terça-feira, agosto 29, 2006

O POETA, O QUE É?

Charles Baudelaire (1821-1867) denegriu a lente cor de rosa do romantismo epidérmico que idealiza os conceitos e as imagens da vida e do mundo. A poesia é o sétimo céu? O amor é sempre revestido de cortesia? O poeta é o anjo da guarda das beatitudes? A mulher bela é igualmente boa? Nada disso, ele diria em bom som, aos outros arautos da modernidade. A poesia é também o feio, o poeta é também o mau: a mãe do poeta preferia ter gerado um rolo de serpentes em vez do aleijão que os outros chamam de poeta. E que ele, Baudelaire (também poeta e dos melhores) compara ao albatroz, enorme ave marinha, aprisionado no convés: “é semelhante ao príncipe da altura/ que busca a tempestade e ri da flecha no ar;/ exilado no chão, em meio à corja impura,/ as asas do gigante impedem-no de andar”. Autocrítica e autoapologia ao mesmo tempo? Sem os louros da fronte e desprovido de ótica romântica, o poeta passa a ser o castigo da própria mãe, o mau exemplo para os contemporâneos que lamentam sujarem os pés ao seguir suas pegadas. Tudo isso e o inferno também. E no entanto, mesmo assim, desajeitado como um albatroz, desprezível como um filho ingrato e um contemporâneo desajuizado, o poeta não deixa de ser o varão assinalado entre os homens. E é o próprio Baudelaire que o perdoa na última estrofe do poema “Bénediction”, traduzido por Guilherme de Almeida: “Porque ele só da luz mais pura será feito, Vinda do santo lar dos raios primitivos, De que os olhos mortais, no seu fulgor perfeito, Não são mais do que espelhos tristes, negativos!” Sobre a figura quase sempre indignada e polêmica, minudente e polivalente, sagaz e intuitiva, complascente e estóica, infeliz e feliz, às vezes inócua e sempre-sempre necessária, do poeta ativo, outros poetas, além do incisivo Baudelaire, fizeram pertinentes revelações, como, por exemplo: 1) Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor finge tão constantemente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. 2) Cecília Meireles: “Eu canto porque o instante existe E minha vida está completa. Não só alegre nem sou triste. Sou poeta”. 2) Carlos Drummond de Andrade: “Altíssimo poeta puro és tu, meu Murilo Mendes, que estrelas, no céu escuro, alçando os braços, acendes”.

sábado, agosto 26, 2006

AS SETE MULHERES DE PICASSO

O traço marcante na biografia de Panécio Pereira da Silva, pintor primitivo e criador, é a dimensão do fôlego de suas experiências afetivas, o calor de seu amor às mulheres que projetaram os horizontes de sua vida. Amou tantas nos decênios de sua maturidade, sem nunca porém exceder o prazo de cinco anos no amor extremado de cada uma. Quando uma saia pela porta dos fundos, a outra já assomava à porta da frente. A que ia, morria no quadro de evidências abstratas de seu cotidiano; a que chegava, acionava o interruptor das correntes elétricas, reativava os sons e os cheiros e as luzes da casa. Ele sabia que há mais de uma mulher em cada mulher, que os dedos das mãos (todos em linhas retas) não são iguais, sabia que há várias maneiras de dobrar um lenço de cambraia, de ver um melro no muro e, como diz Harvey Cox, há muitas formas de “se ouvir uma prece ou de simbolizar um cosmo”. Sabia que não podia ser o mesmo o tempo todo, que tinha de passar as roupas da alma e não apenas as do corpo, e mudar de lugares para não emparedá-los na rotina. A primeira de sua mulheres, a dos olhos amendoados, Fernande Olivier, salvou-o da hipocondria, que já secava suas veias na transição da adolescência para a juventude. Vadiava na orla do mar, perdido em si na cerração das montanhas, quando encontrou-a na casa sem paredes, banhada pelo jogo de sons do mar negro e furioso na curva das pedras, e dócil e azul na reta da praia. Amou-a nas mil e uma noites dos primeiros cinco anos, esforçando-se na intenção de pintá-la em cada uma das maneiras em que a amava, às vezes cantando mentalmente, às vezes provocando câimbras nos nervos sexuais dela. Ele com o dedo do pé a sangrar no lençol de linho, ela a torcer de dor e gozo nas câimbras, a cama amarfanhada de carícias, manchada de rosas de tantos hímens rompidos. O mar ali perto, uma canção em dueto na tela controvertida da crença do amor entre duas cores: uma da poesia, outra do poema - sou tão diferente de mim, ele diria. A dissimulação é a pele que encobre o sangue (o melhor do corpo dela é a lisura arredondada?): a maratona de linhas no afã da curvatura, o prazer da morte pela vida, gostosa na passividade – eis como ela se deixa comer, reagindo a seu modo em seus onímodos têmperos – Ela!, o jeito singular de adequar a boca aos olhos Ela imprime o que falta no que faz: o riso inaudível das entranhas - como despertar a essência do ser? - como aproveitar a epifania, sem desacordar? Depois de recair no vazio, Panécio encontrou Eva (Marcelle Humbert), com seu, dela, jeito manso de gatinha nas fofuras, levemente risonha e morenamente magra, a protestar inocência, a hipotecar a fé no amor. Na época ele era o fauno da gruta do levante espanhol, chispava fogo nas virilhas, vibrava sua muiltiplicidade pênica do corpo incansável – assim quase matou a pobre moça reflexiva na delicada parvoíce, que assim não aprovava tais loucuras, mas consentia em desnudar-se no corredor das fantasias parietais, a sorrir, a luzir em todo corpo. Às vezes parecia uma flor ao vento, a dançarina flexível e quase espectral – ah o interior da pedra (que era o quarto-alcova deles) era como o interior de uma nuvem nas alturas fixadas de um céu estelar. Ele beijava o nariz dela, engolindo-o maciamente, coloria os cabelos dela com os amarelos do pensamento, e queria sempre mais, e ela encolhia assustada, a perguntar: “você é tarado?” Ele pedia perdão, ela perdoava, abrindo novamente os braços e as pernas, novamente afeita e afoita. Foi difícil agüentar o peso da paixão alheia. Foi difícil agüentar o peso e o arranco da paixão, ela queixava no fim de um dos turnos, e ele respondia que ia ser difícil trocar o sol da gruta por uma lua sonolenta. Aí ela voltava a luzir, atravessava a parede, voava pra os velhos reinos prussianos de Goethe, de Wagner, pois era quase assexuada, não obstante o que virava e mexia e emergia da alma: ela tinha carne na alma? (a beijar os pés de Deus, como diria o Bernardo Guimarães, o demônio tem a figura do desejo) – O lábio inferior é mais gordinho, é mais palatável que o superior: a vontade que tive de tê-lo entre os meus, aos poucos, na hora de dormir, horas mais tarde! Depois ela meteu a alma no caixão do dia, encerrou o corpo na sepultura da noite (do que desejo e não faço extraio o modo de fazer o que sonho nas noites solitárias dos outros dias). Aí é que o estilo vem do abstrato e chega ao concreto. Mas depois a borboleta bafeja as ruínas, resgata o abandono, os dedos atiçam o fogo do corpo: se não comprimir, o coração salta do peito! Ele passava as mãos nos cabelos dela, para desarranjá-los no desejo de chamas agora azuis. Os desejos em chamas azuis, as patativas dos cantos e recantos da memória. Quando foi morar na vila italiana dos altos muros, os telhados cobertos de hera, de galhos e sombras, a Eva sempre a ave do paraíso que veio povoar seu hermetismo cubista até então resguardado. Seu rosto de donzela provençal, a harmonia dos traços passados a limpo no caderno escolar, o desafio das novas tonalidades e arabescos. O que fazer? A fadiga que vem do ócio é pior, já dizia Machado de Assis. Toda a felicidade (a fusão das virtudes pela exclusão dos vícios) é excludente e, portanto, infeliz. Ficava no ar a pergunta: como pintar a singeleza do nariz.,as papoulas da boca, as auras que desciam e subiam na velocidade da luz? Como exprimir o perfume dos olhos, a limpidez das pernas, o gotejar da vida interior? Desbravou o sertão dos trópicos, degustou cada relva dos murmúrios, cada areia das horas montanhosas. Uma cova de semente em cada poro, a inspiração da centelha na floração da nuca beijável. Três vezes ouvia a fruta cair no telhado – um cacho de uva em cada paladar da voracidade de seu estro de pintor flamengo, sempre flamengo. Mas quando ela empalideceu ainda mais para se esvair de todo na fatal inexistência, ele nem tentou socorrê-la, sabendo que agora depois de passar de carne, a flor é palavra no caminho da música: dois ou três compassos no adágio da sonata, o harpejo de três notas do súbito acorde, pois Beethoven não era surdo, era mudo e teve que inventar um dicionário especial para dar voz às suas palavras. Quem já amou apenas uma vez, apenas uma pessoa? Quem assim tanto se poupa precisa saber que a principal ação da alma é a paixão que quer amar muitas vezes muitas pessoas: pois está na cara que um corpo só não aguenta tanto amor! Olga Khoklova chegou de outras remotas brumas, a desembrulhar para ele um coração de anjo tártaro. Encontrou-a como que por encanto numa alameda: os carros noturnos cortavam as direções, as cores das vozes líricas contavam uma história policial de amantes irresponsáveis. Assim Panécio encontra outra mulher de sua vida, a lembrar o dito segundo o qual o amor faz o cão ladrar em versos. Quando ele bateu na porta, ela já o esperava, prenhe de sortilégios e violetas. Precisava de um gin com tônica? A umidade de qualquer um de seus lábios? O umbigo dela, ansioso sob as vestes, os olhos fúlgidos, o corpo todo, tal como o da Sofia de Machado de Assis, era um reino unido com as cidades, as vilas, os campos, as florestas, as fronteiras dos rios mitológicos a nadar no meio dos peixes ariscos e das pedras preciosas. Ela até que podia conversar com as árvores, dar bom-dia aos cavalos do pasto. Mas um dia, quando a estreitava nos braços, sentiu que ela esfriava e desfalecia. Aí ele interrompeu o abraço, e era o que ela queria, pois logo esgueirou faceira, esticando as pernas , numa espécie de dança ou exercício de musculação, mesmo ali no atelier atulhado de telas e molduras, esboços de esboços de esboços de esboços. Ele como que nadava aqui e ali, a procurá-la nas águas turvas, no rol de tantas figuras fracionadas, sabugos, moelas, tições, girassóis, chapéus de sol e sombrinhas arrebitadas, tudo assim disseminado no repentino desamor, na reviravolta dos reveses de outrora, em cujas vasilhas de água azul, vinho tinto e rosas e rosas e mais rosas de Gertrude Stein, a dileta amiga das horas vagas. E numa das águas, a de gotas azuis dos olhos de Olga, ele molhava o gesto febril das prendas e dos dons repentinamente interditos. E assim ela se foi no borborinho de Montparnasse – e mesmo de longe ele sentia o andar dela no peito dele e o arfar dela no peito dele – e também o olhar entristecido, o fulgor lancinante do adeus, a reconstituir os bons tempos do amor. Da fruta ao verso muita água corre: quem não sabe nadar, morre. Quando o êxtase é orgasmo, a gente anda sem se mover e a diabinha dos anjos anda para os lados de si mesma, devagar, a divagar sobre outros desejos menos cansativos. Ah enigmática melancolia dos crepúsculos, o heroísmo é a renúncia e não a ganância. Só quem ama sabe olhar e ver (os sentidos a redemoinhar) que o minuto mais longo da vida é o da morte, que é o fim da sensualidade (da sensualidade que é o não-esquecimento dos sonhados prazeres). Como chovia nos filmes franceses! Onde ela estava? Onde eu estava? O que deixei em casa? O que procuro aqui? Algum tempo depois, quando descansava na sombra das molduras, Panécio lembrou-se de Málaga, Florença, Los Angeles, Guarapari, Dores do Indaiá, Andover e Babilônia. Ele pintava a luz interior do rosto de Marie-Thérese Walter num extenso painel de seda, aproveitando a cintilação de um fetiche de cores sóbrias no vão da janela. Desfolhava as páginas de um romance de Proust, multiplicava as tentações de tantas doçuras ao alcance das mãos. Como captar o excesso do limitado? A seda expandia, a cor entornava, ele interrompeu a fluência, pois assim embriagado era impossível continuar. Ele tinha bebido todos os líquidos do corpo dela: ela ficou mais esbelta, ele mais obeso. De repente percebeu que a criatura superava o criador, que a cópia não mais conferia com o original. Assim não, ele pensou. Deus está brincando comigo. Começou a recitar sonetos, baladas, de meia-voz, à certa distância dela, agora tornada um mero e inerte modelo. Quando finalmente ela aquiesceu aos rogos e sucumbiu aos afagos dele, perseguida por assim dizer pelas sombras das próprias luzes que saiam das mãos deles, ela gritou: “Panécio!” Ele assustou, pulou a janela, e ela, tirando a última peça de roupa do corpo, começou a comer ameixas. E de longe eu percebia os olhos de ambos mastigando o verde rebrilhar da folhagem, uma loucura aos olhos dos anjos que diziam amém em homenagem a tudo que nela agora perfazia a perfeita imagem de uma santa grávida. E foi assim que mais um quadro se pintou no atelier do Panécio ausente. O abraço carinhoso na oitava esfera da amplidão é assim que uma garota nua coberta de flores tem que posar noventa vezes seguidas! E ele, rubicundo careca pasquácio? A possível beleza dele seria invisível? Seu amor ao trabalho produz uma nova realidade? Seu amor à vida, satisfazendo o estômago o cérebro o sexo atingiria a metafísica, abalaria o sobrenatural? O nariz diferente de uma mulher os braços engraçados do rapaz de boné os terrores da paz apesar de tudo ser tão igual, tudo é tão diferente! A canção na janela parecia dizer cuide bem das folhas da relva de Deus e de Whitman sob o olhar das criaturas de Deus e de Picasso. Assim que vieram a lua e o demônio de Sócrates as mulheres azuis e rosas e francesas chegaram sobre as quedas na vertigem das diversões voluptuosas e no dorso da nuvem retilínea chegou Dora Maar a caminhar antes do sol nascer na direção oposta, na pretérita distância dos lenços acenando sem parar nas mãos sedosas de outras beldades, ela agora a carregar com certa dificuldade as partes do corpo (a bunda maravilhosa, o rosto igualmente lindo): por que Deus me beneficiou tanto?, ele se pergunta, assas desconfiado, agora a submergir nas trevas de uma nova paisagem, a pintar uma ária de Mozart no nariz da própria Dora Maar, a moça mais nova de uma família de sete moças aquinhoadas: Ela é a do corpo que às vezes corre para trás (corre até ser alcançado na contramão). Panécio gostava de pintar os olhos dela (os olhos de uma criança um pouco estróina?), visando encontrar o que perdera nas outras (mas o que foi mesmo que perdeu nas outras?). Pensando bem ele teve uma infância bem triste e até mesmo um tanto trágica. Seria por essa causa que não podia ver uma criança, onde quer que fosse, que não conseguia segurar as lágrimas dentro dos olhos do coração?). Onde o sol ilumina o nosso amor, ali está a nossa lua, bem ali na “árdua aprendizagem dos reveses”, como diria o incrível Euclides da Cunha dos sertões nordestinos. A cidade que sofre o controle excessivo, morre como se estivesse dormindo. E a bela mulher que faz dos olhos uma arma? Ela constrói uma nova realidade para o homem? Sim, ela diz sim, e não sabe dizer outra palavra: no ato de capitular, ela encontra seu perdurar (tal como lá diz a poeta Marianne Moore). Quando morava na Rue des Grands-Augustines, já desprovido do amor e do desvelo da ingrata Françoise Gilot, ele se desordenava na bagunça das quinquilharias no chão e nas paredes, na promiscuidade das cabras, cães e gatos, na sensação animal de solidária efusão. A miséria humana tem que ser acompanhada pela violência descritiva, puxando a autocrítica para testar as manchas do sol e do piano das desgraças humanas, a execrar a crueza dos fatos e a enaltecer a gentileza dos seres, abraçando e beijando, caindo e levantando nos braços e nas pernas das mulheres de seus amores. Só mesmo o amor (assim ele poderia dizer, como Huxley depois disse) instantâneo ou definitivo (este acaso existirá, além da simples intenção?) pode fazer do desejo físico um desejo espiritual, convertendo o corpo em alma, isso através da perspicácia e da engenhosidade da arte. Pois que a natureza, como dizia Pope, é livre, tão livre que só obedece às leis que ela própria cria. E daí? Por que a civilização me tolhe e castra tanto? Quem ganha com isso? Quem perde? Ah, estou a concordar com André Gide, que não passo de um aventureiro na vida e no mundo. Também James Baldwin, abismado diante da sede e da fome do processo modernizador da humanidade, negligenciava, indagando: “que destino estará reservado a toda essa beleza compungida que desabrocha?” assim indagava, rememorando o trecho da profecia bíblica recriada no submundo popular: “Deus forneceu a Noé o sinal do arco-íris; não mais água – da próxima vez, o fogo!” Assim ele via, angustiado, ali nos umbrais da patética modernidade, o painel contextualizado de sua Guernica. Não obstante os amargos arroubos, ele não poderia passar incólume pelas estrelas como pelas gotas de chuva de maio, como depois diria Céline diante de outras nefandas estrepolias cosmológicas deslustrando o mistério sideral. Ah, ainda bem que sabia que devorado por tais enigmas, ainda assim era necessário inventar, inventar depois de dissipar. Anos depois ele viajava de Minas para São Paulo, visando alcançar o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. A promessa que ia fazer era: esquecer as mulheres e viver bem no esquecimento delas. Ia dar certo? Assim como Picasso, ele tinha vivido e amado um rol delas, mas agora amargava a boca nos dissabores dos desleixos: ou arranjo uma que faça minha definitiva felicidade, ou tiro todas da cabeça! Viajou dois dias e duas noites no trem de ferro da antiga Rede Mineira de Viação, dormindo aqui, acordando ali, a ver na esquisitice da sonolência o espigão que ora descia e ora subia com os vultos andantes (homens fardados? cavalos arriados?), ora em verde sobre o negrume, ora em negro sobre a verdura do terreno passageiro da janela do trem. E subitamente (Em Três Corações ou em Perdões?) a moça entrou e veio sentar a seu lado, no único lugar vago daquele vagão. Entrou toda toda prosa-e-poesia lembrando a Maria do romance de Graça Aranha, na noite da floresta, o corpo todo coberto de pirilampos. Pediu licença, precisava despedir-se das pessoas pela janela em movimento, aí ele trocou de lugar com ela – e a partir daquele momento ela passou a ser a janela e a paisagem de sua vontade de olhar. Ela suspirou, depois dos acenos de despedida que deu, e caiu em si na cadeira, bem à vontade. Portava uma aliança no dedo (e ele nem sabia se era de noivado ou de casamento). Ele olhava, despistando, para não constrangê-la. Depois das outras (ele pensa), vem essa agora, como se fosse a primeira. Quem ela me lembra? uma deusa grega? uma índia guarani? uma pastora judaica? uma diva francesa? uma cabrocha brasileira? uma emoldurada muçulmana? uma musa do Parnaso ou da Arcádia? O que posso fazer para agradá-la, sem aborrecê-la? Ela que é ela e mais ninguém, a única no mundo que ostenta o nome de Jacqueline Roque! Tantos ninhos no corpo e na alma dela! As árvores da Mantiqueira passam correndo pela janela. Ela já dorme tão cedo? O sono dela é uma espécie de aura? Nela a Ninfa Eco repete os cantos do vale. O jovem Narciso repete as imagens no poço: somos aqui as duas solidões do amor? Dormindo ela se inclina para defender-se de outros lances. Seu braço encosta nas nuvens? A brasa do amor refresca no sono? O batom desmaia nos lábios? A luz circula o ventre aninhador os cabelos acalmam os ímpetos o que se apóia, mais voa. Que mal faz se conversar comigo? Que mal faço se a cantar, aos poucos? Mesmo dormindo resplandece nela a fração divina do humano, a chamejar, a pulsar sem jamais extinguir, a interpelar minha fome, a replicar meus argumentos. Que mal pode haver em meu desejo mais ansioso? Quando ela acordar..., terei coragem de abordá-la? Não terei? E então: tudo se perde e nada se aproveita? Meu Deus do Céu, nenhuma aventura despontará no horizonte nestes dias tão insípidos? E a esperança (ou a promessa) de ao menos uma noite de amor eterno? Por que ela não acorda e diz “esta boca é minha, mas pode ser tua nessa noite de amor eterno”? Por que dorme tanto diante de minha insônia? E assim desistindo da prosápia, ele virou para o lado de dentro de si mesmo, abriu um dos livros de Guimarães Rosa e leu: “os meus quatrumanos: quais as caras deles iam ficando demônios...(...)....: Se todo animal inspira sempre ternura, que houve, então, com o homem?”

quinta-feira, agosto 24, 2006

MANIA DE ESCREVER

Lá está o pardal catando os farelinhos de pão na mesa da cozinha, sem se importar com a nossa repentina presença? Cadê a máquina fotográfica para flagrar a beleza momentânea? E os três gatinhos brincando com a mãezinha debaixo da folhagem enxuta do quintal? Se empunho a máquina, eles fogem correndo e saltando como criançolas cheias de graças: como são angelicais uns com os outros e com a mãe, sob os nossos olhos.... E a cena patética da égua na beira da rodovia, longamente sofrendo e meditando a morte de seu poldrinho violentamente atropelado na pista de rolamento da estrada assassina...?! Cadê, na hora, a máquina fotográfica? Você tem apenas a caneta e a folha de papel? Nem isso, no momento? Mas tem a memória nos olhos e na mente e no coração? O retrovisor do carro não capta mais as móveis paisagens depois de tantas curvas e rampas? Estão, assim, olvidadas para sempre? Não, nem ver. Você tem os olhos da lembrança, a folha de papel, o lápis, a máquina datilográfica, o computador. Mãos à obra, pois. Hemingway, respondendo à repórter e aprendiz de literatura sobre a técnica que usava para escrever seus livros, disse, mais ou menos assim: aponto dúzias de lápis, separo centenas de folhas de papel em branco e depois, sabendo que escrever é reescrever, passo tudo a limpo quando vou datilografar e novamente corrijo, corto e acrescento, quando vou revisar as provas da publicação. É bom lembrar que no tempo dele não existiam a digitação nem o disquete. Mas a moça queria saber mais e não apenas a parte manual do trabalho. E ele acrescentou: se quiser ser uma escritora, você tem que ler os bons autores, antes de começar a escrever. Não para imitá-los e produzir obras mais ou menos idênticas. Você tem que lê-los à exaustão para aprender a superá-los, para escrever melhor que eles. E assim é. Só assim vale a pena entrar na literatura: esmiuçando o gigantesco desafio das obras já existentes. E nesta linha de raciocínio sobre a chamada arte de escrever, lembro-me do que Faulkner respondeu a um repórter sobre o que podia derrubar o escritor no meio social pragmático e hostil. “Só a morte”, ele respondeu. “Só a morte pode derrubar o verdadeiro escritor. Falo do verdadeiro escritor e não de quem vende a alma por uma casa com piscina”. Escrever é um exercício estafante, penoso, angustiado e ao mesmo tempo maravilhoso. É simultaneamente pactuar e exorcizar, chamar as tentações das entranhas mais ignotas, dissecá-las, transcendê-las – e depois mergulhar sem afogar em suas águas profundas, às vezes lodosas e sombrias, às vezes airosas e fosforescentes. Mantenho nas retinas por enquanto poupadas um personagem infelizmente fictício que construiu em seus três alqueires de chácara em Marilândia uma vivenda com tal critério que ela passou a representar pra ele uma resposta às perguntas que Deus lhe fazia. Ele tinha desenhado a gleba mentalmente e foi roçando, arando, plantando, capinando, podando, dispondo as pedras, as relvas, as árvores, as águas correntes, a fontinha na grota das imbaúbas, os ninhos dos passarinhos, os nichos de bichos, os valos e cercas de arame e de bambus, foi dispondo tudo isso em linhas de curvas geométricamente corretas ao longo e ao largo do terreno como se escrevesse uma carta de amor e carinho para ser lida de longe, do alto (pelos anjos lá no empíreo?). As palavras em formas de vegetais, minerais e animais; em conteúdo de oxigênio, biodiversidade, clima: coisas e seres concretos e abstratos em forma de palavras manuscritas para serem lidas por quem as contemplasse de um patamar mais alto, tudo para exprimir o quanto ele, agricultor da vivacidade, prezava os dons e os bens, os seres e os símbolos, os sentidos traduzidos e revitalizados em perenes e renováveis formas e conteúdos dos milagres da natureza. Sim, penso e pergunto: escrever é (não assim como faço: tão mal) pesquisar, testemunhar e projetar? Seguindo a mesma linha de raciocínio, lembro-me do que disse Pierre Menard: “pensar, analisar e inventar não são atos anômalos, mas sim a normal respiração da inteligência”.Sei não, mas às vezes penso que estou perdendo a paciência ao ler os escritores franceses da era pós-Sartre, os lançadores do chamado nuveau-roman. Pois duas ou três páginas de Lacan, Derrida, Foucault, Barthes, Sollers e já estou bocejando, quase engolindo a mim mesmo no enfado mais crucial. O que ficou neles do inventário de Flaubert, Zola, Stendhal, Baudelaire, Proust, Yourcenar, Gide e Claudel? Viraram a casaca, como se diz, no afã de contradizer os cânones? Sei não, mas eles aprontam uma tal leréia de enrolações e negligências e embarafrustações e obscuridades balofas.... Sei não, Deus que me perdoe, mas não está em mim agüentar tal maçada, tanta mastigação de chicletes, tanta empolação na drenagem do terreno insistentemente esterelizado por esses precursores de um novo tipo de hermetismo, o da linguagem corrosiva. Deus que me perdoe o possível exagero de minha alergia exposta linhas acima.É que tentando ler os autores nebulosos, não me contenho e fico morrendo de saudades dos outros mais legíveis, tão numerosos mesmo entre nós, e assim pensando não posso deixar de citar o nosso Emilio Moura, da aprazível Dores do Indaiá, transcrevendo aqui o seu antológico poema sobre a NOIVA: “Caminhas para mim como uma colegial em férias. Teu sorriso é tão puro que te ilumina toda. És mito, mas toco-te; realidade, te elevo e te transformo em sonho. Por que não me revelas de onde surgiste e de que elementos te formaste? Teus cabelos são nuvens? Tua voz é de orvalho? Quantas vezes me torturei inutilmente porque ainda estava irrevelada - fonte oculta na mata, ária adormecida, estrelas entre as nuvens... Dormias, Noiva? Meu apelo te acorda e eis que sorris, de súbito. E é como se eu nascesse agora.

quarta-feira, agosto 23, 2006

LINGUAGEM

A oralidade continua às turras com a gramática Uma avança, a outra espera, sabendo como lá diz o sambista, que a deslealdade neste mundo é muito grande – e por isso Deus na terra não volta mais Nos percalços das folganças intrometem-se os revezes O brasileiro é o narcisista às avessas que cospe na própria imagem que bóia na flor da água? A oralidade está em toda parte falando pelos cotovelos Ao vulnerável a tentação logra seu intento sem forçar a barra? É bem sabido que a beleza imprime em quem a vê e sente as mescladas feições de angustiosa felicidade A gramática dorme o sono dos justos agüenta as pontas do fastio, do desconsolo para resguardar um mínimo de sensualidade na barra da saia, nos punhos da camisa agüentando aqui e ali os sinais de alerta não do incêndio mas do dilúvio. Os ares do outono respingam lágrimas? Dentro do corpo é a alma que purga em seus choros e coros os logrados amores Os indivíduos são diferentes, uns dos outros uns mais anormais, outros menos e nisso a psicanálise tem que se virar para ser exercida A cura pela palavra rendeu a Freud o rosário de conflitos e excomunhões A esposa Martha lia Dickens e Cervantes sem interromper nele o fluxo estudioso das deformações criadas e jogadas no cadinho dos incertos e miméticos destinos eivados de clarões sob tanta fumaceira O ser normal não passa de um pornógrafo platônico que abre a barguilha sem se aproximar? Uma certa imunidade mental aos males físicos encobre sem apagar a emoção exacerbada que fere mais que uma martelada no mindinho? As frases e não as palavras eram a paixão de Gertrude Stein Ela que amava os olhos amendoados de uma das mulheres de Picasso ela que ouviu de Picasso que um grupo de pessoas na Rue de Fleures em Paris não eram de homens nem de mulheres, mas sim de americanos É assim que se procura uma alegria na vertigem aveludada de um ventre dedilhando clitóris no erotismo inteligente do cineasta Claude Antant Lara? Por falar em cinema Lawrence Olivier nasceu para ser Hamlet na lindeza da chama angustiante na propriedade comportamental (a voz das mãos os gestos do olhar) na certeza das dúvidas existenciais? ele todo e sempre rijo na corda bamba como quem sabe e não sabe o que quer corrigir um erro em terra firme num mar de provações? Brigitte Bardot, ela sim, magra e sólida além das partes neutras desnudas e das partes pudendas também desnudas Ela sim tem os olhos escandalosos ora se tem! tem sim! cavadores de atalhos piscadores de lúbricos convites Olhos que sabem que o resto do corpo reluz neles nas multidireções dos pés à cabeça Eles sabem que o resto do corpo prescindem dos atributos simétricos e compassados no equilíbrio das distâncias na bela junção das partes e das anexações Eles sabem que em caso de necessidade são o próprio desejo do espírito no corpo na forma que agora reluz sobre as águas mansas e profundas no mar de uma piscina. Assim a linguagem inconsciente das aspirações está a um passo do alcance mas arredando o agrado que jamais logramos Sim é assim mesmo: a ventura adiante da poesia da poesia que vem na inócua perseguição nos traçamentos transversais É assim que algumas palavras versos poemas espirram ao léu de um céu repentinamente nas mãos e olhos dos leitores de sobreaviso E é aí que se lê em voz alta que a sensualidade é a raiz e a flor da sexualidade.

terça-feira, agosto 22, 2006

A VISÃO DO PARAÍSO (*)

Corria, pelos mares e florestas, o ano de 1499. No Velho Mundo a natureza, já cansada e chateada com o homem, regateava suas dádivas escasseadas, avaramente. No Novo Mundo, ela se entregava de braços abertos aos aborígenes, sem que nenhum deles fosse arador, ceifador ou moleiro. Meio século depois o Padre Rui Pereira testemunhava que o Paraíso ainda estava aqui neste mundo sem o mal, com a Lógica, a Dialética e a retórica embutidas na Magia, na Astrologia e na Alquimia, entidades do conhecimento em repouso, que não precisava explicar as flores em tudo e até nas pessoas, para assim não desencantar as coisas e os seres. Outro viajante, Navarrete, também dá seu testemunho: “Não há melhor gente que a daqui: ela ama o próximo como a si mesma, tem na ponta da língua a palavra mais doce do mundo, mansa e risonha. Homens e mulheres andam nus, envoltos na pureza que nada tem a esconder”. A presunção que vem de velhas concepções colombinas, que a cartografia contemporânea não contradiz, de uma ligação por terra entre a Ásia e o Novo Mundo, confirma a idéia que o Apóstolo São Tomé tinha vindo pregar na costa do Brasil, depois de passar nas Índias Orientais. Duarte Barbosa em seu “Livro” de 1516 fala que os naturais da terra “quiseram mostrar as pegadas de São Tomé no interior do País”, indicando também as cruzes que ele fincou, acrescentando que as pessoas chamavam-lhe Deus Pequeno, porque havia outro Deus Maior. E muitos pais chamam, até hoje, seus filhos de Tomé, ele diz. E a Arca de Noé, do Dilúvio Universal? Ah, pois, o que consta é que foi construída na vertente ocidental da Cordilheira dos Andes, em forma de nave (de 28.125 toneladas), e saiu dali guiada pela mão de Deus, foi até à Ásia e, depois de anunciar a nova espécie humana, regressou ao Novo Mundo, que então era uma reserva ambiental verdadeiramente edênica. E o monte Atlas, que conhece as profundezas sombrias do mar, que segundo Homero, emerge diretamente das águas oceânicas, confirma a hipótese aplaudida por Humboldt de que seja, de fato, o nosso conhecido Pico de Tenerife. Numa das Ilhas Afortunadas, citadas na odisséia homérica, em vez de neve, furacão e trovoadas, sente-se até hoje a delicada brisa, as chuvas suaves e o clima temperado, os ares bonançosos e salubérrimos, tantas amenidades que mesmo entre os nativos havia a convicção de que ali estavam os verdadeiros campos elíseos cantados pelo vate helênico. A terra era de todos, assim como o sol e água, e as expressões “meu” e “teu”, germes de todos os males sociais, não existiam, não eram usadas por ninguém naquele tempo (por volta de 1560), em que nossa terra brasileira já era conhecida por Obrasil (topônimo que significaria “ilha afortunada”) e que aparece em vários mapas e nas cartas portuguesas de Lázaro Luís, de 1561. Uma apóstrofe de Ronsard roga para que não se “macule com o engenho e a arte dos civilizados a felicidade da gente sem malícia que habita as margens de Guanabara”, porque só mesmo talvez um lugar remoto “entre gentes tão nuas de roupas quanto de vícios se acharia alguma imagem, atenuada embora, daquilo que foi o Paraíso”. A própria civilização que exaure a natureza, não cansa de louvar suas virtudes, seja no culto aos metais através dos quais resplandecia a própria luz da fé, seja na mitologia greco-romana que endeusava a águia de Júpiter, o pavão de Juno, o cisne de Vênus, a andorinha de Filomela. O jesuíta Manoel da Nóbrega escreveu uma carta em 1549, com todo amor e carinho: a terra brasileira “é muito sã e de bons ares, de tal maneira que, com ser a gente muita e ter muito trabalho, e haver mudado os mantimentos com que se criaram, adoecem muito poucos, e esses que adoecem logo saram. É terra muito fresca, de inverno temperado, e o calor do verão não se sente muito. Tem muitas frutas e diversas maneiras, e muito boas, e que tem pouca inveja às de Portugal. Os montes parecem formosos jardins e hortas, e certamente eu nunca vi tapeçaria de Flandes tão formosa, nos quais andam animais de muitas diversas maneiras, dos quais Plínio nem escreveu nem soube. Tem muitas ervas de diverso olor e muito diferentes das de Espanha, e certamente bem resplandece a grandeza, formosura e saber do Criador em tantas, tão diversas e formosas criaturas”. Tudo mudou, porém, quando os colonizadores perceberam e divulgaram que com o ouro da Nova Terra tudo se podia fazer, até mesmo mandar almas ao céu. Foi assim então que a terra daqui também passou a dar cardos e abrolhos, gemidos e padecimentos.E pra terminar nossa resenha do livro de Sérgio Buarque de Holanda,vai aqui a indagação, baseada nas idéias e concepções de Platão, Aristóteles e Santo Agostinho: “O que significa a depravação do mundo senão a privação da VIRTUDE que nele infundira o Senhor em sua Glória Primeira e Virginal”? No começo do tempo - se é que o tempo teve começo – toda a terra era como o Brasil de 1500: ninguém sabia dos ferros e fogos da ganância nem dos pesos e medidas da pecúnia era tudo sem culpabilidade, sem queixume era tudo na espontaneidade dos fartos e variados frutos... Isso da terra gemer e padecer no passar a dar cardos e abrolhos veio depois veio quando um aborto da natureza caiu no solo fértil da condescendências germinou e multiplicou e virou praga e hoje é o que vemos no desprazer à revelia das leis naturais: o desmatamento o descaramento a corrupção o lúgubre reinado de macunaíma e seus manos e manas. Agora ninguém sabe mais o que é a natureza ela que era o livro das mensagens vitais: é só olhar e ver os pássaros angelicais ainda entoando ainda expandindo em salmos e hinos as glórias de Deus ainda debulhando em cânticos as horas canônicas em nome dos profetas santos e santas e das borboletas no cortejo das espécies as guaraciabas em raios solares as lagartas de cores hepáticas o louva-a-deus gentio e cristão o inseto que vira planta a deitar raízes no maravilhamento metamorfósico a erva casta que ao simples toque murcha e só a abelha e Deus sabem o segredo da abelha e de Deus ela que faz do amargo o doce assim como o maracujá faz da flor a paixão dos ungidos pois que o que é o olho no mundo corpóreo diz Pico é a mente no campo espiritual: os espinhos e as garras das agruras são os prenúncios da civilização? pois que o demônio, que é espírito, vê nossa alma e nós, que somos o corpo dela, não a vemos. O demônio a quer, ora pois! e nós nem tanto, ora pois! E nós nem mesmo sem saber o que fazer desta constatação. 

(*) Texto escrito depois de ler o livro VISÃO DO PARAÍSO, de Sérgio Buarque de Holanda – Coleção Folha de São Paulo, SP 2000.

segunda-feira, agosto 21, 2006

CURRÍCULO LITERÁRIO DE LÁZARO BARRETO

Nasceu em Marilândia, município de Itapecerica (MG), a 06/01/1934. Filho de José Valentim Barreto e de Isolina Gonçalves Guimarães, casado com Inês Belém Barreto, pai de Ana Paula e de Paulo Henrique. Passou a infância na terra natal e em Itapecerica, indo na adolescência para Belo Horizonte. Residiu também em Uberaba, Salto Grande, Cachoeira Dourada e Divinópolis, onde vive desde 1966 e fundou e dirigiu (com amigos) os jornais literários AGORA e DIADORIM (nos quais lançou dezenas de novos autores nos anos 60 e 70), que mereceram apreciações e análises em livros de Pedro Pires Bessa e Camilo Lara (respectivamente: “Textos e Ressonâncias”, Funedi/UEMG/2003, 112 páginas; e “Itinerários – a Poética do Coletivo em Divinópolis”, Coleção DAZIBAO, BH/2005). É formado em Ciências Sociais. Já foi Membro da Comissão Mineira de Folclore e da União Brasileira de Escritores. Participou do I Seminário do Ministério da Cultura, em Brasília, 1985, que estabeleceu os princípios de uma política cultural (para o novo ministério). Participou, também, com moções e comunicações, do Congresso Brasileiro de Escritores de 1985, em São Paulo, e do Seminário Internacional Guimarães Rosa, em Belo Horizonte, 1998. Escreveu e publicou os seguintes livros: 1 – Árvore no Telhado, poesia, 1968, Edição Movimento AGORA, Divinópolis, MG. 2 – A Cabeça de Ouro do Profeta, contos, 1969, Imprensa Oficial, Belo Horizonte, MG. 3 = A Lapinha de Jesus (com Adélia Prado), texto de Natal, 1971, Editora Vozes, Petrópolis, RJ. 4 – Mel e Veneno, poesia, 1984, edit. Expresso, Divinópolis, MG. 5 – Aço Frio de Um Punhal, contos, 1986, Editora Guanabara, Rio de Janeiro, livro que inspirou a tese de mestrado na PUC/BH, “Estratégias da Representação”, de Mauricio José de Faria (159 páginas). 6 – Memorial de Divinópolis, pesquisa sociológica, Prefeitura Municipal de Divinópolis, 1992. 7 – História de Arcos, pesquisa sociológica, 1992, Prefeitura Municipal de Arcos, Arcos, MG. 8 – Memorial do Desterro, pesquisa sociológica, 1995, Edição do Autor. 9 – A Família Oliveira Barreto (Genealogia, Notas e Comentários, 2005 – edição do Autor. Participou das seguintes antologias: 1 – Contos Gerais (com o conto “Loura e Lírica”), Imprensa Oficial, 1972, Belo Horizonte, MG. 2 – Novos Contistas Latino-Americanos (com o conto “Querida”), Revista “Crisis”, Buenos Ayres, Argentina. 3 – Nowe Opowiadania Brazylijiskis, Krakóv, Poônia, 1982 (com o conto “Circuito Fechado”). 4 – Poema Convidado, Backstage Books, Indiana, EUA, 1975 (com o poema “Quando Quando”. 5 – Flor de Vidro (antologia de autores mineiros) Belo Horizonte, 1991 (com o conto “Assembléia dos Excluídos). 6 – Temporada de Poesia, Anos 60, Política e Vanguarda, 3º. fascísculo. edição BH 94 (com os poemas “Totalitarismo” w “Duas Cinco Vezes Ana Maria Hatherly”). 7 – Riqueza Cultural Ibero-Americana, org. de Pedro Pires Bessa, edição PAPEMIG-UEMG, 1996, Juiz de Fora, MG (com o ensaio “Uma Leitura de Guimarães Rosa”). 8 – Veredas de Rosa – Seminário Internacional Guimarães Rosa, org.de Lélia Parreira Duarte, PUC/Minas, Belo Horizonte, 1998 (com o texto “Manuelzão, Miguilim”). 9 – História Para o Prazer da Leitura, revista FICÇÃO, 1977, Rio de Janeiro (com o conto “Circuito Fechado”). 10 – Poesia Mineira do Século XX, org. de Assis Brasil, Editora IMAGO, 1998, Rio de Janeiro, com três poemas. Roteiros de filmes e vídeos: 1 – “Árvore no Telhado”, filme de Carlos Augusto Calil e Lauro Escorel, sobre o artesão GTO (Geraldo Teles de Oliveira, Divinópolis, com o poema que dá título ao filme e participação no roteiro e na locação. 2 – Roteiro do vídeo “O Verde Mais Antigo”, dirigido por Oswaldo André de Melo, Divinopolis, 2001. 3 – Idem idem de “O Rio Que Não Pode Morrer” (inacabado). Também dirigido por Oswaldo André de Melo, na mesma cidade, no mesmo ano de 2001. Obra Inédita: Romances: Tetralogia “MONÓLOGO E PRANTO”: 1 – “Joamir e Mirafélia. 2 – Por Que Choras, Saxofone? 3 – Barra Funda – a Evaporação dos Paradigmas. 4 – Apenas Um Coração Solitário. Trilogia:”AQUI NESTE DESTERRO”: 1 – o Dia do Casamento. 2 – Cantagalo – A Bacia das Almas. 3 – O Pião entrou na Roda. Contos, Teatro, Poesia, Pesquisa. Contos: 1 – Dois Patinhos na Lagoa. 2 – Os Contos do Apocalipse Clube. Teatro: 1 – O Clarão, de parceria com Adélia Prado (encenada em várias cidades do interior de Minas. 2 – Três Horas de Trevas, ainda com a parceria de Adélia, encenada em Divinópolis. 3 – O Fogo Corredor;. 4 – O Ninho da Égua (parcialmente encenada em Divinópolis). 5 – Quem Matou o Filho da Onça?, peça infantil, encenada em Divinópolis. 6 – A Lapinha de Jesus (montagem e encenação no Rio de Janeiro, por Luzia Fonseca). 7 – O Pão dos Anjos. Poesia: 1 – A Janela dos Anos. 2 – Poemas e Paráfrases. Pesquisa: 1 – Os Horizontes do Itambé (um estudo sobre a cultura popular de Minas Gerais, tomando como base os municípios de Conceição do Mato Dentro, Serro e Diamantina. 2 – Os Numes Tutelares – Os Mestres de Outrora. (artigos em prosa e verso). 3 – Os Grãos de Pólen (35 anos de jornalismo no interior de Minas – síntese). Em Preparo: 1 – As Famílias Pioneiras do Oeste de Minas (pesquisa). 2 – Chamando Urubu de Meu Louro (romance). Colaboração Jornalística: Assídua colaboração nos seguintes jornais divinopolitanos, desde 1966: A Semana, o Agora, Diário do Oeste, Expresso, Nossa Gente, Aqui Pra Nós, Vitrine, Magazine, Jornal do Poste. Nos jornais de Belo Horizonte e de outras cidades: “Suplemento do “Minas”, Jornal do Domingo, Hoje em Dia, Estado de Minas, Suplemento da Tribuna da Imprensa (RJ), e nas revistas Inéditos, Minas Gerais, Número, Ficção, etc. 

Em 21 de agosto de 2006.

O PAUPERISMO DA LITERATURA BRASILEIRA

Muito boa a entrevista concedida por Antônio Carlos Secchin ao jornal POESIA VIVA (Rio, Agosto, 1997), principalmente quando ele diz sobre o atual pauperismo da literatura brasileira: “as noites de autógrafos se transformam em rituais simultâneos de batismo e óbito de um livro, que, fora dali, não será mais visto em lugar nenhum”. E por falar nela, a literatura brasileira está em festa com a publicação dos livros de Caetano Veloso, que agora se alinha na vanguarda livresca, onde já brilham os nomes de Chico Buarque, Paulo Coelho, Jô Soares, José Sarney, Chico Anísio...: quando surgirão os portentos de Roberto Carlos, Pelé, Antônio Fagundes, Fernanda Montenegro? Por falta de astros e estrelas não é que a literatura brasileira vai deixar de resplandecer. Será que a Mídia vai conseguir o que nenhum ditador conseguiu até hoje, ou seja, esvaziar e acabar com a verdadeira literatura brasileira? Lembro que já no Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo, 1985, estava tudo em seus lugares: os acadêmicos e vanguardistas de todos os quadrantes dos países de língua portuguesa, uns falando e a grande maioria ouvindo – e o batalhão de fotógrafos e cinegrafistas à espreita de alguma excepcionalidade, que apareceu de repente, causando o corre-corre nos bastidores e na platéia (do Teatro Sérgio Cardoso) e o espanto na mesa do plenário. O que causava tanto rebuliço? Drummond tinha acabado de chegar ? Ana Cristina César assomava o recinto, toda fascinante? Todo mundo espichava o pescoço para ver e saber. João Cabral de Mello Neto? Antônio Cândido? José Sarney, que respondia pela Presidência da República (Tancredo estava hospitalizado)? Nada disso. Nenhuma sombra de Mário de Andrade ou de Manuel Bandeira. Quem acabava de chegar com toda pompa, despertando todos os clarins e caixas de sons da imprensa era, ninguém mais ninguém menos do que o irrequieto cantor Gilberto Gil, hoje badaladíssimo ministro da cultura. Está morta a égua, alguém disse perto de mim, na arquibancada. E agora, a literatura brasileira está mesmo estagnada? Está, pelo menos, inédita. Cadê as obras dos bons novos autores? Engavetadas e envelhecendo no ineditismo? O que desejamos é que as editoras façam como a José Olímpio fazia tempos atrás: que revele para o público novos autores da estatura de Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral, Emilio Moura, Cecília Meireles, Drummond. Pois que no lugar dos possíveis novos autores talentosos, o que vemos nas livrarias? A penca de autores estrangeiros, as teses de graduação universitária, os corifeus da auto-ajuda, os autores bafejados pela mídia. A coqueluxe da auto-ajuda não passa de uma coqueluxe insípida e impertinente, a praga dos novos tempos. Tenta ensinar o que todo mundo sabe: caminhar com as próprias pernas. Utiliza uma publicidade enganosa, passando adiante a ilusão de que em suas páginas há solução para todos os ´problemas da vivência cotidiana. Como poderia ter? Como qualquer pessoa, repentinamente atribulada por essa ou aquela indecisão vai ter tempo e disposição de ir lá na estante e consultar a brochura da auto-ajuda para saber o que ela recomenda a respeito da atribulação momentânea? O escritor é um homem público, que trabalha e produz não apenas para um patrão, uma empresa. Ele trabalha e produz para o público em geral. E conselho por conselho é preferível o do poeta W.H. Auden (1907-1973): “Nos desertos da alma/ Faça brotar água calma./ Na prisão de seus dias/ ensine o homem livre a cantar”. Pois o poeta, como lá diz Tzvetan Todorov, “não precisa se dedicar a uma causa, nobre ou ignóbil, a fim de cumprir sua missão: isso ele faz em sendo um poeta.Os combatentes judeus do gueto de Varsóvia queriam salvar a vida do poeta Berl Katznelson, não porque ele fosse o soldado mais precioso, mas porque suas palavras poderiam ajudar os sobreviventes a viver melhor”. As cinco principais causas do ineditismo de muitos autores, na minha opinião: 1 – A classe dirigente tem muita relutância em aceitar a figura às vezes incômoda do ficcionista e do poeta, portadores, geralmente, de revelações de segredos incômodos. 2 – As editoras que produzem e distribuem os livros em grandes tiragens, são empresas comerciais, que visam sobretudo certa rentabilidade antecipadamente garantida – e nesse ponto os autores bafejados pela mídia levam nítida vantagem. 3 - Os concursos literários, geralmente, têm as cartas marcadas, e nesse ponto assemelham-se aos outros concursos das manjadas concorrências de obras do poder público. Ao que tudo indica, os vencedores são escolhidos antes dos julgamentos. 4 – As leis de incentivo cultural baseadas na chamada isenção fiscal também tem lá suas cartas marcadas. O autor, para conseguir o financiamento, tem que ter mais talento para ser lobista do que para ser propriamente escritor. 5 – Resta a chamada edição por conta própria e aí entra o perigo até mesmo sanitário. Se o autor não souber comercializar, corre o risco da desistência ou até do enfarto do miocárdio, uma vez que tem de trocar o papel de escritor para o de comerciante, o que nunca conseguirá, se realmente for um escritor.

A SABEDORIA DOS PÁRA-CHOQUES

Compilação de Lázaro Barreto

- Se o mundo fosse bom, o dono morava nele. 
- Marido de mulher feia detesta feriado. 
- Folgado mesmo é pente de careca. 
- Se não houvesse distância, não existiria saudade. 
- Boca que não merece beijo, pimenta nela. 
- Batida só de limão. 
- O homem nasce, cresce, fica bobo e casa. 
- Não sou parafuso, mas vivo apertado. 
- Odiar o próximo e amar a mulher do próximo. 
- O casamento vem a cavalo com o arrependimento na garupa. 
- Em festa de rato não sobra queijo. 
- Viúva é como lenha verde: chora mas pega fogo. 
- Queira-me como sou e serei como queres. 
- Só Deus sabe onde estarei amanhã. 
- Não sou silvio santos mas vivo deste baú. 
- Seta não é enfeite: use e respeite. 
- Antes chegar tarde em casa do que cedo no cemitério. 
- O melhor remédio contra aids é comida caseira. 
- Se me ver abraçado à mulher feia, pode apartar que é briga. 
- Fruta madura na beira da estrada, é azeda ou está bichada. 
- A lei muda tudo, menos o coração que ama. 
- Sobre quatro pneus cheios, um coração vazio. 
- Quem fala de mim tem paixão. 
- Cara feia não enche barriga. 
- Está chegando quem você esperava. 
- É beleza só, a bondade vem aí. 
- Dirigido por mim, guiado por Deus. 
- Pra baixo todo santo ajuda, pra cima a coisa muda. 
- O sapo tem o olho grande, mas vive na lama. 
- Em festa de formiga não se convida tamanduá. 
- Nas curvas de teu corpo, capotei meu coração. 
- Enquanto os cães ladram, a caravana passa. 
- O cavalo é do patrão, mas a espora é minha. 
- As mais belas flores também murcham. 
- Minha escola é a vida, meu professor é Deus. 
- A morte me namora, mas eu amo a vida. 
- Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho. 
- Coração bom está aqui no peito, só falta é trato. 
- Caminhoneiro, não vote no lula buraqueiro. 
- Quem corre cansa, quem espera sempre alcança. 
- Mineiro quando enfeza, vela sobe de preço. 
- Na cabine cabe muitas; no coração só uma. 
- A mulher e a estrada; quanto mais curvas, mais perigosa. 
- Se pinga fosse fortificante, o Brasil seria um gigante. 
- Moro no mundo, mas vou passear em casa. 


PERGUNTAS E RESPOSTAS CRETINAS: 

- O que a formiga tem maior que o boi? (o nome). 
- O que só anda de cabeça para baixo? (os pregos do sapato). 
- Para o bom entendedor uma palavra basta, ecil? (imbecil). 
- O que cheira mais na farmácia? (o nariz do farmacêutico). 
- Onde Deus pôs a mão na mulher? (na ponta do braço). 
- Por que a torneira vive pingando? (porque não sabe fungar). 
- Qual a diferença entre a mulher e o leão? (a mulher usa batom , e o leão, ruge). 
- O que há de novo? (nome feio na boca do povo). 
- O que vem de baixo não o atinge? (senta no formigueiro pra ver). 
- Votar em branco é racismo? (é eleger quem você não quer). 

 FRASES SOLTAS (São de Quem Pegar?). 

- viver é prejudicial à saúde (Gammil Sneg). 
- Depois de tanta roubalheira, o brasileiro ainda não ajuizou uma opinião sobre o atual desgoverno? 
- O Fidel, sempre bonzinho, começa a ficar bem ruinzinho, hein? 
- O homem, como o vento, faz o que tem de fazer, e parte. 
- A natureza tem uma entrada por trás, como os clubes clandestinos. (Gonçalo Tavares). 
- As melhores infâncias duram décadas.(Gonçalo Tavares). 
-  O dia seguinte só aparece porque algo do dia anterior não foi entendido. (Gonçalo Tavares). 
- A diferença entre FHC e Lula? O primeiro quer ser o que não é; o segundo quer ser ainda pior do que é. 
 - Então é assim que é? O eleitor é o culpado pelo crime do eleito?

sexta-feira, agosto 18, 2006

TUDO DE BOM MESMO

O desejo que vai e vem (que vai de mim e volta de você) ó lúbrica fantasia da solidão ó ínvia dublin de james joyce ó eu aí no uruquaquá e no pinhém de guimarães rosa a verve a volta da vulva à cútis o implícito cheiro da libido a espiritual carnalidade do fervor as peripécias as planícies e os planaltos das redondezas alongadas nos contornos e arredores da sede antes de entrar nas bacias e baias as redondezas dos remansos e correntezas os mundos e fundos da posse (melhor diria da possessão) de tudo de bom numa pessoa os mundos e fundos da posse instantânea e permanente do imorredouro deleite do momentoso êxtase ó vênus calíope iracema dos pequenos e grandes lábios de mel tudo de bom assim mesmo. A beijar suas axilas e virilhas aspirando os perfumes de uma súbita primavera e agora esse outro rosto a redondidade sedosa escorregadia beirando os róseos lados do declive como se furtivamente desmendasse a redondidade na linha de luz das oferendas da lícita e tácita revelação repentina e prolongada do início de um esclarecimento tão esperado e agora interligado às rutilantes obscuridades sentimentais. Ó! é a pausa entre dois acordes?

terça-feira, agosto 15, 2006

A CANÇÃO DO EXÍLIO E DA VIUVEZ

Aos filhos Ana Paula e Paulo Henrique. 

Um sanhaço migrado de outras longitudes mesmo assim completo em sua perfeição plumável canta impenitente altaneiro as dores e meiguices de seu exílio e viuvez. Vara a madrugada da Avenida Jamaris a lamentar em bemóis e sustenidos a saudade dos dias e noites idos e vividos em outras eras e plagas bem mais folhosas e ariscas a lamentar a perdição em que se encontra assim sozinho e deus na escuridão dos arcos voltaicos assim cercado de espigões recheados de sonos e sonhos, de heresias e erosias, entremeados de labirintos e currais na parte baixa, de estrelas e janelas e aragens na parte alta, a lamentar a solidão incompreendida de sua peregrina, precoce viuvez. E mesmo assim exilado na pétrea carpideira ele canta a perda dos bens naturais (de toda a humanidade). Ele nem sabe mais o rumo das paineiras do Ibirapuera nem das codornas e nhambus das sumidas palhadas de outros sertões. Abismado na amplidão da floresta petrificada pousado no mais alto dos edifícios das alamedas (das hoje extintas tribos indígenas e das ninhadas passarinheiras) dos mesmo assim vivos recantos das moemas dos jardins dos morumbis ele canta canta e canta!

domingo, agosto 06, 2006

ULISSES, DE JAMES JOYCE (*)

Perambulação de Leopold Bloom, sua mulher Molly e Stephan Dedalus no único e corriqueiro dia 16 de junho de 1904 pelas ruas de Dublin. 

 Escrito em 1914-1921 e publicado anos depois e logo interditado pela censura, o livro ULISSES, de James Joyce, foi traduzido por Antônio Houaiss e publicado pela Editora Civilização Brasileira em 1966, ano que adquiri, li e incorporei (timidamente, no subconsciente) a terminologia da estranheza na minha suada e interminável aprendizagem literária. É uma obra marcante, uma espécie de ressurreição da ODISSÉIA de Homero, com a nova gama de linguagem e de comportamento dos novos tempos. É uma espécie de floresta amazônica, um oceano atlântico, uma lua virgem mesmo depois de penetrada. Uma lua?, eu disse? Eis o que está na página 745: “Que afinidades especiais lhe pareciam a ele existir entre a lua e a mulher? Sua antiguidade no preceder e suceder a sucessivas gerações telúricas: sua predominância noturnal: sua dependência satelítica: sua reflexão luminária: sua constância sob todas as suas fases, levantando-se, e pondo-se em seus tempos designados, inchando e minguando: a invariabilidade forçada de seu aspecto: sua resposta indeterminada a interrogação afirmativa: sua potência sobre águas efluentes e refluentes: seu poder de enamorar, de mortificar, de investir de beleza, de tornar insano, de incitar e estimular delinqüência: a inescrutibilidade tranqüila de sua visagem: a terribilidade de sua isolada ominante implacável resplendente proquinquidade: seus ômines de tempestade ou de calma: a estimulação de sua luz, de seu movimento e de sua presença: a admonição de suas crateras, seus mares áridos, seus silêncios: seu esplendor, quando visível: sua atração, quando invisível”. Não é trecho de extensa, sonora, de transtornante poesia? Transborda nas palavras e no entanto é sintético como se de repente o mundo coubesse na palma de nossa mão. É para o leitor ter uma idéia. Trata-se apenas de um parágrafo da página 745 – e o livro tem 849 páginas compactas. A obra (como a homérica inspiradora) é uma espécie de muralha inexpugnável, um bloco maciço e coeso ao mesmo tempo de carne e osso, de pedra e flor, de água e perfume, de brilho e treva, de dor e prazer, de tudo enfim que um grande e belo coração humano é capaz de conceber e suportar.É uma diferente morada do sol e da lua e quem não entra nela não sabe o que está perdendo. Lembro-me que passei as férias inteirinhas lendo o calhamaço na aprazível Marilândia daquela época. Li sentindo a possessão de uma carga literária diferente. Se na ficção de Dostoievski o que mais me perturbava era o derramamento da alma na resposta à purgação dos pecados do corpo, agora o que me afligia e me instigava era o derramamento das palavras na (re)criação de formas de viver e de (re)contar a vida. No esforço de recalcar (sofrer o impacto, aprendendo) a epopéia moderna do cotidiano de todas as pessoas e em todas as partes do mundo, acabei tentando versificar o monólogo feminino da parte final do livro. A tentativa é de 1966. Tentei melhorá-la agora, mas não consegui. Passo-a aos leitores desta coluna do Jornal do Poste, nas edições de hoje e de amanhã, conforme segue: O Monólogo Feminino (de Molly Bloom, pág. 845 e seguintes): Eu adoro as flores eu ia adorar ter a casa nadando em rosas Deus do céu não tem nada com a natureza? as montanhas bravas então o mar e as ondas correndo? Então a bela campina com campos de aveia e trigo e todo tipo de coisas e todo gado viçoso andando por ali Que ia ser de fazer bem ao coração de ver rios e lagos e flores todas as espécies de formas e cheiros e flores brotando mesmo das regazinhas Primaveras e violetas: é a natureza é o que é Quanto a esses que dizem que não há Deus eu não daria um vintém de mel coado pela sabedoria deles Porque que é que eles não vão e criam alguma coisa eu muitas vezes pergunto a eles, ateus ou como quer que eles se chamem que vão se lavar do ranço deles primeiro depois tocam a gemer por um padre quando estão morrendo e porque ficam com medo do inferno por causa da má consciência deles ah sim eu conheço eles bem quem foi a primeira pessoa no universo que fez tudo? quem? ah isso eles não sabem nem sei eu mesma eles podem impedir que o sol se levante amanhã? O sol brilha para você, ele disse no dia que a gente estava deitado entre os redodendros no cabeço do Howth no terno de tuíde cinza e chapéu de palha dele o dia que levei ele a se propor a mim sim primeiro eu dei a ele um pouquinho do bolinho-de-cheiro de minha boca depois desse beijo longo eu quase perdi a respiração sim ele disse que eu era uma flor da montanha sim! assim a gente é uma flor todo o corpo de uma mulher sim! essa foi uma coisa verdadeira que ele disse na vida dele e o sol brilha para você hoje isso porque eu via que ele entendia ou sentia o que é uma mulher e eu dei a ele todo o prazer que eu podia levando ele até que ele pediu para dizer sim e eu não queria responder só olhando primeiro para o mar e o céu eu estava pensando em tantas coisas as garotas espanholas se rindo nos xailes os gregos e os judeus e os árabes e o diabo sabe quem mais de todos os confins da Europa dos burricos escorregando meio dormidos e os sujos vagos nas mantas dormitando na sombra dos degraus e as rodas grandes das carroças de touros aqueles mouros bonitos todos de branco e turbante como reis pedindo a gente pra sentar nas lojinhas pequeninas deles e as bodegas de vinho meio-abertas à noite e as castanholas e a noite que a gente perdeu o bote em Algeciras o vigia indo por ali sereno com a lanterna dele e oh aquela tremenda torrente profunda oh e o mar o mar carmezim às vezes como fogo e os poentes gloriosos e as figueiras nos jardins da Alameda sim e as ruazinhas esquisitas e casas rosas e azuis e amarelas e os rosais e os jasmins e gerânios e cáctus e Gilbratar e eu mocinha onde eu era uma flor da montanha sim quando eu punha a rosa na minha cabeleira como as garotas andaluzas costumavam eu devo usar uma vermelha sim e como ele me beijou contra a muralha mourisca e eu pensei tão bem pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu puz os meus braços em torno dele sim eu puxei ele para ele sentir meu peito todo perfume sim o coração dele batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sins! 

 (*) Texto publicado no Jornal do Poste (Divinópolis, MG) em 1997. 

 ANEXOS 

1) Penélope na Cama (página 787): “Satisfação ante a ubiquidade nos hemisférios oriental e ocidental, em todas as terras habitáveis e ilhas exploradas e inexploradas ( ) de hemisférios adiposos posteriores femininos, redolentes de leite e de calor excretório sanguíneo e seminal, reminiscentes de famílias seculares de curvas de amplitudes, insusceptiíveis de modos de impressão ou contrariedades de expressão, expressivos de muda inundável madura animalidade. Os sinais visíveis de anti-satisfação? Uma erecção aproximativa: uma adversão solícita: uma elevação gradual: uma revelação tentativa: uma contemplação silente. Depois? Ele beijou os fornudos ricudos amareludos cheirudos melões de seu rabo, em cada fornido melonoso hemisfério, na sua riquêga amarelêga, com obscura prolongada provocante melonicheirosa osculação. Os sinais visíveis de pós-satisfação? Uma contemplação silente: uma velação tentativa: uma abaixação gradual: uma eversão solícita: uma erecção próxima. Que seguiu essa ação silente? Invocação sonolenta, recognição menos sonolenta, excitação incipiente, interrogação catequética.” 

2 – A Minha Flor da Montanha de Joyce - Lázaro Barreto, 2006. Quando ela vem onde espero é o céu que na terra se funde é o dentinho de leite a ruguinha na fronte a mecha de cabelos nas costas o cheiro suado do amor o cheiro suado do amor o cheiro suado do amor. Se morde ou lambe os beiços se coça a bunda sem adereços não sei o que me acontece nas campinas da infância nos ocasos posteriores na instância da pressão alta.

sexta-feira, agosto 04, 2006

A Licença Poética

A LICENÇA POÉTICA - Lázaro Barreto.


A noite não é o funeral nem o sepulcro do dia
É a parte azulada da vida mais que vermelha.

Longe dali a sanidade açucarada, a face angelical
da vexatória juventude.
Perto dali a boca a falar de amores,
as escamas dos lábios e os interstícios
úmidos e pregueados,
a justaposição molhada e vermelha
os estrépitos cadenciados dos fulgores
a forja das emoções subindo e descendo
sobre o braseiro da mais recente paixão.

Depois de dois dedos de prosa
ah já vinha
o prazer merecido depois de tanta sofrida beleza
ah já chegava
o prazer merecido depois de tanto sofrer a beleza.

Se a palavra estiver do lado que o sol bate,
é mais visível,
se surgir do lado oposto ao da lua cheia,
é mais audível.
O amor não tem nada a ver com as outras pessoas,
só com nós dois no momento dele.
A amplitude escorrega do contexto
A vida social é violenta em seus trâmites,
esparrodada no azedume das amarguras.
Os amantes precisam comer-se um ao outro,
de vez em quando
nas bitacas do sossego.
Não quero falar mais disso, desse instante
em que ela tirou a roupa.
Em que ela tirou a roupa?
Perdão!
Será que foi isso mesmo que ela fez
ou muito mais que o sol e a lua fazem
nas escuridões de seus clarões?

A CRUZ E O CREDO

De minha parte, creio. Creio em Deus Pai, Toda Natureza, no artista criador, na terra mais do que no céu, no pão nosso de cada dia, na certeza que o ser humano é um bicho igual aos outros. Creio no pensador que vislumbra em sua vertigem de altura e profundeza o meio estratégico no qual a felicidade da alma (liberdade liberdade) convive na felicidade do corpo (melhores pães para todos). Creio nos nomes das coisas que procuro conhecer e assim escapar dos esporões e atoleiros sair da caixa dos marimbondos seguir pelos vértices horizontais até chegar nas sementes das raízes na borbolha da água original nas mãos divinas da minha cruz e do meu credo lá bem embaixo e não lá emcima até perder-me nos confins da madorna (nem dormindo, nem acordado).

Sete Trovas Rapidinhas

SETE TROVAS RAPIDINHAS - compilação de Lázaro Barreto.


Fui à fonte beber água
debaixo da ramalhada.
Fui lá só para te ver,
que a sede não era nada.

Rosa branca se soubesse
o cheiro que a roxa tem,
Ficava de noite no sereno,
para ficar roxa também.

Vou cantar o que me pede,
não quero ser descortês.
Tenho dois anjos na glória,
e convosco, meu bem, são três.

Pombinha, quando tu fores,
escreve-me de teus caminhos.
Se não achares papel, escreve
nas asas dos passarinhos.

Da boca faz um tinteiro
Da língua, pena dourada
Dos dentes letra miúda
Dos olhos, a carta fechada.

Perdão, senhora, se o pudor alijo,
mas por favor, permitais:
o eu pôr o por onde mijo
no por onde vós mijais.
(*)

Todo mundo se admira
da macaca fazer renda..
Pois eu já vi uma perua
ser caixeira duma venda.

(*) atribuída a Bocage.

quinta-feira, agosto 03, 2006

A JANELA DOS ANOS

Tempo parcialmente nublado, diz a meteorologia
Espaço completamente corrido, dizem os olhos.
As águas passadas tocam os moinhos da frente
O amor dos melhores é um orgasmo infindável!
Mas sem a cidadania, nada feito nem a fazer!
Os gestos sabem falar de cor e salteado
O boi é um pássaro de muitas e muitas arrobas,
que canta e voa por necessidade e boniteza.

Quando aos olhos as mãos ficam belas
(escondidas para fugirem das pegadinhas
ali onde as glandes se encontram e explodem),
Deus fica um pouco canhestro, um pouco míope
(a luz demasiada cega
o poder demasiado esteriliza).
A vida é muito mais que sua história:
a imaginação é onisciente
mas a vontade não é onipotente.
Só mesmo Deus para salvar-me bem ali
na janela dos anos de vida e morte.
A sensualidade canta em silêncio:
que o que está no ar
é de quem pegar primeiro.

O rochedo muda de lugar, se olhamos.
Se viramos as costas ele dá alguns passos.
O alecrim do pasto, diz a lenda, nunca passa
da altura de Cristo, ou seja:
depois dos 33 anos de idade ele,
cresce para os lados e não para cima.
O tempo é democrático:
ninguém fica mais novo, todos ficam mais velhos.
O frio chora pelos cantos, mas o amor mesmo a dormir
escreve os poemas, tira o sono dos lugares.

A ÁGUA ESTÁ NUA

O rio e o tempo, o mar e a morte os víveres indigestos, os acenos palatáveis o realismo onírico mais rasteiro e no entanto aquoso. Vem um peixe e diz aos meus ouvidos que estou nadando ao contrário, que assim vou de mal a pior. Tento mas não consigo desvencilhar. Continuo a nadar a nadar a nadar no rio no mar no tempo no ar. E toda hora Uma Coisa está passando em todas as direções. Está trespassando todos os meus corações. A água está nua e suja? E o que mais neste mundo não está assim também? A política é a violência A poesia é a piedade - é o que mais tenho dito. Choro as dores do mundo, mesmo não sendo o responsável por elas. Assim estarei de certa forma ajudando ao meu querido Deus do céu e da terra a suportá-las? Assim vou nadando de braçadas, de estirões até perder o fôlego na margem esbarrancada um pouco antes ou muito depois de ver uma das aves do território a tomar água num dos poços das margens e assim a bicar e a sorver, feliz da vida e do mundo, a olhar o alto do céu na mais sincera gratidão ao Criador (como diria Anair Weirich), na fé lúcida, na inteligente religiosidade que embevece, felicita, esclarece. A água está realmente nua. E o que mais não está?

quarta-feira, agosto 02, 2006

INÉDITOS

A literatura brasileira está ferida mortalmente em sua fluência por duas lâminas agudamente afiadas: - o pragmatismo da mídia - o corporativismo universitário. É melhor dizer logo de uma vez: ou você tenha luz própria (seja um cara famoso e rentável) ou tenha livre trânsito nas cátedras e academias e assim possa dar e receber bolsas à mão cheia. Caso contrário seu livro não sairá da gaveta, seus poemas envelhecerão no ineditismo. E assim jamais poderá comparecer ao encontro das almas que se amam de longe. E assim sem o foco quase sempre míope da mídia, tanto o texto como o autor, mesmo editados permanecerão inéditos.

A CONHECIDA LUZ MISTERIOSA

Ao menos uma vez na vida eu queria ter os braços laçando tua cintura, fortemente. Sentir-me-ia assim: assim como de vez em quando o verde luzir de teus explícitos olhos abraçam e beijam meus castanhos olhos enevoados sob os óculos de graus. Um fulgor assim tão de perto só se agüenta uma vez na vida? A quase religiosidade do cumprimento de uma promessa feita a mim mesmo, anos atrás? A libido em fagulhas, o arfar da obtenção dos sortilégios o olhar que inaugura a rara nesga da paisagem que se deixa vislumbrar na súbita e efêmera bemaventurança da até então desconhecida luz misteriosa que obscurece quem dela se enamora, para melhormente brilhar na amplidão da libido em fagulhas.