quarta-feira, janeiro 31, 2007

ALGUNS POEMAS LÚGUBRES

1 – O Mau Tempo. Quando a sabedoria joga com os contrários para acertar a flor do alvo, geralmente acerta. Mas ah oh quê azar! Logo-logo o aziago cantar da acauã vem vem dizer que a realidade do dia-a-dia nevoento é mais forte que o sonho da noite enluarada. Assim é que é: Vamos na brisa Voltamos na avalanche. 

2- Rito de Passagem. Sofri as boas festas do Natal, da Passagem do Ano, do Aniversário Natalício, em clima de névoas e trovões, de chuva intermitente no coração. Cheguei a pensar que não ia agüentar tanta aleivosia e malquerência (gratuito ódio contra minha pessoa, que julga nunca ter feito mal a ninguém?). (Alegaram contra mim que estou velho, que preciso morrer e que e que não morro?). Mas hoje, passado o pior, vem a chuva torrencial, alagando a rua de minha casa. Alagando-me todo, em lágrimas redentoras. 

3 – A Morte. Sonhei estranhamente com a suicida de um país distante, que se feriu continuamente com uma faca de cozinha, sem ponta aguda, sem lâmina afiada, cinqüenta e uma vezes consecutivamente, em várias partes do corpo, até perder todo o sangue que tinha. Coisa horrível. Eu não teria essa coragem. Sempre desejei morrer como um passarinho: sem um pio sequer, no galho da árvore que o viu nascer. Por que alimento uma amizade tão estreita com a tal Fatalidade? Sei não, nem quero saber. Desde quando perdi a razão de viver? Não na infância nem na juventude, quando tanto amava os pais que me amavam... Seria depois na juventude, na maturidade? Não e não. Tanto amava os filhos que me amavam... Só agora, então, na casa dos setenta? Não mereço mais nenhum amor? Não mereço mais nenhum amor? Tenho os filhos que me amam! Mas é triste, inconsolável ser assim amado só por quem só por quem prescinde de nosso amor. É ou não é? O que me resta? O sentimento de ser demais na ordem das coisas? Uma pedra, duas pedras nos sapatos de Deus? Um reles incômodo na fila dos aposentados? 

4 – Pressionado Pelas Irresoluções. O dia todo dia espouca e esplende vigoroso, indiferente aos problemas físicos e mentais dos seres humanos desnorteados na progressiva desumanidade pelo jugo da incúria da possessão demoníaca do salve-se quem puder do poder espúrio do crime muito mais organizado que sua pálida repressão. Assim pressionado pelas irresoluções de todo mundo o poeta das sonhadas alturas nivela-se ao reles comedor de feijão pútrido deste mar de lama em que se afunda a dignidade do brasileiro agora ainda mais atacado pelas chagas de fogo do braseiro do outro mar que o afoga pelo alto em brutais camadas de ozônio.

5 – Quase Duzentos Anos Depois (*). Olhaí o Brasil brasileiro, segundo o maldizer do emigrado português, Luiz Marrocos, arquivista da biblioteca Real em 1812: “Estou tão escandalizado do País” (tão escandalizado do País), que dele nada quero” (que dele nada quero). “E quando daqui sair” (e quando daqui sair), “não me esquecerei de limpar as botas” (não me esquecerei de limpar as botas) “à borda do cais” (à borda do cais), “para não levar o mínimo vestígio” (para não levar o mínimo vestígio) “da terra”, “tão benéfica que nem aos seus perdoa” (tão benéfica que nem aos seus perdoa). 

(*) Trecho de uma carta de um dos mais de dez mil refugiados que acompanharam Dom João VI na transladação do Império para a Colônia. Ver o livro “Império À Deriva”, de Patrick Wilcken, trad. de Vera Ribeiro, Edit. Objetiva, RJ, 2004. 

6 – O Quadrúpede Andróide? As quatro eleições tuteladas As quatro gestões executivas Os quatro cavaleiros do apocalipse As quatro estações do inferno As quadras (quadrilhas?) de brasília Os quatro vezes quatro vezes quatro anos de erros e de corrupção Os quatro apelidos da tristeza esburacada e da leviandade mais gritante: o homenzinho da vassoura apressada o aiatolá de butique da casa da dinda o tucano sem tu e sem cano o atual descalabro As quatro portas de saída do purgatório As quatro portas de entrada nos infernos.

sábado, janeiro 20, 2007

FREUD EM RELES PALHETADAS

O pai na calçada da humilhação (o judeu diante do nazista) O amigo alemão (de igual para igual) O malogro da hipnose (o assédio mais veemente de uma inglória sedução?) Sob o olhar de Sartre (embevecida admiração) Sob a crítica de Jung (um passo adiante, tropeçando?) O tabaco a derrotar a psicanálise (o santo de casa não faz milagre). A explicação que oblitera não conjura. É a que leva a insônia na conversa, encomprida os dias da vida em sã consciência.

RODIN E CAMILLE

A porta do inferno abre para a grandiloqüência do horror O homem que pensa aqui é o mesmo que beija ali? Ele, Rodin Ela, Camille : um beijo em forma de pessoas? Ele esteve no inferno antes dela morrer? Não foi de lá que ele a deprimiu? Que a enlouqueceu? Que a matou? Mas... apesar do rombo em si de toda a demonização nele os metais e as pedras falam mais alto são cordas nervos línguas humores são palavras ásperas com a delicadeza dos liames e dos limos e dos caroços que se moldaram nas mãos dele em amargas cóleras de doces eflúvios. Mas... como pode assim do pior conseguir o melhor? ninguém entende ninguém entende porque ele preferia o duro o opaco o surdo e o mudo se mesmo ali, aos pés de Camille ele conseguiria o airoso e o translúcido, o atencioso vocabulário do amor que toda humanidade precisa.

OS ELEMENTOS FORTUITOS

Se a vida subterrânea das minhocas tatus formigas e a de superfície dos coelhos patos jaguatiricas e a aérea dos pássaros macacos mosquitos Ah, se o cotidiano dessas espécies fosse regido pela ganância do ganho e pelo medo da perda (desditas que regem o gênero humano) Ah, os campos águas ares montanhas teriam a mesma insânia a mesma briga de foice no escuro a mesma gritaria-pancadaria-tiroteio das casas ruas bairros cidades lugares crivados pelo bobo e atroz sofrimento deste ser inferior chamado humano que está sempre em outro contexto tentando inventar um rosto para esquecer outro tentando escrever um verso para nele contar o que nunca aconteceu nem acontecerá.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

DENTRO DOS HORIZONTES

A cidade “apresenta em seus principais lineamentos topográficos a bela forma de um vasto anfiteatro aberto para o Oriente, como que para receber desde cedo os benéficos raios solares, e, encostando-se ao Sul, a Serra do Curral que a protege contra os ventos frios e úmidos que nessa direção atravessam as serras de Ouro Branco e da Moeda”. Aarão Reis, em 1893. Avenida Afonso Pena. O amoroso transcorrer das pessoas em suas pernas e braços mentais. O corredor das atividades sob à luz das necessidades. O céu que se abaixa no Horto, eleva-se no Calafate. A vívida expressão de interesse pelo que der e vier no trânsito dos momentos mais aproximados. O caminho dos objetivos na mobilidade das pessoas blindadas, sob à luz das necessidades, nos pontos obscuros das transigências, como numa tomada panorâmica de um filme de Helvécio Ratton. Praça Raul Soares. A manhã plúmbea, a tarde amarronzada, as sutilezas dos segredos das moitas delineadas. As células corporais renovam-se de vez em quando, assim como a corporação vegetativa dos jardins centrais e dos quintais adjacentes. Todas as pessoas bonitas e confiáveis evocam a inauguração católica apostólica romana do Congresso Eucarístico em 1936, ainda hoje vigente na perfeita circularidade dos aspectos visuais, na aclimatação das circunstâncias e dos parâmetros, na exclusão das contrariedades.... Uma certa doçura até hoje, nublada na lembrança? As redondezas hoje erguidas enevoaram-se? Parque Municipal. Quem estiver prestes a desistir de tudo, a desabar sob o reles céu cotidiano, a sofrer a falência dos sentidos das coisas, que dê um pulo ao Parque Municipal, que percorra as alamedas da educação física e assim defenestre a falta de sentido das coisas e assim sinta apolíneo e peripatético, e o bom sentido da vida a brilhar nos olhos das pessoas novamente auto-reencontradas nas caminhadas a favor das articulações. Ali é onde e quando o paciente encontra o mote da oralidade e do coloquialismo na fragrância das espécies vegetais já extintas em suas matas ciliares, em seus rincões distanciados. É ali mesmo que nos compenetramos de que, oh!, se se perdemos a libido, perderemos a graça de viver... E assim imbuídos do clima do lugar, num átimo a nossa cabeça volta a seu lugar, o corpo se empertiga. E o mundo recomeça a girar. E, filhos doentios do êxodo rural, relembramos os arejados dias lá da roça, onde os animais nunca erravam, nunca erram. Por que não desfrutar a boa parte da roça bem aqui nesse fluido, nessa verde parte da roça, bem no coração da cidade? Praça da Estação Ferroviária. O chefe do trem recolhia as passagens, a repetir: “Belo! Belo! Belo Horizonte!” Eu sofreava a cogitação, fechava os olhos nas curvas. “Você vai gostar da Capital”, a moça dizia. Se se joga uma pedra, ela vira passarinho?, eu pensava. As casas passam no escuro, iluminadas: nunca tinha visto tamanho prodígio! As rodas arrancavam fogos nos trilhos, rilhavam nas curvas do Calafate. Eu via os arcos e as flechas de pedras caiadas, a face dos bichos selvagens da modernidade. A praça abarcava os canteiros de automóveis. As luzes no chão de vidro negro.... A cidade nua estampava num átimo o cenário de um filme policial com Humphrey Bogart, bem assim de repente aos olhos atônitos dos roceiros que chegavam, tecendo em si as novas perplexidades palpitantes dos próximos dias. Praça Sete de Setembro. Belo Horizonte tem seus dias de outras terras? A folgança domingueira nas alamedas triangulares do Parque: teria lá uma vez ou outra similar em outras paragens? Foi aqui na parte da tarde da Afonso Pena que Mário de Andrade viu o céu pintado por pincéis de macaúbas? Os ares de outras terras em nossos dias.... A cidade evoca contos passadistas ou futuristas? Enéas encalhado nas costas da Líbia, revê cenas dos filmes da refrega greco-troiana? Uma réplica bem aqui do bosque sagrado de outras eras? Ah! mais uma vez as sombras das distâncias são as voragens mais próximas! Ah! O pirulito da Praça Sete é o ponto de exclamação da bela arte de Antônio Gonçalves Gravatá, pai de nosso saudoso amigo , o bibliófilo Hélio Gravatá, que Deus os tenham nas alteadas e aladas praças de Lá! Pampulha. As temporárias bonanças do espírito humano na modernidade sadia que respiramos.... As pessoas bem formadas, efígies poéticas (JK, Lúcio Costa, Drummond, Rubião), estão na conjuntura dos melhores fragmentos. Os relevos da lisura, os azulejos dinâmicos. O marco inicial da periférica grandeza (a igreja futurista, o jardim zoológico, o lago artificial, o museu de arte, a casa do baile, o iate tênis clube, o mineirão, o mineirinho), leva ao povo as regalias da elite? Os pássaros cantam nos dedos de Portinari. As caminhadas salutares no contorno da lagoa. Arquitetura reflorida de Niemeyer. As formas arredondadas dos jardins de Burle Marx: tanta vida nas efígies da beleza da beleza mais pública e notória. Praça da Liberdade. Como se a visse pela primeira vez, ainda agora o olhar não se contém nos circulares imóveis desdobrados, cujos interiores são de palacetes, estruturais e funcionais e aprazíveis aptos a “preservar a tradição liberal”, como diria o estadista Milton Campos. Normalmente as pessoas que procuram a plenitude fogem de um vazio que ocupa o lugar da plenitude. Mas bem ali a esteira de outras luzes azula o verde fugindo entre as rosas geométricas, como diria Carlos Drummond de Andrade, sob o renque das palmeiras imperiais. Os Bairros Telúricos. Belo Horizonte é o círculo de seus bairros de nomes alpestres, rupestres, silvestres (Prado, Calafate, Gameleira, Barreiro, Serra, Mangabeira, Horto, Floresta, Lagoinha, Cachoeirinha, Pampulha, Bonfim): cada um com a sua particularidade fisionômica, seus arranjos de ruas e flores e janelas e pessoas: de um lado a sintonia dos monossílabos orais, do outro a arrumação das roupas no corpo e na alma de uma humanidade aluada em pleno solstício tropical. Seus acidentes toponímicos, concatenados nas redondezas das captações visuais, tinham lá seus brejos e córregos, morros e fontes, nascedouros e cemitérios, tudo de útil e agradável para aglutinar as etnias, os étimos, as etnologias, os adventícios de toda parte, na parte mais preciosa das minas gerais de tantas freguesias e primazias. aqui dentro e diante dos belos horizontes “Palpita em cada coração o pássaro da liberdade”, como já disse a nossa bem amada Henriqueta Lisboa.

POEMA ESPONTÂNEO

As linhas retas são atalhos que levam ao destino comum. As linhas curvas são retalhos que vestem a mente (mentirosa? verdadeira?) dos destinos incomuns. Quantas vezes, desvencilhando de vis emboscadas, perdemos até o que não tínhamos, nos entroncamentos arrevesados das artérias enganadoras? Às vezes defrontando a beleza perdemos a compostura. E no deleite total das regalias confirmamos o até então não sabido, assim aereamente experimentado.

O CINÉFILO INVETERADO

Do livro “Os Filmes de Minha Vida”, de François Truffaut, trad. de Vera Adami, Ed.. Nova Fronteira, RJ, 1975, pág. 280: “ Um jornalista sueco escreveu: “Bergman sabe um pouco demais sobre as mulheres”, e Bergman respondeu: “Todas as mulheres me impressionam. Velhas, jovens, altas, baixas, gordas, magras, grosseiras, pesadas, leves, bonitas, atraentes, desengonçadas, vivas ou mortas. Também gosto de vacas, macacas, porcas, cadelas, jumentas, galinhas, gansas, peruas, ratazanas, e hipopótamos-fêmeas. Todavia, a categoria feminina que mais aprecio é a das feras e dos répteis perigosos. Há mulheres que detesto. Gostaria de matar uma ou duas, ou então de ser morto por elas. O mundo das mulheres é o meu universo. Eu talvez evolua mal dentro dele, mas não há nenhum homem que possa se gabar de fazê-lo inteiramente bem”. Da revista ALETRIA – Literatura e Cinema, UFMG, BH, 2001, pág. 9, de um texto de Peter Greenaway (trad. de Miriam Ávila: “...todos sabemos que a literatura é superior ao cinema como forma de narração. Ela potencializa a imaginação como nenhuma outra. Se você quer contar histórias, seja autor, novelista, seja escritor, não seja diretor de cinema. (...) Leia “ele entrou na sala” e imagine mil encenações. Veja “ele entrou na sala” no cinema-como-o-conhecemos e você ficará limitado a uma única encenação. “ Na página 70, Anita Leandro, da UFRJ, complementa a relação cinema/literatura: “Como PRENON CARMEN”, todo cinema de Godard procede a essa mesma abordagem da literatura, mantendo com ela uma relação de pura interdicisciplinaridade. Não se trata de adaptar a literatura ao cinema, mas de formar com ela um par e, junto com ela, a partir dela, produzir uma escrita essencialmente cinematográfica, na qual, como diz Bazin, o cineasta possa, enfim, “se igualar ao romancista”. Da Revista de Filmes em Vídeo QUEM PROCURA, ACHA: Woody Allen, na opinião do crítico Jack Kroll: “Seu rosto parece sugerir que Deus é um cartunista” Wood afirma não pretender a imortalidade através de seu trabalho: “ prefiro obtê-la simplesmente não morrendo”. O primeiro teste de Fred Astaire em Hollywood teve o seguinte resultado: “Não sabe representar. Não sabe cantar. Meio careca. Dança um pouco.”. Opinião de Brigitte Bardot sobre os homens: “A humanidade me enoja, mas distingo dois tipos de homens. Os primeiros são sensíveis, carinhosos, eu os amo. Os segundos são cruéis, violentos, e eu os evito”. A receita de boa forma física de Tônia Carrero concentra na letra G: ginseng, gelatina, gengibre, guaraná, germe de trigo e ginástica. Gordura, nunca”. As contradições da política: em 1952, quando estava na Europa com Oona O”Neill e alguns de seus oito filhos, Charles Chaplin foi surpreendido com a decisão do Governo Truman de considerá-lo passível de prisão por suas supostas atividades antiamericanas, caso regressasse aos Estados Unidos. (...) Em 1972 ele viveu um grande momento de glória ao retornar ao País para receber seu segundo Oscar Especial. Já debilitado, ele viu a América lhe pedir perdão. “ Ela poderia derreter um homem com um mero levantar de sobrancelhas e destruir uma rival com um olhar. Ainda que tivesse apenas a voz, poderia partir o coração de qualquer pessoa. Mas tinha também o corpo maravilhoso e a beleza intemporal do rosto”: Assim Ernest Hemingway descreveu Marlene Dietrich, a bela diva, o grande mito do cinema.

terça-feira, janeiro 16, 2007

POETAS E POETAS

1 – POESIA DO BRASIL – Vol. 3 – “Proyecto Cultural Sur-Brasil – Org. de Ademir Antônio Bacca – Bento Gonçalves – RS. Os objetivos da publicação, contendo poemas de mais de 30 autores de todo país, inclusive o mineiro de Três Corações, Hugo Pontes, hoje radicado em Poços de Caldas, que já viveu em Divinópolis, onde contraiu matrimônio com a Professora Iara Manata. Especializado em poesia visual e de ótimo trânsito na prosa especulativa e de teor histórico, ele já publicou mais de dez livros, além de participar de incontáveis antologias no País e no Estrangeiro. O livro é amplo, eclético, muito bem paginado e de ótima qualidade estética. O poema VULTO, abaixo transcrito, é da poeta Valéria Tarelho, de São José dos Campos, SP: “Palavra, não estou sozinha. essa minha clausura admite companhia : poesia que me povoa verso que apavora fantasma, que é Pessoa”. É um livro para se ler devagar, durante muito tempo, o que pretendo fazer, prazerosamente. 2 – A POESIA DA ÁGUA – Retratos Escritos de Poços de Caldas. De Hugo Pontes, capa de Victor Hugo Manata Pontes, Gráfica Sulminas, Poços de Caldas, 2004. Prefácio de Antônio de Paiva Moura e Comentário de Luís Nassif. Belo livro, um verdadeiro, grandioso e expressivo cartão postal da cidade que por si mesma, pela beleza de suas virtudes visuais e ecológicas, é um belo e verdadeiro e grandioso e expressivo cartão postal do Estado de Minas Gerais. Começa especificando a cronologia das águas termais, enfatizando os eventos mais significativos a partir de 1786. Passa em seguida para o capítulo “Uma Imagem em Construção”, transcrevendo criticamente textos de relatos e de notícias e comentários de Saint-Hilaire, Dom Manuel de Portugal e Castro, Joaquim José da Silva, e muitos outros, incluindo textos sobre a posse da Sesmaria em 1820, que deu lugar à cidade. Exercendo todas as habilidades intelectuais que lhes são intrínsecas, ele traça o retrato escrito do Município através de criteriosa pesquisa e de sábia descrição dos passos e caminhos do aproveitamento das riquezas naturais de uma forma ecologicamente correta e poeticamente inspiradora, como bem demonstra o capítulo “Literatura – Uma Explicação Necessária”, do qual transcreve textos de Olavo Bilac, Coelho Neto, Evaristo Gurgel, Leopoldo Amaral, João do Rio, Felinto de Almeida, Carlos da Maia, Armando Prado, Artur Azevedo, Alberto de Oliveira, Belmiro Braga, Menotti Der Pichia, José Lins do Rego e Guimarães Rosa, todos louvando as virtudes termais e as outras virtudes da cidade das rosas e das noivas, em termos não só de encantamento como de agradecimento pelos benefícios físicos e mentais recebidos da salubridade climática. De Alberto de Oliveira, citamos a ilustrativa estrofe: “Este recanto, amar tudo convida Que amor é vida, Mas a quem pôs aqui tanta beleza À alma da natureza Uma oração mandai; Amai! Orai!” 3 – 110 ANOS DE IMPRENSA POÇOS-CALDENSES, também de Hugo Pontes, Edit. Sulminas, Poços de Caldas, 1999, prefácio de Marcos Cripa. O índice convidativo enumera a rica profusão dos folhetins publicados no Sul de Minas desde 1830, que circulavam regularmente em toda a região, dando notícia da evolução das idéias e dos fatos ocorridos no seio das populações que impulsionavam o urbanismo de cidades hoje polarizadoras como Pouso Alegre, Três Pontas, São Sebastião do Paraíso, Passos, Itajubá, Alfenas, Caxambu, Lavras, Oliveira, Três Corações, Varginha, Guaxupé e tantas outras. Em seguida o autor entra diretamente na história da imprensa de Poços de Caldas, especificando a relação dos periódicos (data de fundação, periodicidade, formato, editores), entremeada de reproduções miniaturizadas (e legíveis!) dos jornais mais representativos. O primeiro, “Correio de Poços”, fundado em 1889, abre uma extensa relação de páginas (mais de cem!), revelando os dados históricos essenciais das publicações de todas as épocas em índices pelas ordens cronológica e alfabética, o histórico dos pioneiros (proprietário, editores e colaboradores), entre os quais alguns reconhecidamente famosos em outras plagas (Aluízio Pimenta, Evaristo Gurgel, Jacinto Ferreira Guimarães, Pinheiro Chagas, Luís Nassif, (de renome como compositor de música popular e como articulista da grande imprensa de São Paulo), Menotti Del Pichia (poeta consagrado na história da literatura brasileira), Paulo Mendes Campos (idem, idem), Antônio Cândido de Mello e Souza (sem dúvida alguma é o melhor crítico literário que pontificou no Brasil até os dias de hoje), Jurandir Ferreira etc. Na orelha da contracapa Pedro Varoni de Carvalho escreve: “O talento e a paciência de Hugo Pontes estão a serviço da memória da cidade que ele escolheu para viver. Depois de nos contar a história da Caldense, o autor envereda pelo caminho da imprensa. entre a criação de um e outro poema visual e as imensas atividades profissionais, Hugo Pontes ilumina o passado, a melhor maneira de lançar luz sobre o futuro”. 4 – ASAS DE ÁGUA, de Clevane Pessoa de Araújo Lopes, Editora Plurarts, Belo Horizonte, 2002. Clevane é uma poeta de nascença, como se diz. Predestinada, aceita o peso da láurea, sorri para os espinhos da beira do caminho e segue carinhosa, expansiva, esbanjando cristandade (o amor dos semelhantes) e o bom senso cultural da vivência poética de metodologia mais simples e espontânea, com a boa palavra em todas as momentâneas eventualidades e singularidades do cotidiano assim embasado e embelezado. Como um rio de águas caudalosas, a poesia dela banha não só as margens como os horizontes mais distantes. Neste livro ela dedica-se a palmilhar sítios onde jazem, sempre vivos, os ícones mitológicos Cronos, Eros, Ilirio, Galatéia, Afrodite, Urano, Orfeu, Hera, Zeus, Dionísio, de forma tão fagueira e informal como se todos estivessem bem alojados, agora, em nossas Chapadas de Diamantina e de Guimarães, nas Zonas das Matas e dos belos Horizontes. Assim mesmo, como ela diz: A natureza chovendo a cântaros... Dentro de meu âmago meus prantos são cantares de fertilização.

sábado, janeiro 13, 2007

O JORNAL DEZFACES

Os três primeiros números ( de novembro e dezembro de 2006) do jornal DEZFACES - nome inspirado no “Poema das Sete Faces”, de Drummond, que a bem dizer inaugura o movimento literário modernista em Belo Horizonte de 1930 (abrindo o livro de estréia dele, ALGUMA POESIA, que é uma espécie de catálogo de irreverências formais de “desconstrução” da maneira acadêmica de escrever, e de “construção” da maneira mais contextual de escrever e viver a poesia nos novos tempos). 

O plano de seus mentores e ativistas é a publicação de dez números até julho deste ano, através do financiamento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, edições a cargo de núcleos/grupos editoriais (cada um responsabilizando editorialmente por cada número). Uma inovação editorial, como se vê, curiosa e interessante. Se a moda pegar, será ótimo na difusão da literatura e na pré-ocupação dos novos autores, que assim encontrarão a motivação e o aperfeiçoamento no próprio “fazer” da obra, sentindo de dentro a dor e o prazer da criatividade individual, com os respaldos e junções grupais de gerações até então sem veículos para se movimentarem livremente. Bem atraente as capas com os nomes dos participantes em ordem alfabética, encarreirados verticalmente. É com prazer que transcrevo a nomeação, seguida , quando possível, de uma sintética citação: Adriana Versiani (“o que ama diz mais quando escreve e o que odeia silencia mais do que diz”); Ana Caetano (“e, se agora é assim... a poesia é a textura do deserto da palavra eu”); Ana Paula Pinto Alves Conde (“as ervas crescem ligeiras/ e o jardim em breve um pasto será”); Álvaro Andrade Garcia (“a terra de desterro e chacina”); Camilo Lara (“o ruído será sempre/ o ruído de sempre”); Carlos Augusto Novais (“onze lugares para se esconder...nos paraísos das redundâncias”); Emilia Mendes (“mestres que venerava me traíram”); Flávio Boaventura (“Razão Ardente de Appollinaire me foge a calma me foge”); Luciana Tonelli (“pela lucidez de enxergar onde é gestada a morte”); Marcelo Dolabela (“tenho uma amiga cujas ações parecem inspirações irresistíveis”); Osvaldo André de Mello (“A Camélia adormece na memória de sua espécie”); Rogério Barbosa da Silva (“as revoltas empreendidas pela poesia na modernidade se fazem principalmente através da recusa a desempenhar um papel determinado na cultura, por isso nega, ironicamente, o seu próprio discurso”); Vera Casa Nova (“intermídia, intermeio, intersuporte nessa trama, desses tecidos poéticos intravenosos”); Wagner Moreira (“a passagem em vez de passo/a viagem em vez de viajante”); Ana Silva Ribeiro (“Não mais leitores de incunábulos caríssimos, mas apreciadores do texto ágil e portátil, lido em silêncio”); André Laje (“Mallarmé via nas danças de Loie Fuller uma forma teatral de poesia,...incorporação visual da idéia, ...poema liberado do aparelho do escriba”); Carlos Lopes (“há muitos desbundes na história/ de tantas nádegas – par a par – dentro da alcova cúmplice”); Marcela Alvarenga (“Sinto dentro do mundo/ o engatinhar dos homens mortos”); Mário Alex Rosa (“Cego de mim/ leio seu corpo em braille”); Dieter Roos (Desculpem passarinhos/ não sei cantar/ desculpem”); e outros por mim julgados impinçaveis pela natureza não discursiva de seus textos, não querendo assim afirmar que não estejam perfeitamente contextualizados na linha editorial de DEZFACES: Carlos Falci, Eder Santos, Eduardo de Jesus, Gobira, João Castilho, Julio Pinto, Lucia Rosas, Marcus Vinicius A. Nascimento, Teodoro Rennó, Wallaci Armani, Rodrigo Minelli, Clarisse Alcântara, Imaculada Kangussu, Ronald Polito, Marcelo Baiotto, Marcus Vinicius de Freitas, Eugênio Macedo, Wilmar Silva, Glória Campos, Adriano Menezes, Bernardo Amorim, José Aloise Bahia, Jovino Machado, Ramon Maia, Tábata Morelo, Marcelo Kaiser. Inveterado leitor de periódicos mineiros dedicados às belas letras, constato que é a primeira vez que se faz uma reunião tão numerosa de talentos, em torno de um veículo de expressão unanemimente almejado para coadunar as tendências explícitas e latentes de uma juventude em fase de escolha, de procura, de ansiedade, de transbordamento. Belo Horizonte já foi palco de outros surtos e ressurtos de gerações assim manobrando outros veículos que marcaram época (lembro-me no momento das coleções de plaquetas, dos tablóides e revistas nomeadas de Complemento, Edifício, Vocação, Tendência, SL do Minas) – e agora acolhe essa plêiade de novos talentos, na esperança, certamente, de poder festejar, as belas obras do mesmo nível qualitativo das de Drummond, Emilio Moura, Dantas Mota, Oscar Mendes, Murilo Rubião, Cyro dos Anjos, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Francisco Iglesias, Wander Pirolli, Henriqueta Lisboa, Lacyr Schetino, e outros componentes de grupos igualmente irmanados do mesmo élan vital diante dos desafios estéticos e éticos da indefinida e infinita veracidade humanística. Tenho certeza que nenhum apagão infestará os quadrantes e círculos destes belos, ensolarados e seculares horizontes renovados diariamente pelas brisas da clarividência e da cordialidade.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

O SISTEMA CARCERÁRIO DE MINAS GERAIS

Revendo velhos papeis (muitos nem mesmo datados) de meus arquivos implacáveis (mas não tanto como os de João Condé da antiga revista O Cruzeiro), deparei com um texto dos anos 80, sob o título “Sugestões de Pesquisas Sociológicas a Serem Apresentadas” a um político um tanto ou quanto descabeceado, cujo nome não cito aqui, para não ferir susceptibilidades. As sugestões foram formuladas e apresentadas em nome da não-aceitação, na época, de um convite para participar do quadro de assessores do político, então guindado a um alto posto da administração pública estadual. Lembro-me que muitas pessoas não entenderam minha não-aceitação do cargo e eu mesmo, para justificar a negativa, propus cooperar, mesmo de fora e sem remuneração (tinha um bom emprego na época, graças a Deus), apresentando sugestões de pesquisas, que na época muito me animavam, recém-formado que era em Ciências Sociais, e detentor de todo o instrumental das modernas técnicas de pesquisas sociológicas. Anexos do presente texto: 1 – Conteúdo de uma carta. 2 – Sugestões de Projetos de Pesquisas. a) – as carências sociais dos Municípios. b) – as carências funcionais do sistema carcerário. c) – as carências funcionais das comarcas estaduais. 3 – Finis Operis. 

1 – Conteúdo da Carta. “Em atenção ao que me disse outro dia pelo telefone sobre o trabalho de renovação, modernização e saneamento que pretende implantar na Secretaria, fiquei pensando em como poderia contribuir modestamente com o seu esforço e a minha experiência intelectual. É óbvio que há muita coisa a fazer, trabalho para Hércules mesmo. Como o senhor sabe, trabalhei durante 18 meses na Secretaria de Cultura do Estado coordenando uma pesquisa da FUNARTE sobre a cultura popular de Minas (o livro resultante deve sair pela Editora UFMG, brevemente) e pude confirmar que qualquer solução positiva de um problema só pode ser conseguida através do levantamento dos dados e seu meticuloso estudo – e só daí pode resultar uma possibilidade real de solução definitiva. Sei que as três principais áreas de atuação de sua Secretaria são a ajuda aos Municípios, a supervisão das Comarcas e do Sistema Carcerário Estadual. Por isso apresento-lhe, nas páginas seguintes, sugestões sinópticas de pesquisa em cada área, que podem ser feitas ao mesmo tempo e sob uma única coordenação, com o adjutório, é claro, dos órgãos da Secretaria, do Secretário (essencial), de pessoas envolvidas no assunto e de autoridades intelectuais que podem ser consultadas, além da consulta meticulosa e constante nos livros já publicados sobre os assuntos em documentos arquivados. O que apresento é apenas uma sinopse, para o senhor ter uma idéia da viabilização. Se se interessar, estou às ordens para fornecer maiores detalhes. Na esperança de merecer a sua atenção, com a amizade e os bons votos de uma gestão muito feliz do Lázaro Barreto”. 

2 – Sugestões de Projetos de Pesquisas. a) As Carências Sociais dos Municípios Mineiros. Primeira fase da pesquisa: “Remessa a todas as Prefeituras de questionários a serem respondidos e devolvidos em determinado prazo. As perguntas devem ser pertinentes e diretas, propiciando respostas claras e objetivas. Exemplos: Qual é a receita total do último ano? Qual a população total do último recenseamento? (tem-se aí a receita per capita populacional). Qual a verba destinada à saúde pública do último ano? (tem-se aí a verba per capita relativa à saúde pública). Quais são os principais produtos que o município exporta para os outros municípios? Quais são os principais produtos que o município importa dos outros municípios? Qual a quilometragem das estradas municipais e qual a verba destinada para a sua conservação? (tem-se aí o valor/quilômetro dó sistema viário municipal, para o confronto com o dos outros municípios). A evasão populacional é motivada preponderantemente por desemprego ou por falta de condições educacionais? O índice de criminalidade tem aumentado ou diminuído nos últimos cinco anos? As áreas de esporte e lazer têm aumentado proporcionalmente ao aumento da população? A Prefeitura participa diretamente de quais festas populares? Há indícios de que a cultura popular tem sido preservada ou descaracterizada nos últimos anos? O que o Governo Estadual pode fazer para contribuir no esforço de solução desses problemas, independentemente da reforma tributária em andamento no Congresso? Etc. Segunda Fase da Pesquisa: Visitar as Prefeituras mais problemáticas e as que não atenderem plausivelmente as solicitações do questionário. Terceira fase: Reunir todos os questionários devolvidos, proceder uma tabulação estatística, apurar as constantes e variáveis, montar um quadro genérico da problemática, localizando as causas e efeitos, sugerindo medidas solucionadoras. b) As Carências Funcionais do Sistema Carcerário do Estado. Primeira fase: Remessa aos órgãos carcerários subordinados à Secretaria de questionários a serem respondidos e devolvidos num determinado prazo. As perguntas devem ser pertinentes e diretas, propiciando respostas claras e objetivas. Exemplos: qual é a área em m2 dos dormitórios e qual é o número atual de prisioneiros? Qual é a ocupação diurna dos prisioneiros? E a ocupação noturna? Qual é o tipo de trabalho preponderante? Como é calculada a remuneração desse trabalho? Qual é o tipo de esporte preponderante? E o lazer preponderante? Existe algum tipo de ensino regular visando a reeducação de prisioneiros? Quantos livros existem na biblioteca do presídio? O tratamento de saúde dos presos é precário ou satisfatório?Quantos assassinatos aconteceram no presídio nos últimos cinco anos? Quantas fugas? O que acha que pode ser feito para minimizar os efeitos negativos da abstinência sexual forçada dos presos? (este item deve ser submetido, também, a educadores, psicólogos etc). O que recomenda como prioritário para melhorm humanizar esses sistema carcerário? Etc. Segunda Fase: Visitar os presídios mais problemáticos e os que não atenderem plausivelmente as solicitações do questionário. Terceira Fase: Reunir todos os questionários devolvidos, proceder uma tabulação estatística, apurar as constantes e variáveis, montar um quadro genérico da problemática, localizar as causas e efeitos, sugerindo medidas solucionadoras. c) As Carências Funcionais das Comarcas Judiciárias do Estado. Primeira Fase: remessa a todas as Comarcas de questionários a serem respondidos e devolvidos num determinado prazo. As perguntas devem ser pertinentes e diretas, propiciando respostas claras e objetivas. Exemplos: o andamento dos Processos nessa Comarca é rápido ou moroso? Qual é a causa da morosidade, se for o caso? Quantos processos instaurados e em tramitação existem atualmente na Comarca? A morosidade implica em prejuízo de que natureza? O que recomenda para agilizar o andamento? Qual o custo estimado para adotar tal agilização? Etc. Segunda Fase: visitar as Comarcas mais problemáticas e as que não atenderem plausivelmente as solicitações do questionário. Terceira Fase: Reunir todos os questionários devolvidos, proceder uma tabulação estatística, apurar as constantes e variáveis, montar um quadro genérico da problemática, localizando as causas e efeitos, sugerindo medidas solucionadoras. 3 – Finis Operis. Todo esse trabalho, oferecido de graça, não mereceu uma linha ou uma palavra sequer do destinatário, como resposta (amistosa ou mesmo burocrática). Seria tão desprezível assim ou o pessoal da área estava querendo mesmo era sombra e água (que o gato não bebe?) fresca? Temos certeza que o problema carcerário persiste e cada vez mais agudo, chegando aos limites de uma calamidade, tendo em vista a formação de quadrilhas do chamado Crime Organizado nas Penitenciárias, que são extensões dos Cárceres.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

A IRONIA E O HUMOR NA LITERATURA

A arte literária é o nada que tudo é ou é o tudo que nada é? E por que estamos a falar dela, quando deveríamos guardar mais um minuto de silêncio e discutir outros assuntos, se é que eles existem sem um prenúncio e uma finalidade necessariamente literárias? Mas, a literatura é um tropeço ou uma fluência? Um jogo de empurra no vai e vem que não vai nem vem para nenhum lugar? Quando se campeia o gado, subindo e descendo serras, margeando riachos, voltamos com os bezerros e garrotes ou o que conseguimos apanhar foram meros cabritos e poldrinhos? Se o escritor vai e volta ileso, sem tergiversar, é sinal que continua indo, indo sem saber se encontra o que procura ou se será encontrado por si mesmo, autor que virou personagem? A serventia da literatura é a mesma da vida: mostrar que o que é, é muito mais do que aparenta ser. De uma simples cana de milho ou da montoeira de esterco na roça é que a vida do mundo aparece e brilha e que às vezes some na ida ou na volta, pois que se assim a vida não dançasse, ah, ela cairia na inércia mortal. O livro IRONIA E HUMOR NA LITERATURA (Editora PUCMinas/Alameda Casa Editorial, Belo Horizonte, 2006) é uma espécie de extensão amazônica de constatações, ilações, descortinos, embevecimentos. É preciso ter muito cuidado ao seguir adiante nos embaraços e pelos lados de suas páginas, para não se perder na raridade dos achados, nos detalhes das obscuras virgindades retóricas, na fartura da biodiversidade em seus tons e reflexos e lampejos, cerrados e veredas de sugestões e de esclarecimentos. Impossível é fluir sem os titubeios, as apreensões e fascinações das infinitas direções e variações encaminháveis. Até aprece que estamos no grande sertão roseano, deparando aqui e ali com as veredas agora perpassadas sob a ótica da elucidação e não apenas da exposição. É uma incursão não apenas para ver e conhecer, mas também para entender o entrelaçamento da irmandade das espécies no emaranhado contexto existencial. A complexidade é uma chave que fecha a porta dos saberes salpicados dessa atual praga chamada auto-ajuda, e abre as outras portas de um velho mundo sempre renovado, sempre encadeado de surpresas indeterminadas. Ao afirmar (na pág. 29) que “a ambigüidade da mensagem é que possibilita o seu potencial entendimento divergente”, ela está acrescentando o rol de opções literárias tanto para nortear como para desnortear o direcionamento dos raciocínios e das vivências fundadas no mimetismo das contradições que se abraçam no afeto e não na logicidade do ajuizamento. Aos poucos e deliberadamente, a autora penetra nas intenções e subterfúgios dos autores premiados pela lucidez de sua atenção crítica – e assim ela vai esclarecendo o que jaz implícito dentro das variáveis angulações de suas reticentes e às vezes interrogativas explicitações. Assim ela aponta “o testemunho oblíquo” de Fernando Pessoa, ao levantar não apenas uma ou duas dores no ato criativo, mas quatro: a real, a fingida e as que transfere aos leitores, lembrando a menção nietzscheriana de que “o sentido da literatura não tem fins pragmáticos, é extra-moral”. Assim brindada pelo próprio estilo crítico, ela vai como que parafraseando os textos (sobre Ironia e Humor) dos conhecidos autores: Camões, Fernão Mendes Pinto,Antônio Vieira, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Machado de Assis, Gil Vicente, Mário de Sá-Carneiro,Alexandre Herculano, Dostoievski, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa. E é assim que através de acurada análise, ela adentra nos enviesamentos da literatura de nossa língua, interligando seus matizes e lineamentos na própria história literária, que tenta levantar e fixar a ação humana ao longo dos lugares e da cronologia da civilização. Sempre cotejando esses lineamentos de natureza literária com as apurações filosóficas dos grandes mestres do pensamento, de Sócrates a Lacan, passando por Hegel, Bérgson, Schlegel, Nietzsche, Adorno etc. Dos autores estudados no livro dela, tive a felicidade de ler toda a obra de Camões, de Machado, de Dostoievski, de Rosa, quase toda a de Pessoa, boa parte da de Eça, e pouco, infelizmente muito pouco dos outros. Ironia e Humor, díptico das atitudes que se interligam no cotidiano das pessoas, merece dela o atencioso carinho de sua exímia e paciente prospecção ao longo do corolário das obras dos referidos autores. Começa por dizer que a ironia é “a figura de retórica em que se diz ao contrário do que se diz, o que implica o reconhecimento da potencialidade de mentira implícita na linguagem”. Assim as palavras irônicas são compreendidas num sentido que é contrário ao seu sentido próximo, como na peça “Júlio César”, de Shakespeare, quando Marco Antônio, elogiando Brutus, na verdade o condena rigorosamente. Sobre o Riso, ela fala na página 53: “Quanto mais o espírito está seguro, afirma Nietzsche, mais o homem desaprende a gargalhada (...). Nesse sentido, saber rir é momentaneamente, tornar-se “deus”, experimentar o impensável, sair da finitude da existência”. E depois acrescenta: “A organização social, pautada em normas e regras, procura firmar o siso e restringir o riso, bem como controlar o amor”. A ironia considera como sendo “ideológica” toda verdade estabelecida, ela diz, deixando claro que uma verdade de hoje não pode ser a verdade de amanhã. E que o Humor é uma proposta de reflexão sobre a angústia e a impotência do ser humano. Uma volta por cima desses embaraços. Sabendo de antemão que a obra literária “reluta em resolver (seu próprio) conflito básico numa síntese final”, ela reconhece “a tensão, a contradição e a oscilação como essência da vida a ser reproduzida pela arte” (...) através “da ação contraditória, mas convergente, da imaginação e da ironia”. Na obra de Camilo ela constata o mesmo paradoxo da simultaneidade da necessidade e da impossibilidade do “relato completo da realidade”, uma vez que o sentido das coisas “não é uno, mas múltiplo, não é estável ou fixo, mas escorregadio e deslizante”. Sempre a contestar os principais ícones do endeusamento burguês (o dinheiro, o pragmatismo, a mecanização e a vulgarização cultural) o artista moderno “tem então de fazer a sua escolha: colocar-se a favor da incorporação do progresso no campo da arte..., ou resistir a essa incorporação, criticando-a, o que poderia significar o seu suicídio em termos de reconhecimento estético”, deixando no ar a terrível e notória conclusão: se apoiar (o progresso no sentido burguês), o bicho come; se contestar, o bicho pega. Da obra de Eça de Queiroz só conheço “A Relíquia” e “O Crime de Padre Amaro” – e vi o filme de Helvécio Ratton, baseado no romance “Alves & Cia.”, um belo equilíbrio entre as duas colocações , a literária e a fílmica, cada uma valorizando a outra, graças ao equiparado talento de ambos os autores. A certa altura do livro, ela fala da “armadilha triangular do desejo amoroso”, citando René Girard, que garante que “a valorização do objeto do amor pelo olhar de um terceiro é fundamental para a existência e o fortalecimento do desejo”. Lembro-me, a propósito, dos casais que viviam nos sertões mineiros, que se abstinham até mesmo de uma maior freqüência sexual justamente pela inexistência de uma terceira pessoa que pudesse diversificar o despertamento do desejo. Shopenhauer, ela diz, explica que “quando a brincadeira se esconde atrás da seriedade, surge a ironia, e quando a seriedade se esconde atrás da brincadeira, surge o humorismo”. Ao falar de Fernando Pessoa , Leila exemplifica as dubiedades e os paradoxos nas tentativas bem sucedidas do poeta de sugerir a plausibilidade dos confrontos no atingimento poético-dialético (e não do posáico-lógico) das certezas das dúvidas e das dúvidas das certezas. Ela cita alguns poemas dessa linha de dualidade expressiva , dos quais pinço alguns versos: “Depus a máscara, e tornei a pô-la. Assim é melhor. Assim sou a máscara”. ( - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - -). “Leve, breve, suave, Um canto de ave Sobe no ar com que principia O dia. Escuto e passou... Parece que foi só porque escutei Que parou”. ( - - - - - - - -- - - - - - - -- - - - - - -). “Tudo que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa que é linda.” ( - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ). “Com que ânsia tão raiva Quero aquele outrora! Eu era feliz? Não sei. Fui-o outrora agora.” ( - - - - - - - - - - - - - - - - - - - --). “O azul do céu faz pena a quem Não pode ter Na alma o azul do céu também Com que viver, Ah, se o verde com que estão Os montes quedos Pudesse haver no coração e em seus segredos!” (- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -). “Ah, a ironia De só sentir a terra e o céu Tão belos ser Quem de si sente que perdeu A alma p’ra os ter!” O livro não termina aqui (pagina 232) nestes simples e complexos, superficiais e profundos versos de Fernando Pessoa. Um livro assim aberto aos fundamentos, andamentos e diretrizes da melhor literatura escrita em língua portuguesa, não fecha nunca, jamais termina seu iluminamento sobre os temas recorrentes, congruentes, sempiternos com que distrai e debate sensorialmente e intelectualmente todo ser humano que se preza. Não termina nem pode terminar. O próprio Pessoa sentia que devia sempre deixar um bom bocado não só para amanhã, mas também para depois de amanhã. Depois é uma palavra que significa, sempre, um novo interesse que nos espera.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

OBRIGADO, DRUMMOND

Nos quarentas mil anos de arte moderna procurávamos no mineral país de Itabira aquela imagem retroativa e persistente da folha verde dentro da pedra madura. Procurávamos com as pernas as mãos as cabeças os combustíveis para novas procuras de novas excitações. Sabendo que é na prática do dia-a-dia que reunimos os elementos dos sonhos, sondávamos as grutas do Levante Espanhol e de Lagoa Santa, na busca do papiro das ansiedades, da tábua das leis (o livro-messe, palimpsético, que transborda da estante, esparrama na casa e inunda a rua). Insones e obstinados, procurávamos, procurávamos. Ainda hoje a sede da vida está nos cabelos, nos louros cabelos da fenícia Dido? Não varre das almas para fora, ela me dizia, ela é que dizia, a drummondiana poesia. Os arraiais circundam as distâncias, as sombras são os silêncios do sol lá fora. É assim os mundo se arredondam, nos arraiais que se universalizam: não varre as almas para fora, ela dizia. O amor é música: a resposta antes da provocação: dois dedos de doçura e oito dedos de amargura. Por mais que os sacerdotes escondem, os erros de Deus aparecem nas entrelinhas, - e quem nos penaliza sequer imagina se podemos suportar tanto sofrimento! A rua passa vários filmes ao mesmo tempo. Quem chega primeiro à base do instinto, esse ganha o doce metafísico, a farta e mansa chuva de versos que semeia adeuses e caminhos. Obrigado, muito obrigado, Drummond!

quinta-feira, janeiro 04, 2007

AS PESSOAS

Todas as pessoas que conheço são infelizes? São! Em mim mesmo começa o filão da dor purgante do princípio ao fim de todos os anos de imerecidas penas. As páginas da história do país estão ilegíveis, molhadas de lágrimas como estão. Até hoje sofro pela sina da Imperatriz Leopoldina nas mãos do nervoso.desarticulado, temperamental dom pedro primeiro, herdeiro de genes maléficos e não de tronos benéficos. Jamais conheci uma pessoa feliz neste mundo de minha vida? Eis a pergunta fundamental de minhas pesquisas sociológicas, que reluto em responder.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

MINHA COLEÇÃO DO HEBDOMANÁRIO PASQUIM

Publicado por mais de 20 anos e distribuido semanalmente em todo país, o tablóide PASQUIM é o ponto alto da história do humorismo brasileiro veiculado através da imprensa escrita de ampla divulgação, alcançando culturalmente tanto a elite como a classe proletária, agindo não só como recreação instrutiva de alto teor estético como no papel de um posto avançado de defesa das liberdades democráticas e de combate (driblando a espessa e compacta censura oficial da época) aos casuísmos e arbitrariedades do absolutismo ditatorial implantado através do golpe militar do fatídico primeiro de abrail de 1964, que durou enquanto pôde, até os primeiros anos da década de 80. O jornal chegava religiosamente a Divinópolis, onde eu já tinha sob encomenda o sempre auspicioso exemplar. Quando deixou de circular, após a queda do autoritarismo nacional, guardei zelosamente minha coleção que, no entanto, foi infelizmente desfalcada anos depois, quando tive de acondicioná-la no porão de minha casa, então inteiramente sob os efeitos de uma reforma que durou mais de um ano. Aconteceu que quando fui reguardá-la, constatei com indizível pesar que grande parte dos livros, revistas e jornais tinha sofrido uma ação de umidade e estava mofada e destruída – e a perda de boa parte de minha coleção do Pasquim foi o que mais lamentei, sabendo que jamais conseguiria substituí-la. Mesmo assim mantenho em casa 505 números intactos, perfeitamente legíveis. O exemplar mais antigo da coleção, conservado, é o de número 6, de agosto de 1969, com Vinicius de Morais na capa, e o mais recente é o de número 640, de 07/10/1981 (uma perda de 135 números), este com a capa de um muro pichado com os dizeres garrafais: “ABAIXO A VICE-DITADURA!” Ainda hoje, toda vez que sinto a lacuna de uma rajada de ares ao mesmo tempo jocosos e espirituosos, belamente expressos, abro aleatoriamente um ou dois números colecionados - e logo o senso de humor (de amor à veracidade) das crônicas, artigos, charges, picles, piadas, dicas e entrevistas, tudo magistralmente formatado vem abrir o sol diante dos olhos, novamente deslumbrados diante do poder de resistência e de superação do engenho e da arte dos seres humanos agredidos e espoliados em seu direito de viver condignamente. Dados a Respeito. Seus colaboradores de carteirinha, por assim dizer: Millôr Fernandes, o cracão do humorismo inesgotável e da crítica corrosiva necessária, ainda hoje possuidor do mesmo fôlego, agora brindando os leitores da revista VEJA; Jaguar, o mestre do deboche tracejado dos atrevidos Cartuns, o exímio manipulador das Dicas e das Entrevistas; Ziraldo, outro mestre do específico e inconfundível humorismo dos Cartuns, das Piadas, das Dicas; Ivan Lessa, dono de um humor gozador mesmo tratando de assuntos gerais e ao responder cartas (que ele mesmo escrevia) sob o pseudônimo de Edélsio Tavares; Nelma Quadros, secretária administrativa, eficiente e devidamente badalada por toda a Patota; Sérgio Cabral (quem dera se o filho for tão bom governador como ele era bom jornalista!), especializado (e ponha especialização nisso) em música popular; Henfil, cartunista criador de incríveis e hilárias estórias em quadrinhos, todas propugnando o bem estar social das classes menos favorecidas; Sérgio Augusto, especialista em cinema e em crítica social, munido da elegância e da acuidade que mantém até hoje no exercício do jornalismo de ótima qualidade; Armindo Blanco, considerado assim como uma espécie de pai da turma, esbanjando facécias e artimanhas em seus enfoques humorísticos, refeitos de pitadas do mais ardiloso humor português; Paulo Francis, articulista capcioso, destemido, sagaz, famoso por sua capacidade de raciocinar em blocos; Luiz Carlos Maciel, tocando o lado zen e um tanto hippie do comportamento então em voga em todo mundo - e não de todo assumido pela Patota; Olga Savary, poeta, esposa de Jaguar, amiga de Drummond, de Adélia e deste escrevinhador, criadora e introdutora das apreciadíssimas Dicas do Pasquim; Newton Carlos, especializado em política internacional, que ele disseca e expõe com argúcia e isenção de ânimo (é bom frisar que o governo brasileiro da época dava plena liberdade para se meter a ripa nos governos dos outros países); Fortuna, Claudius, Nani, tantos outros, todos ótimos – e os inúmeros participantes eventuais, entre os quais os mais freqüentes: Iza Freaza, Albino Pinheiro, Aldir Blanc, Flávio Rangel.... Além desse elenco de primeira linha, contava ainda com Sérgio Porto, o lendário Stanislau Ponte Preta, que mantinha a sensualíssima coluna das “Certinhas do Lalau” – e que também lançou com inolvidável sucesso o FEBEAPÁ – Festival de Besteira Que Assola o País – parte chamativa do tablóide que expunha semanalmente a gozação sobre as estrepolias e os erros da classe dirigente constituída pelos políticos, empresários e respectivos capachos. As Musas Mais Badaladas. As estrelas preferidas da Patota do Pasquim: Nicole Puzzi, Florinda Bolkan (com sua foto ocupando toda a capa do número 114, além da entrevista de 6 páginas), Adriana Prieto, Odete Lara, Jacqueline Kennedy Onassis, Elke Maravilha, Silvia Amélia, Lucy Mafra (que, completamente nua, concedeu longa entrevista na sala da redação), Kate Lyra, Elis Regina, Elena Andréa, Bruna Lombardi, Fafá de Belém, Cely Campello, Joan Baez, Ângela Diniz, Sônia Braga, Dina Sfat, Marília Pêra, Alcione, Aizita Nascimento, Leiva Cravo, Sandra Bersot, Rita Lee, Maria Bethânia (capa do número 251), Suzaninha, Norma Benguel, Darlene Glória (capa do número 262) e, claro, “As Certinhas do Lalau”, destacando entre elas a Irmã Alvarez e a Anilza Leone. Por mal dos pecados tenho que alinhar aqui, também, os execráveis vilões da época, constantemente desancados pela Patota: Todos (?) os militares do governo absolutista, Nixon, Henri Kissinger, Roberto Campos, Delfin Neto, Pelé, Magalhães Pinto, Wilson Simonal, Flávio Cavalcanti, Roberto Marinho, Golda Meir, Paulo Maluf etc. Capas Antológicas. 1 – A da notícia do Adeus de Pelé, com a foto do rosto dele – e um dos olhos pingando lágrimas em forma de moedas. 2 – Outra com a manchete: “Medicina Brasileira Está Muito Doente. Médicos Torturadores, Racismo, Ganância, A Incrível Corrupção, A Máfia de Branco”. 3 – A da edição número 246, de 25/03/1974, com os dizeres: “ Nunca É Demais Lembrar: NÓS SEMPRE FOMOS (um jornal) PROTESTANTE!!” 4 – Outra capa que fez muito sucesso: um período de três linhas, conforme abaixo (a linha do meio em caracteres minúsculos e as outras, garrafais): TODO PAULISTA (que não gosta de mulher) É BICHA. (a frase entre parêntesis só ficava legível de muito perto). 5 – A do número que publicou a entrevista com o Tom Jobim consta a chamada em caixa alta, as palavras em cores brancas sobre a superfície negra de uma das perguntas e a respectiva resposta: “PASQUIM: “Qual a coisa mais importante do mundo para você?” TOM: “(*) duro.Se eu estivesse compondo a Quinta Sinfonia de Beethoven e ficasse de (*) duro, largava tudo e ia correndo atrás de minha mulher”. 6 – A do número 337, em tipos enormes: “BAIXOU O ESPÍRITO DO NATAL: O NEGÓCIO É DAR”! 7 – Ferrenha opositora ao regime ditatorial, a Patota fazia o que podia (mais nas entrelinhas, de forma indireta, por causa da tesoura da censura oficial) para criticar a situação abafadíssima da paisagem nacional. No número 78 o mapa do Brasil é estampado em forma de um palhaço com a boca aberta, a cantar: “Eu vou fazer você ficar louco Muito louco dentro de mim!” A capa remete a uma reportagem da página 4 , intitulada UM PAÍS MUITO LOUCO, estampando nove fotos de pessoas em atitudes escandalosamente neuróticas. 8 – Noutra capa, um trecho de carta de Carlos Drummond de Andrade a Sérgio Cabral, negando-se a dar entrevistas: “Há mais de 50 anos não tenho feito outra coisa na vida senão dar entrevistas: em verso, em crônica, em carta, em papo. O que penso, o que sinto, o que imagino, o que dói, me alegra, me aborrece, tudo está dito e contado por este autocontador incorrigível. E você ainda quer que eu repita o repeteco, bicho? Como leitor do PASQUIM, não quero que ele publique matéria gasta. Um abraço à Patota”. Na barafunda de minha biblioteca do porão da casa, misturados à coleção do PASQUIM, encontrei e separei os seguintes tablóides da mesma época, seus êmulos: - DE FATO, sete números, dos anos de 1976/77, Belo Horizonte. - OPINIÃO, 16 números, de 1971 a 1973, Rio de Janeiro. - VERSUS, três números, de 1975/76, São Paulo, SP. - REPÓRTER, cinco números, de 1977 a 1981, SP. - CRITICA, 2 números, de 1975, RJ. - LAMPIÃO, dois números, de julho a setembro de 1980, RJ. - JORNAL DE DEBATES, um número de março de 1976, RJ. - ENFIM, um número de outubro de 1979, RJ. E muitas outras publicações culturais, menos influenciadas pela linha editorial do PASQUIM, inimitável até os nossos dias, não só pela formatação, pela qualidade conjuntural dos editores e escritores , mas também pela longa continuidade, pela aglutinação de ideário, de imaginário, de fidelidade aos padrões da melhor qualidade de um humorismo acessível e agradável aos leitores em geral. A única publicação que conseguia captar e exprimir o que João do Rio (Paulo Barreto) chamava de “a alma encantadora das ruas”, expondo a verdade e, assim, mostrando uma beleza ao alcance de todos. É o tipo de jornal que não morreu, apesar de não mais dar à luz seus férteis rebentos.