Baudelaire, entre outros, trazem a angústia para o primeiro plano da literatura e transformam o feio, não em instrumento de beleza, mas em categoria estética autônoma. Igualmente estão em sintonia com eles as formas sobrenaturais de El Greco, a movimentação trágica dos barrocos, os pesadelos de Goya, a epilepsia de Brueghel, as figuras anãs de Velasquez. Foi assim que modernamente se rompeu a estética tradicional de filiação helênica (adaptação de LB de um arrazoado de Jamil Almansur Haddad).
45 – O doce pássaro da juventude não só voa no esplendor das plumas como canta na graça das flores. E tem a forma física específica e o conteúdo espiritual da conjugada leveza e mobilidade.
46 – É difícil e desnecessário polemizar com as pessoas mentalmente bloqueadas. O raciocínio delas é lento, curto e grosso: vai e volta indefinidamente no restrito círculo do cérebro hermeticamente fechado.
47 – Apreciei muito um dos quadros do especial de TV sobre a premiação do Oscar/98, justamente o que focalizou os astros e estrelas da chamada fase áurea do cinema, que ainda estão vivos. Encantou-me profundamente rever, numa aquarela risonha e franca, as figuras que encantaram minha adolescência e juventude, entre as quais Patrícia Neal, Claire Trevor, Tereza Wrigth e Jenifer Jones, que aproveitei como personagens (a Patrícia e a Claire, marcantes) em meu romance “Por Que Choras, Saxofone?”, ambientado na Belo Horizonte tão cinematográfica dos anos 50.
48 – Enquanto os governos brasileiros (dos municípios, dos estados e da federação) não conseguem resolver os dolorosos problemas dos menores abandonados, um casal de abnegados (ela alemã e ele paranaense, ambos diplomados em cursos superiores, no estrangeiro) começa a executar um projeto de aldeias educativas para menores carentes numa fazenda (que por sinal pertenceu a um trisavô meu) adquirida por uma ONG alemã, em Marilândia, a 30 km. de Divinópolis. O projeto tem tudo para dar certo, é de uma simplicidade franciscana, que inclui a participação efetiva da comunidade e se baseia no princípio cristão do amor entre os semelhantes. Conversando com os dois constatei uma coisa rara, e que devia ser comuníssima: a vida humana tem a mesma importância numa criança de rua e numa criança palaciana. E na ação deles fica também evidente que a humildade dinâmica constrói e que a vaidade improdutiva (que tanto vemos em tantas administrações da miséria) destrói.
49 – A escritora Leyla Perrone-Moisés , em seu livro “Altas Literaturas” esclarece muita negligência da vida cultural de nossos dias no país. Afirma que “os teóricos da escola de Frankfurt discutiam a relação entre arte e política em termos de ação emancipadora do homem. Hoje não vemos nem estetização da política nem politização da arte; o que vemos é uma circulação indiferente da arte, como um dos bens de consumo da sociedade capitalista”. Estado demais é terror, ela diz numa entrevista ao caderno “mais!” da Folha , “mas o que estamos vivendo é o Estado de menos. É a entrega dos destinos, não só da cultura, mas da sociedade, às leis do mercado, que não partem de avaliação nem de critérios de valor, pois só visam o lucro. ( ) O que está acontecendo é uma nova barbárie”. No livro, a certa altura, ela põe a ponta do lápis na crise atual de nossa literatura: “passaram a ter sucesso os escritores fotogênicos ou de vida interessante, as biografias dos mesmos começaram a ser mais vendidas do que as próprias obras.”
50 – O articulista da Folha de São Paulo, Marcelo Coelho, comenta o livro de Renato Mezan “Escrever a Clínica”, no qual o psicanalista tenta montar um curso para melhorar o estilo de escrever dos pós-graduandos em psicanálise e também nos outros cursos. Assim o faz o por estar “chocado com a má qualidade dos textos que é obrigado a ler como pesquisador, orientador de teses e professor universitário”. No fim do artigo, Marcelo escreve: “Mezan está lutando contra as falsas vocações, contra a absoluta falta de talentos”. E fico mais uma vez na dúvida sobre a preferência que as editoras brasileiras têm por livros assim acadêmicos, mal escritos e de sacrificante leitura. Não é um contrasenso?
51 – Pequena Homenagem a Liv Ullmann:
A boca carnuda, os lábios revirados
como os de quem vive a beijar
(inchados de tanto beijar?).
Andando dentro de um sonho,
como se o sonho fosse uma paisagem.
Tire a parte azeda do amor
deixe apenas a mais doce.
Assim quando a luz do meio apaga,
a das beiradas enrodilham-se, rosadas.
52 – Fragmentos da Poética de Antônio Carlos Secchin, publicada no jornal “Poesia Viva” (Rio, agosto de 1997): “evite acordar o incêndio implícito de cada fósforo. E quando nada mais tiver a evitar, evite todos os horóscopos (...) Não nos iludamos: a disputa pelo trono do poder literário anti-acadêmico é tão ferrenha e feroz quanto a que se dá do outro lado. (...) As noites de autógrafos se transformam em rituais simultâneos de batismo e óbito de um livro, que, fora dali, não será mais visto em lugar nenhum”.
53 – Gostei muito da opinião de meu filho sobre os alemães – ele que estava estagiando numa Universidade de lá: “Todos são muito corretos, gostam de tudo muito certo e na hora certa. São rigorosos, mas isso é o correto. Estou gostando muito daqui, embora esteja com saudades daí.”É claro que o jogo de cintura brasileiro, seu flay-play e non sense, são comportamentos mais divertidos. Mas infelizmente toda a virtude dessa bela afabilidade está hoje sendo maculada pelo estigma da desonestidade que provem da chamada lei de gerson que recomenda levar vantagem em tudo, doa a quem doer.
54 – O amor tem seus altos e baixos, alegrias e tristezas, em toda sua inteireza muito de bom e muito de ruim. É uma teia de fios desconsertantes, uma incessante indicação de incertezas, um viveiro de dúvidas. Mas é também uma fonte de boas afirmações: doçura, felicidade, fervor, sublimidade. Diante dele os juízos de valor têm pernas curtas e braços canhestros: as pessoas pisam nos rabos, mordem nas línguas, dão varadas na água, exultam e deprimem com a mesma facilidade (e regularidade). Os conceitos de fidelidade, constância, traição, adultério, continência, param no ar das hipóteses e não no chão firme dos respectivos postulados. É levado da breca, esse tal de amor, essa flama conduzida por Cupido, o deuzinho grego que atirava flechas a torto e a direito nos corações confiados e arrependidos. A sociedade monogâmica sofre com suas diabruras.
55 – Pobre gosta é de luxo, já dizia o carnavalesco Joãozinho Trinta. O historiador francês Marc Ferro afirma que o socialismo ruiu de dentro para fora e não o contrário: a sociedade por ele produzida cansou de dividir as dificuldades e desejou mudar para uma vida mais livre e mais fácil.
56 – O sonho ecológico reincidente. A figuração móvel, tremeluzente,de um círculo branco rodeado de tarjas verdes: a brancura do deserto e a verdura da vegetação. Nota-se na circularidade tremeluzente da brancura um avanço paulatino nas bordas verdejadas. É o avanço da morte sobre a vida, na natureza?
57 – Quando você jura lhe pertencer,
arrepiada e sorrindo
e ele lhe jurar seu amor ser
imortal, infindo –
moça, é bom escrever:
um de vocês está mentindo.
(Dorothy Parker,trad. de Daniel Piza).
58 – Bouchardon, o escultor, disse, há dois séculos: “Quando leio Homero, sinto-me como se tivesse seis metros de altura”. ( ) O grande poeta proporciona aquelas palavras-chave, cuja posse nos transforma em mestre de tesouros insuspeitados, existentes nas cavernas do pensamento, do sentimento e da beleza e que se abrem a nossos olhos sob o poeirento caminho da vida diária”. (James Russel Lowell).
59 – Dizem que o famoso músico mexicano Xavier Cugat gostava tanto de mulher, que mesmo depois de morto, sentindo a aproximação de uma, de dentro do caixão abriu os olhos e disse: “Ô minha linda!”
60 – Carlos Drummond de Andrade, o poeta mais social de nossa história literária, escreveu em uma de suas crônicas que no Brasil o último escândalo nunca é o último, é apenas o anterior ao próximo. Na verdade o tempo brasileiro não parece constituir-se de ciclos sazonais e de fases lunares, mas sim de períodos de violência de ação e de situação. Já sofremos as repetidas fases das fraudes da Previdência e da falsificação de medicamentos e da compra superfaturada das ambulâncias; da corrupta compra de deputados corruptos; das chacinas em presídios e favelas e arrastões em ruas e praias; das fraudes e propinas na licitação de empreitadas de obras e serviços públicos; do extermínio puro e simples e impune dos focos de resistência às arbitrariedades; da onda de seqüestros duradouros, relâmpagos e/ou letais; das constantes e periódicas invasões dos desordeiros chamados de Sem Terra; dos sistemáticos assaltos aos caminhões de cargas; do socorro governamental aos banqueiros e usineiros; do fisiologismo e do nepotismo camuflado aqui e escancarado ali; da ascendência e mandonismo de figuras hediondas tipo PCFarias, Marcos Valério, Zé Dirceu, Paulo Maluf, Eduardo Azeredo, açambarcadores do erário público; da acumulativa, impiedosa escalada do desemprego; da proliferação dos mensaleiros, agora a nível federal, escandalosamente impunes; da diuturna insegurança pública de todo e qualquer rico ou pobre mortal não filiado às quadrilhas do chamado crime organizado; e das rebeliões dos presídios de insegurança máxima, que extrapolam para as ruas como focos de desesperada guerra civil. Até quando tal desordem pública constará da vulnerável e indefesa agenda das pessoas de bem, honestas e trabalhadoras? Qual será a manchete do próximo escândalo desse impiedoso destino da vida nacional?
61 – Está morta a égua, como dizia a titia lá na roça, quando ficava sabendo de algum escândalo público. Hoje os presidentes da república, os ministros, os deputados e senadores, os juízes, os empreiteiros, tantas excelências implantadas na nau dos insensatos. O que ela diria hoje das atuais circunstâncias? A vaca foi pro brejo? Na verdade andamos sempre espremidos entre aspas, parêntesis e paredes, neste país que nunca alcança a maioridade, ou seja, a seriedade. É sair do espeto e cair na brasa, como a tia diria. De tal maneira que a palavra política virou sinônimo da palavra corrupção.
62 – A boa música popular brasileira está emudecendo aos poucos. Às vezes, no trânsito das ruas e das estradas, sinto um pungente mal-estar, fico um tanto inquieto e preocupado. O que estaria acontecendo com o carro ou comigo? Aí resolvo desligar o rádio e assim como que por encanto a situação fica desanuviada e tudo se normaliza. Percebo então que a barulheira da pretensa música é que desatinava o ambiente dentro do automóvel.
63 – As donzelas guerreiras são tão numerosas na história, na literatura, na mitologia, na religião, que talvez possa dizer que não existia etnia que não tenha pelo menos uma heroína representativa da importância feminina. Na mitologia grega, Ônfale obrigava Hércules a cardar e fiar, vestido de mulher, e ainda lhe aplicava chineladas, quando ele se atrapalhava. E mais: Electra, vingadora do assassinato do pai; Antígona, desafiando a lei da cidade; Atalanta, que luta contra o javali divino e o vence. No sincretismo religioso afro-brasileiro, a Iansã, a que roubou o raio dentro da boca de Xangô, tornando-se a senhora das tempestades. E na literatura, a metamorfose de Maria Deadorina de Bettancourt Marins em simplesmente Diadorim, sob o disfarce dos cabelos cortados, os seios apertados pelo gibão de couro. O mito é reiterado na literatura oral e livresca de todos os povos, desde a famosa balada de Um-lan, do século V na China, até à figura histórica e lendária de Joana D’Arc, na França medieval.
64 – Algum tipo de catástrofe, diz Reinaldo José Lopes, atingiu os mamíferos da América do Sul há cerca de dez mil anos. Muito mais que os portugueses e seus sucessores, a catástrofe é a que fez mais estrago na fauna: desapareceram os ursos, cavalos, megatérios (preguiças gigantes), gliptodontes (tatus do tamanho de um fusca), macranquênias (herbívoros), tigres de dentes de sabre. Só os pequenos mamíferos salvaram-se da hecatombe.
65– Muitos bairristas prosaicos esnobam minha bela e querida Marilândia, ignorando a grandeza de seu passado, quando, com o nome de Desterro, era um Distrito polarizador na região, que circunscrevia uma área territorial enorme com partes que depois perdeu para Carmo da Mata, Cláudio, Divinópolis, Pedra do Indaiá e São Sebastião do Oeste. Naquele tempo, metade do século 18 até a metade do século 20, o lugar abrigava uma população mais numerosa do que a do Espírito Santo das Itapecericas (hoje Divinópolis) e de todos os outros distritos regionais da antiga Villa de São Bento do Tamanduá, hoje Itapecerica. Tinha um Batalhão da Guarda Nacional (meu trisavô Bernardo José de Oliveira Barreto foi o Comandante, por décadas), com centenas de praças na ativa e na reserva. Tinha um Juizado de Conciliação, um Clube de Arte Dramática, uma grande produção de rapadura, aguardente, café e, em tempos anteriores, de ouro, muito ouro, nas minas da Lavrinha, do Areado, do Bom Sucesso e nos rios Boa Vista e Itapecerica. É um lugar aprazível (conserva a igreja de Nossa Senhora do Desterro, uma das mais antigas de Minas), banhado por dois rios paralelos e eqüidistantes e servido por uma ferrovia e por uma rodovia. Como se diz: lugar bom está ali, só falta é trato. Terra também do grande estadista Gabriel Passos. E dos irmãos e sobrinhos do Padre Francisco Guaritá Pitangui, deputado provincial e depois deputado geral, nos meados do século 19, quando era o pároco local.
66 – Um simples pensamento
(por mais singelo e belo que seja,
por mais complexo e inteligente que possa ser)
é o que resulta do esforço de uma chusma de neurônios,
uma chuva de pingos da mesma natureza,
uma acareação de componentes,
a coerção de uma força de vontade:
assim chegamos ao mesmo tempo
à iniciativa da finalidade,
à vontade da vontade da vontade.
Mas que façanha danada é esta,
afinal de contas?
67 – Os alforges noturnos da bruxaria despencam dos galhos e dos troncos vivos do arvoredo tolhedor das alturas e olhador dos chãos. Uma fera espiona naquela moita fechada? Uma interrogação atrás do cipoal? As atenuantes estrias filtradas no emaranhado das folhas. As criaturas sem bojo como as borboletas e as aranhas e as siriricas são profundamente superficiais, ou seja, o âmago e a pele delas é a própria encarnação do espírito e da beleza delas. Cada coisinha ou coisona tem lá seu íntimo significado? Tem? Tem! Então por que a nossa vida é tão estreita e pequena num mundo tão largo e grande?
68 – A fisiologia vegetal em vez de catarros, lágrimas, suores, fezes e urinas, tem lá suas raízes, cernes, galhos e ramos, folhas e flores que produzem perfumes, frutas – todo um rol de fortuna botânica na variedade de suas especiarias alimentícias e medicamentosas, e outro rol de fortuna ecológica na variedade dos pigmentos, polens, clorofila, fotossíntese, tudo ali disseminado gratuitamente nos campos, cerrados, capoeiras, florestas, brejos, aguadas, roças e pastagens. O reino vegetal é, pois, mais saudável e independente do que o segmento humano que é, ao mesmo tempo, parasitário e predador.
69 – O ambientalista norte-americano, Adam Werbach, afirma que “mais de 130 espécies desaparecem todos os dias, o que é duas a três vezes acima do patamar histórico”. A causa principal? O desmatamento, que massacra a biodiversidade planetária.
70 – O que é bom e bonito
não é a rigidez da magreza,
mas, sim,
a fofura e a leveza.
71 – Nada de ideologia e seus conceitos de esquerda-direita-centro. Minha cabeça está no centro de minha pessoa, de onde comanda os membros da esquerda e da direita, indistintamente, sem preconceitos.
72 – As instâncias da impotência desequilibram o psiquismo das pessoas solitárias, como já aconteceu comigo em fase conturbada e infeliz de minha juventude. Você procura socorro e não encontra: nem em si mesmo, nem nas outras pessoas.
73 – O sorriso é uma carta de apresentação,
a luz do fogo meteórico de um poema ou de uma estrofe ou de um verso de Guillaume Apollinaire, sobre os cabelos da moça ruiva:
“um belo relâmpago que durasse”.
74 – Das 40 frases de Millôr Fernandes na edição dos 40 Anos da revista VEJA, pinço três: 1): “Pois é, isso que está no congresso eles ainda chamam de evolução da espécie”; 2): “Só há dois tipos de pessoas realmente irrecuperáveis: os homens e as mulheres”; 3): “Quando uma ideologia fica bem velhinha vem morar no Brasil”.
75 – “O amor carnal eclipsa o amor celestial; não o conseguirá por si, mas, com traz em si inconscientemente o amor celestial, funde-se com ele”. – Franz Kafka, em “Parábolas e Fragmentos”.
76 – A morte: espero-a de braços abertos, tão logo termine a revisão de meus livros inéditos. O que deve levar de 4 a 5 anos. Nunca tive medo dela. Creio ser por isso que ela tem poupado minha vivência nestas sete décadas. Sete décadas mesquinhas? Pergunto-me sem queixar-me. Às vezes penso que na relação de minha pessoa com este mundo e vice-versa há uma disparidade recíproca: não nos merecemos! O que tento deixar de bom é o testemunho desate malogro, possivelmente exposto na minha intermitente obra literária. Digo intermitente porque a dor de escrever repete a dor de viver. Ainda bem não estou saindo de uma e já estou entrando na outra.
77 – A sociedade pode viver sem a crença num Deus pessoal e criador, ocidental e restrito, como afirma o filósofo André Comte-Sponville, acrescentando que o confucionismo, o taoísmo e o budismo inspiraram imensas sociedades, admiráveis civilizações, sem reconhecerem nenhum Deus desse tipo cultuado no ocidente.
78 – “O mundo, com as leis da natureza, é mais vasto, mais misterioso do que a Bíblia e o Corão, que os contém” – palavras do mesmo filósofo no livro “O Espírito do Ateísmo”.
79 – Dostoievski seduz pensadores ateus como Lukács, Sartre, Camus e Cioran ao falar sempre num além-mais além do homem, conforme diz Manoel da Costa Pinto no Caderno de Leitura da EDUSP, de janeiro-fevereiro de 2007. Na opinião do biógrafo do autor russo (Joseph Frank), “ele incorporou à literatura a idéia de que a representação realista deve incluir um mundo interior de premonições e um mundo exterior de utopias”.
80 – No Brasil atual vemos todo um povo a um passo para cair na extinção de suas latentes virtudes existenciais (da moral, da justiça, da dignidade), o que descaracterizará qualquer eufemismo patriótico que se queira inserir na combalida nacionalidade. Tudo em conseqüência do lamentável e acintoso arrivismo petista.
81 – Às vezes olhando-me de longe, vejo em mim um outro eu, ainda assim imperfeito como o que agora está com estas palavras nas mãos...
82 – Tome cuidado ao passar por alguém do sexo oposto cuja libido esteja a ponto de explodir.
83 – “O poema é o amor realizado do desejo que permanece desejo” – René Char.
84 – Tão dessemelhante é um amor de outro amor.
85 – As revelações de Rubens Fiúza no livro TIRADENTES são, até hoje, escassamente propaladas na controvertida História da Inconfidência Mineira, repleta de publicações acirrando a polêmica das interpretações. O autor apregoa que a causa principal da sublevação era legalizar o contrabando do ouro e do diamante, tirando o pão da boca do fisco português. O contrabando desviava o destino dos tesouros para os outros países da Europa, deixando Portugal apenas com os respaldos dos forçosamente declarados. Para se livrar do rigor da represália portuguesa, o contrabandismo sonhava com a independência e o fim do colonialismo. Afinal de contas o tesouro que Portugal levava, não seria também algo ilegal, uma espoliação, um tráfico, um contrabando? Não foi assim que o Brasil enriqueceu a Europa e ficou no pauperismo que vigora até nos dias de hoje?
86 – O mundo tem seus ocos escuros, seus espinheiros luzidios, suas paredes e tampas – e mesmo assim chove dentro.
87 – Na conhecida e amistosa tarde rural eu sentia a respiração das árvores que me acompanhavam da beira das estradas.
88 – A gordura que escorre no fogo, a carne que sapeca no borralho, os horríveis sacrifícios pascais. Como poderiam ter legalizado tais abominações?
89 – Sim, penso que consegui aprisionar nos meus os olhos dela. Estão aqui guardados, disponíveis para a renovação dos olhares. Mas até quando conseguirei segurar o brilho deles, tendo no meio tanta neblina, tanta distância?
90 – O transe crucial no qual até a sensualidade é afetada e até suprimida é algo que beira o mortal precipício.
91 – Todo homem que se defronta com o infortúnio, que é despojado da prosperidade material, acaba descobrindo que existe um pequeno, um remoto ponto da imaginação, que não se manifesta amiúde, onde o espírito é capaz de manter-se a salvo, embora tal ponto jamais fosse aproveitado nas épocas de fortuna e abundância. Job transformou-se em primoroso poeta assim que seus rebanhos e manadas foram tomados e carregados. Assim escreveu James Russel Lowell (1819-1891).
92 – O mundo que temos é este mesmo que temos de melhorar, continuamente.
93 – Mesmo a alegria, quando avaramente vinha, trazia consigo a parcela de angustia.
94 – O amor seria algo limpo e maravilhoso se não fossem a s sujeiras e feiúras que ele atrai, provoca e perpetra. Às vezes fica tão perto do ódio, que acontece até de confundirem-se. Mas a vida sem o amor é uma maçã sem casca, da qual se tirou a polpa – e só as sementes ficaram nas mãos vazias.
95 – Enchemos as mãos e os quartos de nossos filhos de bugigangas (tambores, bonecas, cavalinhos). Com isso desviamos dos olhos dessa criançada a face mais singela dos objetos existentes na natureza, como o sol, a lua, os animais, a água e a pedra e as árvores, que deveriam ser os melhores móveis de seus brinquedos. Raph Waldo Emerson.
96 – O isolamento dos amantes é o ponto de união deles. A paixão é algo muito concentrado, que não pode espairecer sem correr o risco de expirar ao respirar. Os apaixonados constrangem-se nas reuniões sociais, afrouxam os laços íntimos e é assim que os vínculos vão se desapertando, ambos se distanciam, mesmo estando juntos.
97 – Quem não ama Virginia Wolf? As olaias brilham no jardim, ela diz. Amor é ódio, ódio é amor, ela diz. E diz também: duas ou três mil palavras são insuficientes para descrever o que se vê num minuto.
98 – Os homens que não levam a sério as mulheres, que não lhes dão a merecida atenção: são os que mais temem o mistério que há nelas.
99 – Saudade, única dor que tem prazer, como lá diz o Almeida Garret.
100 – Há tempos que venho pensando em escrever um livro sobre um fazendeiro que conheci em Conceição do Mato Dentro. Ele confessou-me que tinha cento e tantos filhos naturais, conhecidos socialmente pelas mães e por ele mesmo como “seus afilhados”.
101 – Os poemas copiados de outros poemas provavelmente se extinguirão no tempo. O covarde certamente morrerá e será esquecido. A expectativa de grandiosidade só pode ser satisfeita de acordo com uma conduta vital e grandiosa. O enxame dos aduladores, dos imitadores, navega à deriva e não deixa lembranças. Assim falava Walt Whitman (1819-1892).
102 – A verdadeira música existe em si mesma, não é necessário que alguém a toque ou cante. É tocada e cantada no silêncio e no barulho: ela expande, deambula e exaure nos quatro cantos de sua específica dimensão, trauteando e harmonizando seus acordes e timbres, tudo colhido das esferas do mistério que a envolve lindamente.
103 – O rosto de Greta Garbo é um pensamento de Deus!
104 – Deus, em seu poder sobre todas as coisas, pode ser solteiro ou viúvo, mas enquanto criador de todas as coisas era, certamente, casado e bem casado. Só mesmo algum celibatário convicto é que boicotou o nome da Deusa.
105 – As palavras não são apenas palavras, as coisas não são apenas coisas. Há uma inteligência e uma sensibilidade, envolventes.
106 – Fugir da tristeza, deitado na cama, é mais difícil do que fugir de um cão furioso numa estrada bem larga.
107 – Como Sartre, depois do filme e já na rua, eu me sentia um pouco mais que eu, quase um outro.
108 – Os olhos dela falavam de lugares logicamente inexistentes, familiares a eles, olhos dela.
109 – As ações melancólicas dos que não se arriscam, não sobem nas árvores nem caem nas águas, dos que recebem de mãos beijadas o fruto do trabalho dos outros....
110 – A prospecção de minha lavra: capenga aqui, afoita ali, quase sempre esbarrando num cristal inamovível.