A PROMOÇÃO DA CIDADANIA
A Televisão, que hoje ocupa os ares e os lares de todo o mundo não veio sozinha como o deus ex-machina do antigo teatro grego. Veio a reboque do surto de inovações técnicas, tecnológicas e eletrônicas do chamado século da velocidade, que foi o século vinte. Veio no vendaval das substituições dos modos de viver numa civilização moderna, pós-moderna, pós-pós(?).... Sentimos, no começo, a falta dos grandes e belos filmes, mas depois passamos ver em reprise esses filmes nela mesma em telas, telinhas e telões. Perdemos a arte do convívio sócio-familiar dos saraus, da contação dos casos, das cantigas de roda, das retretas nas praças, dos salões de bailes, do “fazer avenida” dos inocentes namoros, a literatura oral em todas suas facetas, as serestas das noites estivais e enluaradas. Perdemos uma porção de coisas e bens, mas perder é o destino de todo ser humano. Se não se perde nas cartas de baralho, perde-se nas outras lutas e até nos anos da vida. Os méritos da superposição também são inúmeros. Distribuídos em vários itens: o informativo (telejornalismo) ágil e sintético nas sucessivas edições diárias e na diversidade de canais disponibilizados num átimo pelo controle remoto; o recreativo é às vezes maçante, eivado de pauperismo, mediocridade e matéria-paga, além do narcisismo publicitário do próprio elenco de participantes numa símile vexatória da coruja gabando o toco. No primeiro caso ressaltam os seguros desempenhos de ajuizados e qualificados jornalistas; no segundo, brilham a verve e o talento de alguns humoristas de plantão, realmente impregnados da graça e da veracidade. A ficção novelística é outro destaque da programação, detectado pelos níveis de audiência que acirram a concorrência entre os canais das emissoras, o que é muito bom para o pessoal da mão de obra, melhor ainda para o faturamento publicitário, e discutível (ruim?!, medíocre?) para os expectadores, que deixando-se influenciar pelas balelas de água com açúcar da vida cor de rosa ou pelos dramalhões fajutos, alienam-se, correndo o risco de se igualarem na vulgaridade da correnteza dos comportamentos populares automatizados, São os ossos do ofício – ou a formatação pode ser melhorada através do aguçamento de uma revisão de valores, tendo em vista que o paralelismo e a eqüidistância entre o sonho e a realidade não é bem assim, tem outros contornos e obstáculos? Primeiro é preciso consultar as fontes da verdade e da beleza mediante a pesquisa de campo, cientificamente elaborada; e a pesquisa livresca na obra dos bons autores. Creio que como está, está prestando um danoso desserviço à sociedade, por mistificar as verdadeiras significações do que é realmente belo e veraz. Perdoamos na Televisão a recorrência de atos falhos como chamar de mau tempo quando chove e de bom tempo quando o sol está de rebentar mamonas, uma vez que neste tempo de água minguante em toda parte o bom tempo é o mais chuvoso e não apenas o mais ensolarado. Mas não podemos perdoar, de bom grado, a insistência dos programas de culinária, que sem dúvida concorrem para incrementar a epidemia mundial da obesidade. Tampouco a relevância, quase a glorificação infundada do atual futebol profissional brasileiro, que hoje se nívela ao peladeiro dos times amadores de várzeas dos bairros das grandes cidades e das pequenas cidades interioranas, Os cronistas e locutores endeusam os pernas de paus e quando surge um verdadeiro craque, eles passam a agir como agentes negocistas, festejando as ofertas e compras para os grandes clubes estrangeiros, o que é uma contradição em termos, uma vez que como profissionais do jornalismos deviam ser os mais interessados no reforço e não no desfalque e no pauperismo atual de nossos times e de nosso futebol, que está perdendo o élan, a graça do espetáculo. E assim o que vemos nos estádios é mais a briga das torcidas, cenas deprimentes, para não dizer cruentas, inadmissíveis na esportividade. Mas, apesar dos pesares, tenho plena convicção, a julgar pela excelência de muitos programas,que a Televisão é uma legítima e excelente promotora da cidadania, que assinala uma diretriz ao alcance de todos de uma forma condigna e razoável de viver diante da chusma caótica dos acontecimentos sociais do cotidiano novidadeiro e periculoso. O que mais existia antes na convivência das pessoas era a trindade: escola-colégio-família, como formadora de opinião e mantenedora de consciência. O descontrole político dos novos tempos esvaziou o poder de influenciar as pessoas da referida trindade. As pessoas, sem o ponto de vista de apoio, que agora a televisão de bom padrão de qualidade dá, estariam ainda mais perdidas e cabisbaixas, desguarnecidas da proteção contra os malefícios da insegurança, do desemprego, da incredulidade nas instituições governamentais. Dela, da televisão, é que vem para as pessoas o tipo de informação sensata, crível, honesta, que dá a noção do que é certo e do que é errado nas constantes más-notícias do dia-a-dia. Isso é dar aulas de cidadania e de situar as pessoas em suas circunstâncias, em seus contextos. As mudanças sociais são incessantes, demasiadas. As pessoas sentem a necessidade de uma orientação que venha de cima. E a imagem da TV (digo sem querer fazer gracinha), que vem de cima, é mesmo uma espécie de deus ex-machina de nosso tempo – o desfecho inesperado e feliz de um mecanismo que merece nossas congratulações.