sexta-feira, novembro 24, 2006

ROMARIA AO SANTUÁRIO DE MARILÂNDIA

O controle social, se bem planejado e conduzido, é necessário e possível. A prova disso é a Festa de Nossa Senhora do Desterro, organizada pelo Conselho Paroquial de Marilândia, coordenado pelo Padre Geraldo José Maia e pelo seminarista Bruno Teodoro Ribeiro. Separando as áreas físicas da localidade, uma destinada aos nefelibatas e outra aos religiosos, a Festa neste ano de 2004 teve um transcursos feliz, recompensando os esforços de milhares de romeiros vindo de toda parte. Que todo ano seja assim, ainda mais agora que o Templo passou a chamar-se Santuário de Nossa Senhora do Desterro, justamente pela numerosa afluência dos católicos piedosos e afetuosos. Parabéns a todo o catolicismo diocesano. A Antiguidade do Templo. Em 1744 a Câmara e Almoçataria da Villa de São José del-Rei aprovou o Auto de Posse do Arraial de São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica). A Capella de Nossa Senhora do Desterro, no lugar que hoje se chama Marilândia, foi inaugurada dez anos depois – mas a localidade já existia, mesmo um tanto desordenadamente. A Villa de Sabará foi criada em 1711 e a de Pitangui em 1715. Ao que tudo indica a região do Desterro pertenceu a Sabará até 1744 e passou a pertencer a São José até 1789, ano da fundação da Villa de São Bento do Tamanduá, que incluía no território a localidade do Desterro. A Villa de São José foi criada em 1718. Durante muito tempo os caminhos mais freqüentados dos moradores dessa região eram, os da Villa de Sabará peloDistrito de Bonfim, ponto de venda de escravos naquela época. A partir de 1750 (mais ou menos) é que os caminhos de São José passaram a cruzar os de Sabará e os de Pitangui, de forma que o Desterro recebeu influência e migrantes das três Villas. Em 1783 o Distrito do Desterro já possuía seu Batalhão de Ordenanças, com seuComandante e toda a Tropa. Na famosa pendência religiosa que houve entre os Padres Toledo e Gaspar, no Tamanduá, o Ignácio Pamplona (todo poderoso na época e depois anatematizado como delator dos Inconfidentes) pediu ao Comandante do Desterro que apaziguasse o litígio, o que não foi possível. E o Padre Toledo, apaniguado do Pamplona, teve que voltar para a Villa de São José com uma mão na frente e outra atrás. A população da localidade em 1832 era maior do que a de hoje: 2217 almas, sendo 1699 livres e 519 cativos. Sua área urbana era servida de 10 Tabernas (pensões) e de quase 200 praças no Batalhão. A extensão do Distrito ia do Povoado de Boa Vista do Desterro (hoje no Município de Carmo da Mata) a Serra Negra do Desterro, circunscrevendo as regiões e povoados rurais de Gonçalves Ferreira, Bocaina, Buriti, Cacoco, Serra Negra, Bemposta, São Sebastião do Curral, Partidário, Sucupira, Sabarazinho etc. A Carta de Sesmaria de Manuel Carvalho da Silva tem o número 112, de 17/10/1754, na qual diz que o terreno confronta com outro terreno que já era dele, adquirido ao Padre Manuel Siqueira. O sesmeirol era egresso da Villa de Sabará, para a criação da qual foi um dos signatários. Era português e solteiro – para doar o terreno de sua propriedade a fim de constituir o Patrimônio da Capella do Desterro, construída por ele, teve que levar à Villa de Mariana (sede da Diocese na época), moradores de Passatempo (localidade mais próxima), para provarem que ele não possuía descendentes. O Templo, abençoado em 1754, está de pé, firme até hoje. Já o casarão-sede de sua Fazenda às margens do Rio Boa Vista foi recentemente demolido por um empresário predador de Belo Horizonte (fato por mim denunciado em artigo publicado numa revista da cidade de Cláudio, com o título calcado no título de um romance de Lúcio Cardoso:”A Crônica da Casa Assassinada”. Mais Antigamente. A maioria dos brasileiros descendem dos colonizadores portugueses que vinham em grupos desde o descobrimento em 1500 até a Libertação em 1822. Eles chegavam,acasalavam, procriavam, cruzando e verticalizando incontáveis descendências. As linhagens verticais logo horizontalizavam-se: Os Barretos com os Tavares, os Guimarães com os Castros, os Sousas com os Teixeiras, os Amarais com os Amorins, os Tostes com os Resendes, os Medeiros comos Valles e os Laras e tantas outras linhas pontilhadas e assimétricas. Da transplantação da cultura européia para uma tropical (como escreveu Sérgio Buarque de Hollanda em”Raízes do Brasil”), resultou na vivência do ser humano em terra de exílio, no brasileiro que foi adentrando o longo território então em estado de pura natureza – e em todo lugar que parava para descansar e amar erguia logo um punhado de casas e uma Capelinha que espontaneamente batizava como belo nome de Nossa senhora do Desterro, para evocar e exprimir a saudade da terra natal (que ficou lá na Europa) e o sentimento de degredo, perdurável no entrar e sair dos anos e séculos. Pois não era assim que Euclides da Cunha via o brasileiro como um estrangeiro pisando terras brasileiras? Carlos Drummond de Andrade duvidava da existência do brasileiro,pois, segundo ele, “o nosso Brasil é no outro mundo” Dos índios ficou muito em nós, só que mais em quantidade de genes do que de cultura. Resistente à escravidão que o colonizador impunha, eles não puderam transmitir-nos sua cultura. A nossa herança cultural é mais afro-européia, o que está ainda hoje visível no corpo e na alma de todos. Um estrangeiro na própria terra? Isso mesmo! A nódoa ancestral de uma cultura transplantada, mesmo depois de solidificada, não se apaga, nem que passem muitos séculos. À propósito, vale citar Mircea Eliade: “Os povos, dos mais primitivos aos civilizados, fazem uso da recitação do mito cosmogônico como um método terapêutico. Podemos facilmente ver porquê: fazendo o paciente voltar simbolicamente ao passado, ele passa a ser contemporâneo da criação, ele vive novamente a plenitude do ser”.

quinta-feira, novembro 23, 2006

A SIMPLICIDADE DE EINSTEIN

a luz em pequenos pacotes individuais os grãos de pólen dançam na água, ansiosos pela terra fofa? os átomos minúsculos e inertes, quem diria que fossem tão ágeis e potentes? o heurismo einsteiniano aborda e perfura tange e conjura o bloqueio translúcido da natureza, aparentemente dormindo e frequentemente sonhando em suas florestas de água e pedra? assim a lua não é uma mera onda álgida mas sim também um troço diáfano doce e elucidativo às vezes é um nosso olhar acessório-concomitante resgatado de uma anterior cegueira pois que o líquido que desmancha nos dedos tem lá suas moléculas atritantes que desenham e perfazem uma visibilidade atômica a cavalgar em ondas de luz ele vê que toda matéria contém energia e que toda energia pode gerar matéria celebrando assim o casamento do tempo com o espaço assim como que um fluindo cavalgando outro fluido de um lado a luz, do outro a sombra de um lado o beijo na testa do sol do outro o sol no olho da fissão nuclear estamos achados ou perdidos? façam as apostas.

DESLIZAR OS IMPASSES

O evasivo tem seu lugar reservado na coletânea genealógica. Como especificar o recasamento de meu bisavô com a sobrinha, que era sobrinha também de sua finada esposa? E como explicar que meu próprio pai, ainda adolescente, fez um filho na tia? São licenças poéticas atrevidas? Contravenções penais e morais? Todo amor romântico é mesmo assim, alucinado? Tenho que fechar os olhos e ver que quem quer que seja tem que despistar um pouco, fazer de conta que não tem nada a ver com o possível ato falho, tenho que levar em conta que ninguém está isento do eventual deslize, que todo mundo tem lá sua culpa no cartório, não é flor que se cheire ou que pelo menos, em todo caso, quem assim exala o perfume da irrepreensão, não passa de uma bola murcha na contenda. Temos que deixar o pânico nas esquinas, antes de entrar ou de sair de nossa residência? Temos que alongar os membros do corpo, suspender os atributos intelectuais, empertigar uma certa insolência, relaxar os músculos da mente, mudar de assunto, deixar para depois o fio romanesco. Afinal o que nos resta mesmo da herança genética é uma certa alegria de um renitente sofrimento?

quarta-feira, novembro 22, 2006

PARÁFRASE DE VACHEL LINDSAY (*)

Tolstoi, esse velho e novo (mais novo que um recém-nascido) anjo da paz e da felicidade, amanha o solo na estação propícia. Pés no chão, cabeça ao ar livre, lá vai ele a lavrar a terra (mãe, berço e sepultura de todos e de tudo). Seu arado puxado por bois ungidos segue sulcando a palhada fértil do roçado, onde em breve brotarão flores e frutos deste nosso reino do céu e da terra. Convicto e legítimo cristão, íntimo poeta, nosso irmão de sangue e de sonhos, ele se avulta no campo, imantando os augúrios, sua cabeça laureada perfurando as nuvens das chuvas e das imagens. Quando e quanto elas mais se abrem, o vale perto desdobra de sol a lua, de lua a sol (vésper e vênus revezam os nomes da estrela): o vale amplo é sensível, o coração mimado em seu peito apto e receptivo. Acima dele só o turbilhão dos astros no empíreo e “a recurva trilha onde docemente repontam novas estrelas” (1). 

(*) Vachel Lindsay, 1879-1931 – Springfiel, Illinois, EUA. 

(1) O trecho entre aspas é da tradução de Oswaldino Marques para o verso “And the arching path where new sweet stars have birth”, em Poemas Famosos da Língua Inglesa, Edit. Civilização Brasileira, Rio, São Paulo, 1956.

SONETO VINTE E NOVE, DE SHAKESPEARE(*)

Quando desfavorecido aos olhos dos afortunados, Deploro sozinho a minha exclusão social, E a um céu alheio impreco tolamente, Aí sinto a exaustão, maldigo a fatalidade, Desejando ser outra pessoa, mais aquinhoada: o físico igual a um ou outro dos amigos, cobiçando o talento de um, a habilidade de outro, Para reunir tudo em mim, sem contentar-me; E assim desfeito em ruminações me invalidando, Ao sentir o teu amor perto de mim, erguendo-me Como a cotovia na alba em pleno vôo brilhante, Saio da terra feia e chego à porta do céu, feliz, Pois que o teu doce amor relembrado é tão doce, Que nem com os reis minha situação trocaria. 

(*) Tentativa de tradução de um dos Sonetos de Shakespeare (1564-1616 – Stratford-on-Avon, Condado de Warwick, Inglaterra).

terça-feira, novembro 21, 2006

CABECEANDO NA VIGILIA

1 – Do Cancioneiro Popular: Se eu soubesse quem tu eras ou quem chegarias a ser, não te dava minha vida, que hoje vive a fenecer. Amanhã eu vou-me embora. O que me dão pra levar? Se levo só penas e dores, como é que vou voltar? A barata diz que tem uma bela cama de marfim. È mentira da pobrezinha: a cama dela é de capim. Lá vem a lua saindo por cima dos laranjais. Olha, meu bem, não é a lua: é o mapa de Minas Gerais. Cravo branco, não me prendas, que não tenho quem me solte. Foste tu, meu cravo branco, que causou a minha morte? Alecrim da beira dágua, manjerona, poço fundo: a moça que quer casar, não namora todo mundo. Ô que graça de menina, que entrou neste salão. Parece uma beija-flor no pezinho de algodão. Menina, berço de rosa, galho de alecrim maduro: sinto que dentro do peito, meu coração está seguro. Quem de mim tem raiva boba, que vá pro mato se foder. E que lá uive que nem cachorro, e que não venha me morder. Subi no pé da roseira, para ver se te avistava: cada rosa que se abria, era um suspiro que eu dava. Lá no alto daquela serra tem um carneiro morto. Sabem do que ele morreu? Do coice de um gafanhoto. Minha gente, venha ver, uma coisa que nunca se viu: o tição brigou com a brasa, e a panela de barro caiu. Ela é bonita como a rosa, ela cheira que nem jasmim. Ela é boa como a bondade, mas não tem pena de mim. Nesta noite eu tive um sonho, que meu bem tinha morrido. Acordei muito assustado, já com outro bem no sentido. Rio abaixo, rio acima, lá vou na canoa furada, arriscando minha vida, pruma coisinha de nada. Que dia negro e sombrio é o dia que não te vejo. Mas se vens em noite escura, vejo o dia no teu beijo. Um desejo, outro desejo: é sempre assim o viver. A nossa vida é um sonho. O acordar é que é morrer. Menina dos olhos negros, que me deu água pra beber: não era sede, não era nada: era só vontade de te ver. Em cima do tronco seco, escrevi o nome teu. É tão lindo o teu nome, que todo o tronco reverdeceu. Dizem que o nosso cantar alivia as mágoas do coração. Eu canto e torno a cantar, mas as mágoas nunca se vão. Dentro de meu peito tem, duas rolinhas chocando. Uma voou, foi s’embora, a outra ficou me matando. 

2 – O Doce Prazer de Ouvir. O doce prazer de ouvir a indefinível voz de Adriana Calcanhoto. A sedução das proeminências (e indício das bochechas dos músculos das fofuras mamárias e das farturas de ancas e coxas e maçãs do rosto), e a voz dando brilho e perfume aos lábios voluptuosos e aos dentes graciosamente irregulares: e a voz dando mais carnalidade ao espírito, do qual é a origem e a ressonância. É assim que um arranjo sambístico de Lupiscínio fica igual a uma ária de Pucinni. 

3 – O Sofrido Prazer de Ler. As palavras são feitas posteriormente às coisas feitas, mas podem ser usadas prematuramente, antecipando os dizeres e os fazeres. É assim mesmo o procedimento de quem não se atém ao mero racionalismo da cultura pragmática. A musicalidade latente, intacta e implícita numa página escorreita de Henri James, de Fernando Pessoa, como contas de prata na face do lago, flores de neve despencando da árvore de natal, como diria Pedro Nava. Mas vamos e venhamos também nas páginas e alvíssaras do romântico patriotismo de Bilac, Castro Alves, Gonçalves Dias, José de Alencar: nunca mais se repetiu tão sincero fervor, tão convicta disposição de imaculado otimismo. O modernismo de 22 veio enxovalhar? Não e não. Veio discordar da dissonância política. reciclar o sentimento da nacionalidade, divulgar a rosa do povo pisoteada pelos estouvados dissipadores do erário público. E bate o bumbo e os pratos da nova (desafinada como a vida pública) orquestra sinfônica brasileira. Quem não gosta de ler? Só quem não recolhe suas arestas nem exprime seus afagos, só quem não gosta de si mesmo, quem não sabe primeiro monologar para depois dialogar. Só quem (ególatra, monomaníaco ou megalomaníaco) julga saber mais que os outros e assim vive a propagar a própria grosseira ignorância. Não gostar de ler e deixar o Balzac e o João Cabral na estante é sair por aí a bebericar, a fofocar, a contradizer os princípios de toda a salubridade...: ah, essa pessoa ouvem com uma estrela na testa ostentando os dizeres do sapo caindo do céu: “sái da frente, laje, senão te esborracho!” 

4 – O Incontido Dever de Ver Filmes. “No Tempo da Violência”, filme de Quarentino, com John Travolta e Maria Medeiros. Fui vendo e anotando. formas de violência: iluminação demasiada, som estridente, bons atores, linguagem chula e chocante. Os contrastes agressivos: os personagens que não têm nada a perder: o coisa à toa, o bisca ruim, o angu perdido, o vira-latas, o mal-me-serve, o funcho-brabo, o filho-da-puta, o sem-vergonha, o osso-duro-de-roer, o escroto, o caga-sebo, o filhote do cruz-credo. A maioria deles gosta de comer carne vermelha bem sangrenta. Vira-e-mexe estão bebendo, fumando, exercitando os requintes dos vícios mais hediondos. O prazer e a dor são igualmente bons e igualmente ruins; o perigo está sempre em primeiro lugar, ao alcance de todos;o espanto dos outros é uma espécie de espelho de seu regozijo; o duro que explode, o macio que sangra; o que mata para ver fazer careta. De tal forma que a doçura humana passa a ser uma fruta azeda e aziaga. Qualquer um deles está sempre preparado para arrebentar o que vê na frente: fica cego de repente porque já traz dentro de si uma cegueira de nascença. O filme todo é uma sacanagem à céu aberto. O mundo está mesmo assim ou o Quarentino está prognosticando ou exagerando? 

5 – A Instrutiva Leitura da História. Minas e o Brasil perderam um de seus melhores historiadores. FRANCISCO IGLÉSIAS. Justamente o que relacionava em linguagem enxuta e agradável os dados da pesquisa com as visagens da interpretação sob o duplo prisma do determinismo e da dialética. Sua obra precisa ser reavivada, para reavivar o gosto da leitura como algo dinâmico no tempo e não apenas como algo do passado, como costuma ser nas mãos de muitos historiadores. Tive o privilégio de estar pessoalmente com ele três vezes. A primeira em Pirapora, nos idos da década de 70, num daqueles badalados festivais de poesia que a Prefeitura de lá patrocinava. Ele era natural de Pirapora, mas vivia em Belo Horizonte, de onde ia, juntamente com a comitiva de lá (Sebastião Nunes,Adão Ventura, Affonso Ávila, Laís Corrêa de Araújo, Ângelo Osvaldo, etc). Reencontrei-o quinze anos depois num jantar em homenagem ao escritor e ministro da cultura, Roberto Fernandez Retamar, na Casa dos Contos, Belo Horizonte. Lembro-me que ele, sentado a meu lado conversava comigo e eu, sempre péssimo fisionomista, confundia-o com o também escritor José Aparecido de Oliveira, então secretário de Cultura do Estado de Minas (eles eram, na época, muito parecidos), e ele próprio fez, amavelmente, a corrigenda, dizendo que se lembrava de mim desde Pirapora, o que até me envergonhou, naquele instante. Estive com ele depois, no apartamento dele, em companhia da antropóloga e escritora Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, que foi convidá-lo a participar de um projeto de pesquisa da cultura popular mineira, que ele não pôde aceitar por acúmulo de incumbências então assumidas. Mas desfrutamos de bons, de ótimos momentos de sua conversação inteligente e cordial.

segunda-feira, novembro 20, 2006

ELA MORAVA NUMA CURVA ERMA (*)

Ela morava numa curva erma, depois da igreja no fim da rua. Ninguém lhe desejou-lhe boa tarde, tampouco deu-lhe boa noite. Uma begônia na parreira do alpendre, escondida na profusão das trepadeiras, ali inteira de luz interior, ah ali timidamente a brilhar estava Odília. Estava só no dia múltiplo. Ninguém deu pelo seu fim. Morreu assim de repente, mas oh! que diferença pra mim! Nos anos que ela crescia, a Natureza assim dizia: “Odília tão linda assim, a terra jamais partejou. Uma auréola encarnada, dona de seus limites e impulsos, dona de meus limites e impulsos. Eu seria para ela um espelho, onde ela pudesse ver e sentir em si a terra e o céu, a floresta e o rio, e nosso Deus em cima a dirigir a luz de seu olhar. Assim alegre e feliz na flor da idade, a correr na grama da rua e do quintal, a repassar as nuvens brancas no azul, a alma leve e simples a respirar a paz das alturas ali com ela, mesmo ali com ela no chão das coisas. Fiapos de sol em seus cabelos, quando o vento nela perpassava, sem jamais amedrontá-la, mesmo no escuro da tempestade de letal fogo. Nela a beleza era mais jovem. As estrelas mais lúcidas e quentes estão a lhe dizer as palavras macias, vindas das aragens das fontes pródigas, e os cantos dos rios misturados, e os ares dos líricos murmúrios refrescam-lhe seu rosto impúbere. Mas (aí como dói reconhecer isso) logo os germes saltitantes de alegria dar-lhe-ão a leveza, a graça esguia, a renovada luz nas mãos e na voz. Ah é assim que dou-lhe minha bênção no pensamento da vida mais límpida dotada da verde cintilação das folhas, que até hoje tenho conhecido”. Foi assim que a Natureza falou dela. Mas, quanto a mim, pobre de mim! Tão cedo ela me deixou, tão cedo ela me deixou! Foi embora na calma das lágrimas frias, sem olhar para trás e dar adeus, a lembrar do que foi e do que não foi, e que nunca mais será, ái de mim! Sei que ela não me ouve nem me vê, e que agora movimenta-se alheia, neste mundo que ficou sem ela, neste mundo que é como uma bola, a carimbar minhas expectativas. O que será de mim não sei. Um sono escuro me espreita. Será que será um recado atraente que ela me manda de onde está? 

(*) Paráfrase do Poema “LUCI”, de William Wordswort (1770-1850).

DOCES PÁSSAROS DA JUVENTUDE

Homenagem às Debutantes do Estrela do Oeste Clube, em 1980 (*). 

Andréia Vasconcelos Machado - O agapanto irreal nos cabelos. 
Bianca Silva - As linhas azuis fremem no rosto. 
Cibele Pereira de Oliveira - Gentil pastora de aureolas intangíveis. 
Cláudia Delfino Maia - Menina-e-moça, formosa e lírica flor. 
Denise Fernandes Vasconcelos - O manacá na serra das hortências. 
Denise Fonseca Fontes - Dança de gotas de luz, no mar. 
Gisele Pereira Dias - Oh que tempo de puro jardim! 
Graciele Vilela Pinto de Aguiar - O lenitivo das horas montanhosas. 
Juliana Gontijo - A jóia rara a cintilar no fundo do baú. 
Karol Canto Silva - Moçassim, ser doce de maçã assim! 
Laura Souto Bitencourt - O suave e doce coração de veludo. 
Lisa Rodrigues do Couto - A fonte transborda da nascente do sol. 
Maria Alaíde de Castro - Dois movimentos da paixão segundo Bach. 
Maria Cristina Vaz de Melo Faria - Pingo de água na folha do inhame. 
Maria Helena Bueno Alvim - Varinha de condão nas mãos da fada . 
Maria de Lourdes Couto Lopes - Alegre canção entre dois suspiros. 
Marisa Pérpetua Gonçalves de Castro - Oh quê moçanjo do céu e da terra! 
Marta Regina Fersiva - Este olhar de sorridente primavera. 
Miriam Júlia dos Santos - Musa e canção de todos os tempos. 
Paula Pinto Resende Costa - O mar de pequenas ondas buliçosas. 
Patrícia Regina Morato Barbosa - Do caos a luz refulge, Deus ressurge. 
Rosana Rodrigues - Eis a rosa de maio, de doze pétalas. 
Silma Regina Fagundes - A graça de Deus mais perto de nós. 
Simone Arruda Dias - O calor temperado de folhas verdes. 
Sinara Morato Pereira - A estrela caída no campo das gabirobas. 
Soraia Pífano Marques da Silva - Nenhum anjo é mais puro! 
Valéria Cardoso - Arco-íris no céu estival de julho. 
Valéria Siqueira Mesquita - A suavidade das colinas itapecericanas. 
Waleska Diniz Oliveira - Pedrinha preciosa na fonte mais límpida. 

(*) Texto publicado em 09/07/1980, no jornal AGORA, Divinópolis, MG.

DIA 8 DE AGOSTO DE 1975

Ana Paula faz dois anos de idade. 
(A cidade dos pernilongos grita sua desordem pelas ruas). 
Ana Paula sobe oito degraus e desliza no escorregador, vinte e tantas vezes. 
(A cidade dos pernilongos hostiliza a dália do sono). 
Ana Paula é dona do mundo, forma uma nova paisagem contra o sol agora crescente. 
(A cidade dos pernilongos é um borrão que aumenta). 
Ana Paula escapa dos convidados e se vê incólume passeando no quintal de nossa casa. 
(A cidade dos pernilongos não dorme nem de noite nem de dia). 
Ana Paula quer pegar o gato impresso na revista e chora por não conseguir. 
O choro tem a forma e o conteúdo de um riso de dois anos de idade.

DUAS JURITIS

uma vez a palavra ascese em vez de inês o hálito quente diz ao espírito pranto aí a carne sente os apelos da libido dedicada (asas coloridas que desatam a sistemática das carícias no tempo de puro jardim e aí a menina-moça de pernas retroativas) vai aos pisos de celofane e as linhas azuis fazem o anjo onde as duas andorinhas fremem e fazem duas juritis no rosto agora o sol esconde a lua e as duas juritis.

domingo, novembro 19, 2006

A GENEALOGIA DA DIVINDADE CRISTÃ, SEGUNDO SÃO LUCAS (*)

Assim está escrito em São Lucas, Capítulo 3, versículos 23 a 38: Jesus, filho de José, filho de Heli, filho de Matat, filho de Levi, filho de Melqui (Bendito és tu entre todas as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre(1)), filho de Jane, filho de Matatias, filho de Amós, filho de Naum, filho de Hesli (Que nos trará do alto a visita do sol nascente (2)), filho de Nagé, filho de Maat, filho de Matatias, filho de Semei, filho de José (Paz na terra aos homens de boa vontade (3)), filho de Judá, filho de Joanan, filho de Reza, filho de Zorobabel, filho de Salatiel (Sua mãe conservava todas essas coisas no seu coração (4)), filho de Néri, filho de Melqui, filho de Adi, filho de Cosam, filho de Elmadam (Tu és o meu filho..., em ti pus minhas complascências (5)), filho de Her, filho de Jesus, filho de Eliezer, filho de Jorim, filho de Matat (Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam (6)), filho de Levi, filho de Semeão, filho de Judá, filho de José, filho de Joanan (Minha mãe e meus irmãos são os que praticam a palavra de Deus (7)), filho de Eliaquim, filho de Meléa, filho de Mena, filho de Matata, filho de Natan (Amará o Senhor... e o teu próximo como a ti mesmo (8)), filho de Davi, filho de Jessé, filho de Obed, filho de Booz, filho de Salmon, (“Tu és o Filho de Deus?” – “Vós o dizeis. Eu o sou”. (9)), filho de Naasson, filho de Aminadab, filho de Arão, filho de Esron, filho de Judá (“Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito”. (10)), filho de Jacob, filho de Isaac, filho de Abraão, filho de Tare, filho de Nacor (“...mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chamasse manchado ou impuro”(11)), filho de Sarag, filho de Ragan, filho de Faleg, filho de Heber, filho de Sale (“...Pela graça de Jesus cremos ser salvos, do mesmo modo que nossos pais” (12)), filho de Cainan, filho de Arfaxad, filho de Sem, filho de Noé, filho de Lamech (“seja-vos notório que a salvação de Deus é enviada aos gentios, que a ouvirão”(13)), filho de Matusalém, filho de Henoch, filho de Jared, filho de Malaleel ((Não foi aos anjos, mas a Cristo, que Deus submeteu o mundo (14)), filho de Cainan, filhio de Henós, filho de Set, filho de Adão, filho de DEUS(15)), em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. 

(*) São Lucas era, além de primoroso Evangelista, médico, pintor, pesquisador e escritor. Além de ser o autor do Quarto Evangelho, escreveu também os Atos dos Apóstolos e, segundo consta, a Epístola aos Hebreus. Faço uma idéia como deve ter se esforçado para conseguir levantar a Genealogia de Jesus a Adão (e a Deus, é claro). Sei por experiência própria como é difícil emendar retalhos, pontas, edificar uma árvore com todos seus galhos, folhas e frutas.Um reparo, porém: fica claro a discriminação sexual no seio mais avançado do cristianismo. Em todas as sucessivas gerações (de séculos e séculos), nenhum nome de mulher é citado. Meu Deus, isto está dogmaticamente errado! A mulher é a mãe de todos. Por que tal implicância, que infelizmente vigora até nossos dias? Deus que me perdoe, mas.... Notas: 1 – São Lucas Cap. 1-42; 2 – idem idem 1-78; 3 – idem idem 2-14; 4 – idem idem 2-51; 5-idem idem 3-21; 6 – idem idem 6-27; 7 – Idem idem 8-21; 8 – idem idem 10-27; 9 – idem idem 22-69; 10 – idem idem 23-46; 11 – Atos dos Apóstolos cap. 10-28; 12 – Idem idem 15-11; 13 – idem idem 28-28; 14 – Epístola aos Hebreus cap. 2-5.

sábado, novembro 18, 2006

SERAFIM E CEDALINA (*) - Conto

Era só atravessar a estrada em declive e chegar à porteira do pasto. Isso todo santo dia. Nem precisava visagens e intenções, sol brando e chuva estiada – ia sem ver. Aí pegava o trilho-mestre que a certa altura (de onde avistava o gado, a roça, o brejo, a capoeira e o capão da fontinha) ramificava, sumia na lonjura das tronqueiras e quebra-corpos, valos e pinguelas. Conhecia tudo aquilo como a palma da mão. Acompanhava o crescimento do mato, o volume de águas nas bicas, o sombreado dos coqueiros no brejo. Era tudo fortuito e gratuito, nem atentava mais para os tinidos da ampulheta no silêncio e no estalar dos bambus na moita. Já um tanto senil, retraído e desleixado, ainda alimentava a matreirice do simples desejo de ter um filho, e de ir logo passando toda aquela pobre e rica fortuna pra ele começar uma vidinha nos trinques. Mas a pobre e já um tanto combalida da Cedalina sempre foi estéril, estreita e encolhida, nunca ia além de si mesma. Tinha alguns filhos fora de casa, reconhecia, mas esses não contavam, não podiam ser declarados. As pupilas sempre dilatadas ao amanhecer na descida do Areião. Ela, a Cedalina, era e estava sempre viva, despachada, nenhum gato ou galinha tolhia seus passos dentro de casa, nem sua vontade de viver eternamente. Enquanto ele se quedava, olhando longamente, tencionando dizer alguma coisa, ela não estava nem ali para as esquisitices, aguava as plantas, alvejava as roupas, arrenegando sem reclamar da lambança do chiqueiro. Os dois nunca brigavam. Entendiam-se bem nos senões e nos sinsins, ele às vezes sentia as dores na pernas que ela dizia sentir. Regradamente felizes, ela às vezes até adivinhava o pensamento dele, e ele por sua vez, valorizava os regalos dela, reconsiderava seus mimos, agradecia, penhorado. Ambos tinham lá seus negaceios, de vez em quando. Ele volteiava nos arredores, cismando aqui e ali com qualquer dê cá esta palha. Ela chamava a alma de longe, embevecida em antigos olhares de outros climas. E ele? Para continuar gostando dela, ele tinha que gostar de outras, para associar no íntimo as imagens. Elvira, por exemplo, deitava na cama de seus desejos, acotovelava na janela de suas fantasias, voava nos ares livres de seu Pasto da Fontinha. Se gostava mais de uma que de outra, não sabia, apenas penitenciava, prelibando o próximo e custoso pecado. Na verdade sentia-se meio nefasto, às vezes, duvidoso da própria saúde sentimental. Dissipava as brumas do peito, feitorando o gado no pasto, o sossego dos pássaros nas árvores, a bizarria dos animais domésticos nos terreiros da casa ao pé do morro. Buscava as vacas de tarde, tirava o leite de manhã, capinava o quintal na volta do dia. Disso gostava. E gostava também de se aprofundar nas terras além das de sua propriedade, sumia até de si mesmo na rala vegetação das lobeiras e alecrins e quando recobrava a lucidez, estava no meio da capoeira, espantando as juritis e os nhambus. Jogava o pensamento para bem longe e colhia a temperada audição das melodias brejeiras, tudo se concatenando nas ondulações parecidas com a de um mar plantado muito além das serras e dos horizontes. E cogitava se o mar também seria assim: quebrado em ritmos contraditórios? Deixava pra lá o pensamento, atalhava a vereda, acompanhando o regato para duetar o sabiá. E assim acontecia de perder a enxada ou a foice na beira dos caminhos e, com as mãos abanando, colhia uma flor do mato para levar à Cedalina, tão precisada de carinho, ao entardecer. Ela, a síntese de todas as mulheres de sua idade e de sua região, já vivia sem o assédio dos desejos agora tão murchos como os galhos decepados da roseira. Um dia Elvira fugiu com o padre. Serafim se abalou, mortificou, execrou os ritos de passagem, os autos das pastorinhas, as ladainhas da quaresma. Caiu nas cinzas do próprio fogo, estirou os braços no vazio. Descorçoado nos preâmbulos da senilidade, passou a descuidar-se do corpo, a barba como anoitecia amanhecia no rosto inerme, deixou de ir à Venda do arraial prosear com os amigos, fazia de conta que não via as pessoas, para não ter que cumprimentá-las. Às vezes nervoso e excitado entrava no brejo até onde o lodo visgava, uma força estranha o impelia ao atoleiro, outra, condolente, o devolvia à beira dos joás e dos ananases. Suava o espírito, tirava o chapéu desgastado, ouvia gritos e gemidos atrás do pombeiro, via um arco vermelho no alto do jatobá. Expurgava a má idéia, uma atrás da outra, velejava às escâncaras, queimando por dentro até não mais poder. Elvira cresceu na sua cabeça depois que fugiu, virou paixão de retrato e moldura. O marido dela sumira antes, quando ela se embengara com o toureiro itinerante. Logo o toureiro também foi pros confins, ela ficou sozinha e abandonada por deus e todo-o-mundo, sem choro de filho, sem xingatório de mãe, em dupla viuvez até que começou a receber os homens mais ou menos endinheirados, entre eles o nosso Serafim, que, trigueiro como era, conseguiu domá-la um pouco nos atrevidos anseios, ele veloz no olhar, manhoso nos gestos e palavras, nos disparates e comedimentos. Ela ficou algum tempo por conta dele, até que surgiu no Arraial o padre com os molambos teológicos, os olhares doídos e condoídos, a humildade às vezes áspera, às vezes apenas canônica. Ela caiu na armadilha devocional dos retiros nas luzes e escuridões da sacristia e da casa paroquial, nos ritos e orações das hosanas nas alturas. Quando viu, estava plenamente sacrílega, arrumou a sacola e acompanhou o pároco no escuro da madrugadinha, toda emaranhada de anjos barrocos. O nosso Serafim ficou a ver navios na longidão dos dias sem auroras, sem poentes e sem luares. Desafiava a quietude das horas, esgrimia as obsessões e ranzinzas, piolhava a cabeça, esbandalhava as pernas de tanto amassar barro na mesma aguada, de tanto desandar nas opções agora tão restritas do mesmo pasto de sempre. Sofria de uma paixão, a mais particular possível, pois a beleza de Elvira, também dele tão particular, ia e voltava nos êxitos e revezes pensamentais, uma beleza que tampava o sol, abria os esgotos do chão, esburacava o ar, estava em toda parte, como um pesadelo.Ora pois. A própria fontinha passou a cantar em suas águas tão cristalinas a história triste de uma praieira que um dia perdeu seu lindo jangadeiro de olhos da cor verde do mar. Às vezes via em Cedalina o rosto de Elvira, alegre como se não fosse de uma ingrata. Pensava em sumir nas matas como quem some nos mares do oceano. Precisava cansar as pernas, desafogar-se das mágoas. Um dia, quando o sabiá começou a cantar no pé de laranjas, ele desapareceu na imensidão das vagas vegetais de seu pequeno mundo, e nunca mais foi encontrado. Não foi à procura de Elvira, como muitos acreditavam, não queria revê-la nem fantasiada de anjo. Ele seguiu indefinidamente nos escassos caminhos, perdido de si, perdido do mundo e da vida, só isso que aconteceu. Quando ele foi embora, Cedalina amarrava os cabelos, cheirava o sumo das couves, nem ligava o som de matraca da acauã no teto do telhado de sua casa. O sino da igreja tocava o sussurro das cores na direção do negrume atropelado pela melancolia. Ela passou a ser a melancolia em pessoa que subia o morro da igreja, para ver o céu por alguns momentos de alívio e de contemporização. O próprio céu descia quando ela sentava no alpendre para ver e cumprimentar a comadre Alvarina passar no caminho do Areião, rumo à tronqueira que leva ao soturno e pavoroso Buracão do lado oposto ao do Pasto da fontinha que agora, desnecessariamente, era dela e de mais ninguém. Alisava o gato, fixava a barra horizontal esmaecida, espreguiçava pensativamente sobre a esteira vegetal dos valos, recompunha os movimentos do homem, revia-o na sombra do esporão, apartando as vacas dos bezerros. Às vezes cochilava e até dormia, sentada no banco de madeira, recostada na parede do alpendre. Envelhecia a passos largos e quem a visse de perfil sentiria uma pontada no coração, tal era agora sua aparência desleixada, descarnada, de olhos cavados, um futuro esqueleto já despontando na reles carnação. Quem a visse, mesmo de longe, no desuso e no arcaísmo, podia até suspirar e exclamar: o que é a vida senão o lento passar de um dia para o outro? Num outro dia fixava a porteira da entrada do Pasto, e não via a veículo de seu lindo jangadeiro, nem uma resteazinha do olhar lindo e traiçoeiro, que tanto mentiu-lhe a vida inteira. Assim desgrenhava e recobrava, cantava baixinho para ver se em breve escurecia, se a tarde trazia a hora feliz do regressar dele, bem na hora do jantar já posto à mesa da cozinha. Debalde, tudo debalde. Não mais voltou o seu veleiro, não mais o viu sobre o mar. Aquele olhar lindo e traiçoeiro nunca mais buscou o seu olhar. 

(*) Publicado no jornal AQUI PRA NÓS (Divinópolis, MG), em 1989, com o título de “História Triste de Uma Praieira”.

PERENIZAR A JUVENTUDE (*)

O tempo voraz que ao leão amolece as unhas e obriga a terra a devorar os próprios genes. Que ao tigre desgarra os fincantes dentes e que vive a queimar o que depois ressuscita. Teus pés velozes abrem os caminhos no mundo, entristecendo as alegres estações climáticas. É assim que imprimes no eterno o transitório. E é aí mesmo que levanto minha voz bem alta: De minha amada não ouses vincar a pele, nem hoje ou amanhã endurecer-lhe o semblante. Antes, deixa-a intacta, a seguir adiante, como padrão de beleza nos dias do futuro. Assim seja! E se assim não o fizer, encarrego-me de mantê-la em meus versos jovial e bela, sempre!

(*) Paráfrase de um Soneto de William Shakespeare.

MINEIRIDADE

- O mineiro só é solidário no câncer, frase de Nelson Rodrigues, inspirada na leitura de um conto de Otto Lara Rezende, no qual os mineiros que visitam os conterrâneos no Rio só falam e dão notícias de doenças e falecimentos. - É (ou era?) comum na roça a atitude contraditória e ao mesmo tempo sensata do mineiro: quando não podia matar uma pessoa, convidava-a para ser seu compadre. - O mineiro dá um boi para não entrar na briga. Mas, se entrar, dá a boiada para não sair. - Fato curioso é ver em outro Estado o pessoal de lá reconhecer um mineiro, quando outros mineiros presentes não reconhecem. Isso porque vira e mexe o mineiro vem lá com a expressão “uai” , que os outros mineiros, familiarizados com ela, nem percebem. - O mineiro fala pouco e acertado, dá nó em goteira e rasteira no vento. Às vezes não abre a boca nem pra dizer que “esta boca é minha”. - É magoado, vingativo, mau-humorado, como dizem alhures? Pode até possuir esses defeitos que, no entanto, não ofuscam o rol de virtudes que em si carrega. - Geralmente é discreto, modesto, até humilde. Drummond, por exemplo, não gostava de dar entrevistas nem de “aparecer”. Disse uma vez que, nas festas sociais em que raramente comparecia, costumava ficar em seu canto, uma vez que julgava que o simples ato de atravessar a sala seria uma ação exibicionista. - Ele mesmo retratou o mineirinho mais encabulado com um dos “pedidos” no poema ROMARIA: “Deus meu Deus/ me dá coragem pra eu matar/ um que me amola de dia e de noite/ e diz gracinha pra minha mulher”. E o político mineiro? Se não é probo e honesto, mas sim vira-folha, nepotista e corrupto, pode ser político, mas mineiro é que não é. Quais os mais reconhecidamente mineiros? Gabriel Passos, que era meu conterrâneo de Marilândia, Milton Campos,Pedro Aleixo, Gustavo Capanema, Itamar Franco, Tancredo Neves. E os outros, igualmente proeminentes? Bem, os outros não são mineiros honorários no límpido sentido da honorabilidade, mas sim podem ser honorários no sentido monetário de seus fartos honorários. Conta-se de Tancredo, por exemplo, que não quis levar os quadros decorativos de muito valor para Brasília, justificando para a esposa Risoleta que ninguém veria a chegada deles lá, mas muitos veriam depois, quando tiver que sair do Palácio”. - E por falar em Drummond, como falei acima. Não sou o único marilandense que se dignificou com a amizade dele. O Gabriel Passos, marilandense confesso, de papel passado, como posso provar, foi seu colega e amigo em Belo Horizonte nos buliçosos e modernistas anos 20 do século passado. E também um primo de meu pai, o Jacy Navarro Barreto, era casado com Dona Maria de Lourdes Drummond, prima do poeta, de estreita convivência, quando na mesma época citada, viviam em Belo Horizonte: o Drummond na Floresta e o Jacy no Carlos Prates. Este Jacy era acintosamente drummondiano na probidade e no estoicismo: como contador geral da antiga secretaria das finanças do estado, teve que assinar a liberação de uma verba superfaturada, mas escreveu, do próprio punho, abaixo da forçada assinatura, os dizeres: “assino sob protesto”. Atitude corajosa que resultou não na sua demissão do serviço público, uma vez que era concursado, mas sim, na sua transferência para outro órgão, com funções mais modestas. -

ELE E ELA – A CORDA E A CAÇAMBA (*)

 “A castidade da mulher é um terçol no olho do Diabo” (Provérbio Árabe).
- As mulheres se admiram como um homem que estaciona o carro em uma vaga apertada, só olhando pelo retrovisor, não sabe onde fica o ponto G. -Homens e mulheres não são idênticos biologicamente, mas moralmente têm os mesmos direitos. -Os homens geralmente mais altos; as mulheres, mais miúdas. Mas a visão periférica da mulher é maior. - A imagem pornográfica burla a percepção estética e abraça e beija diretamente a percepção libidinal. - Seios, lábios, vulva, bunda, coxas, mãos, pés, umbigo, axilas, etc., são as representações significativas de palavras como sensualidade, tesão, lascívia, volúpia, erotismo, libido, prazer, sexualidade: e são, por assim dizer, as melhores partes da natureza humana. - Os homens são responsáveis por 96% dos arrombamentos e 88% dos assassinatos. - O testosterona, hormônio que o homem tem 10 a 20 vezes mais do que a mulher, é o principal responsável pela configuração do cérebro do feto. - O padrão básico de formação do corpo e do cérebro do feto da espécie humana é feminino. Os mamilos no homem, sem funções; as glândulas mamárias que não funcionam. Quando há má distribuição de hormônio no feto, a criança pode nascer predisposta às inversões sexuais. - O homossexualismo é inato – e para cada lésbica existem 8 a 10 homens gays. - Se o feto é geneticamente feminino (xx), mas o cérebro recebe hormônio masculino, o resultado é um corpo de mulher com estrutura cerebral de homem. - O hipotálamo é a parte do cérebro que agasalha o centro do sexo e que controla as emoções, as batidas do coração e a pressão sanguínea. - O impulso sexual da mulher é menor porque tem menos testosterona. Seu intercurso sexual é mais prolongado para criar um filho e outro, enquanto que isso nunca existe para o homem, que pode conceber centenas de filhos no mesmo ano. - O sexo aumenta o nível de testosterona, fortifica ossos, músculos e produz o colesterol benéfico. Mais sexo é igual a menos estresse e vida mais longa. - A espécie humana não é monogâmica por natureza. O homem tinha que aumentar a população. A mulher tinha seu período de abstenção. Para ficar com uma só mulher, o homem tem que travar uma batalha constante consigo mesmo. - A mariposa era atraída pela lua, tudo bem. Veio a lâmpada elétrica para atraí-la – e assim ela morre incinerada. - O galo pode trepar até 60 vezes por dia. Mas com a mesma galinha, o máximo que consegue é 5 (cinco) vezes. Assim também os touros, os carneiros, os homens. - A mulher quer o homem parrudo e doce, ou seja, que seja ao mesmo tempo machão e bicha. - O homem quer primeiro o sexo e depois o sentimento. A mulher quer, primeiro, o sentimento e depois o sexo. 

(*) Compilação aleatória até a página 187 do livro “Por Que os Homens....”, de Bárbara Pease, que uma vez consegui emprestado, não sei quando nem de quem.

LER E ESCREVER, E VICE-VERSA (*)

A arte de escrever começa com o hábito da leitura. O leitor vai selecionando o gênero das publicações, os nomes dos autores, e assim, aos poucos, passa a participar da literatura. Como leitor, ele ilumina e dá vida ao material inerte saído da tipografia. Essa participação (relação leitor/autor) é que pereniza a literatura. Todo autor nasce do leitor. Para escrever bem é preciso, antes de mais nada, saber ler bem. O que mais atrai o autor acaba sendo, naturalmente, o que mais prende a atenção do leitor. É o mistério da vida. É natural que o homem deseje conhecer a si mesmo antes de conhecer outros homens e o mundo. Mas cada homem é diferente e o desejo de ser igual é que o obriga a lançar pontes entre o eu e o não-eu, pontes flexíveis, condutoras do conhecimento que às vezes confunde, mas que sempre enriquece. A inquietação existencial é que liga e distribui toda a fonte de energia. Se nos entregamos ao ócio e ao conformismo, a gordura toma conta de nosso sangue e de nosso cérebro. Podemos até ser felizes, mais estaremos mais perto da morte do que da vida. Cada pessoa tem sua vocação, cada autor tem sua tendência. Ninguém nasce nem vive sozinho. Tem a família, os amigos, a sociedade. A literatura – disse um poeta inglês – é o local de encontro de duas almas. O autor, como o leitor, é uma pessoa envolvida, tem lá sua rede de relações humanas. Quando trabalha não faz mais do que tentar filtrar as coisas que aprendeu com os outros, acrescentando sua contribuição pessoal, que é um desdobramento do já conhecido. Assim – espera-se –é que se dilata para a humanidade o campo do conhecimento, que é inesgotável justamente porque a vida é um mistério. Sem o livro – pode-se dizer, parafraseando conhecida proposição – o homem até que poderia ter saído da caverna, mas estaria sempre voltando a ela. Este livro – “Aço Frio de Um Punhal” -, que acabo de lançar pela Editora Guanabara, do Rio, é uma tentativa de exprimir minha inquietação existencial, meu envolvimento social nos tempos e lugares de minha vida. É uma resposta, tímida e certamente irrelevante, de minha perplexidade diante da realidade, um esforço literário não apenas de exprimir a realidade, mas também de recriá-la e de humanizá-la. Digo assim porque a literatura, sendo arte, como a pintura e a música, não se restringe (como a ciência) apenas na revelação da verdade. Ela não se contém, extravasa aqui e ali e acolá, em todos os poros, tornando-se um valor ainda indefinido, como que acima do bem e do mal, que ainda não foi inserido passivamente na tábua dos valores convencionais. Tentei penetrar no território que julgava conhecer (que eu conhecia não-literariamente), que é o interior de Minas Gerais, um Estado (esse universo mineireiro das tradições e do vanguardismo, da saúde e da doença, do transitório e do permanente) que é um verdadeiro País. Percorri muitos caminhos, em todas as direções, com as imperfeições de pernas e olhos, e voltei com este livro, que é, talvez, um balaio de gatos ou uma cesta de frutas (imaturas ou passadas do ponto?). É uma espécie de estudo literário da existência, não da minha existência, necessariamente, mas sim da do homem mineiro, tal como a pude vislumbrar e exprimir, esforçando-me no sentido de purgar um pouco minha angústia, extraindo dela algo de belo e veraz, para assim repartir, mesmo canhestramente, com os meus semelhantes. 

(*) – Posfácio não publicado no livro supracitado, em 1986.

sexta-feira, novembro 17, 2006

MAIS OU MENOS

A pedra cresce e respira fundo, aflorando etnias imprevistas, a partejar os genes invulneráveis às humanas vicissitudes. Já conosco é diferente. Os sabores aparentados nos apetites e paladares, as interações correlações ilações conetações as feições e os gestos que lembram uns aos outros (uns mais e outros menos) na acareação dos dados preliminares e conclusivos da hereditariedade. É só ver a moça no alpendre da casa dela para classificá-la na estirpe dos Souzas ou dos Guimarães, no estilo (no modo) de ser e de estar ali naquele momento, daquele jeito. É só observar mais atentamente para saber se a origem é fenícia latina bretã ameríndia angolana, se é ou se já foi nativa ou adventícia: é só reparar nos traços fisionômicos, nos gestos e nas atitudes (o olhar penetrante de quem gosta de flertar, os meneios e obliqüidades e dissimulações), das portadoras de rosas e de outros enfeites, concebidas sem o menor pecado original (as roceiras retraídas, as urbanas assumidas) das belezuras e feiúras de todos os lugares. É só ver os olhos e as bocas e o lampejo indefinível de certos momentos, é só ver o rosto e imaginar o restante do ser e do estar: as pontas delgadas de certas fofuras, a cútis de seda e perola de outras. Assim do alto a primavera expõe no chão suas obras primas. O frêmito nas águas sacode os peixes, repercute no gato, vibra no ar. Assim as afinidades se acasalam, e dos melhores versos da poesia vocabular rebrilham os tipos de cascas e de folhas, o sangue das fraturas, as ínsitas aparições da raiz ao cerne e à ponta da haste da mais bela rosa do mundo. Assim mesmo catalogado no bloco da cordialidade, na consonância das latentes melodias, no gosto inexplicável de algumas delas de lamber os lábios de vez em quando. A reciprocidade do namoro, furtivo ou escancarado ah! sei não, mas no frio sobe e desce um calor como que temperado na cozinha de fogão à lenha da mãe da tia da avó, onde estivermos na ambiência vocabular do mosaico mimético das deambulações no mapa das identificações celulares, das confraternizações afetivas e sensuais.

quinta-feira, novembro 16, 2006

MEL E VENENO (*) - Poemas Revisados

1 – Temporada na Roça. 

A tarde é ampla e aberta. O sol, 
que espalhara marimbondos no pasto, 
recolhe os ferrões. Na mata, 
o machado que decepava cabeça, 
tronco e membros, 
esfria seu gume. 

O gado beira o curral. Três estacas 
no brejo acolhem a tristeza do jeca: 
uma palavra ao nível dos moirões,
grita-me ao longo do crepúsculo verde. 

Angustia é a palavra que eu trouxe da cidade.
Agora a posse da dor, 
Quase da morte, 
Pelo amor dos homens. 


2 – Poema Espírita. 

Se ainda estamos neste baixo astral, 
amassando o barro, expiando as culpas, 
pagando os pecados, é porque não somos 
flor que se cheire. 

Somos o ranzinza caído e pisoteado, 
somos o torpe vencedor nas inglórias
a tripudiar sobre os vencidos.
Por bem podem me levar ao inferno, dizemos,
Por mal, nem aos céus.

O vento que sacode as árvores do quintal, 
devem ser dos obsessores espirituais, 
oprimindo e alertando, 
afirmando que a morte não existe, 
que há um tempo retrógrado.

Queremos chorar no ombro de alguém, que nos fala
Do amor entre os homens e do nascer de novo.
O dia se alonga no envoltório de gases densos, 
e abafa o que Deus tenta nos dizer. 

3 - Fruta de Jacarandá. 

Já vai longe o tempo, na Picada de Goiás, 
em que os bandeirantes e os garimpeiros 
levavam para os filhos os doces, 
as doces frutas de jacarandá. 

Também nos primórdios do século, 
os campos eram pródigos e belos. 
Os lavradores ainda perguntavam: 
“Pitangas? Goiabas? Mamacadelas?” 
E as crianças respondiam: 
“Queremos as frutas de jacarandá!” 

Só hoje impera a lei da desordem. 
Nos porões palacianos, os inquisidores 
de pássaros, os caçadores de cabeças, 
os predadores do corpo e da alma. 

Não há mais cristão que aguente
o preço das coisas, o genocídio infantil, 
as ciladas nas esquinas e escritórios, 
o crime que se organiza, minuciosamente, 
nos gabinetes dos pançudos perdulários. 

Não há cristão que aguente 
nem mesmo a ausência do bom do lobo no capão 
que rodeava a fontinha daqueles tempos, 
a falta que faz o tatu na beira dos caminhos, 
que hoje nos levam penosamente à velha igrejinha do outeiro. 

4 - Graças a Deus. 

Graças a Deus a rolinha ainda debulha 
o tédio da tarde, diluindo-o. 
É sempre um pássaro, uma folha 
livre do êxtase contemplativo. 

Graças a Deus a folha não se assusta 
com a barbaridade do homem. 
É feliz porque um dia será flor 
se já não for. 

Graças a Deus a natureza é razoável. 
Um jardim brilha no cosmos 
(enquanto não levamos para o inferno 
as prerrogativas da simplicidade 
no rol das complicações. 


5 -  Mel e Veneno. 

Aurora ainda enluarada 

manava dos seios da mulher. 

O líquido colorido esguinchava 

da pressão arterial. 


Mel e veneno minavam aqui e ali. 

Vi nuvens inventando cores, 

e sapos de cócoras no adro da igreja. 


Subi às torres e perguntei

Desci aos vales e perguntei: 

com quem dicutirei minha loucura? 


Resposta nenhuma veio de nenhum dos lados de minha pessoa.


6 - A Chuva 

Ela agora (depois de prover-se na lagoa) 
recompõe nossas células, refresca 
nossa chama mórbida (a tensão defensiva?). 

Os patos ficam mais alvos, 
um bambu canta na moita 
(a manga amadurece de repente?). 

Ela agora reúne as fases do tempo, 
malha o nosso coração de ferro, 
umedece as estruturas metálicas, 
lava o ar e o chão e a moral 
da cidade que nos apodrece. 

Sem resíduos e aderências, 
ela está vindo de outro século, 
molha a horta de couve do quintal, 
a roça de milho na volta do brejo, 
os cabelos sem cabeça do jacanabunda. 

Depois regressa ao mar das lonjuras, 
e assim aos poucos no-la esqueceremos. 

7 - Antiga Marilândia. 

Numa noite estival de um novembro, 
a respiração da terra era tão sensível 
a todos que se aproximassem dela 
(dessa noite sozinha na vida e no mundo). 

A terra se emocionava? E nós, filhos mórbidos 
em seu ventre,
colhíamos espigas e estrelas 
naquele ar crivado de raízes. 

Era uma noite de Deus e dos anjos. 
O coração partido partia a alma em pedaços. 
E os grilos vibravam, agudíssimos, no alpendre. 

Tudo que vive se manifesta 
nos resíduos da origem.
Quando apurei os sentidos, sonhei. 
Sonhei, mas era verdade. 

8 - O Lavrador. 

Ele deposita as rugas na cômoda posição 
do sono inverso, em verso. 
Depois apalpa o sonho. 
E quando se retira do leito, o rio finda. 

No lugar do rio, 
ele espalha ramas de feijão e arroz, 
para o sol e o paiol
ajeitando lá suas técnicas de subsistência. 

De vez em quando, 
o sabiá canta a seu redor. 
De vez em quando, 
ele atravessa o estado de nervos 
e desata algumas veias da paixão. 

De vez em quando, o tronco de sucupira 
deixa o galho ar 
e vai ao poço tomar um pouco de água. 
Isso de vez em quando. 


9  - Profunda Sombra. 

Nenhuma estrela recorda à treva 
que seu reinado é trapaceiro. 
Aqui e ali estala em tudo 
a profunda sombra 
abrangente natureza da noite 
de fundo azul em superfície negra. 

10 - Ideia Fixa

Acordo atravessado na cama de solteiro,

Sufocado no clima emocional

Das ideias fixas,

Do crescente desejo de comer

As ex-mulheres peregrinamente lindas de Pedro Nava.

 

Doces pulposas bivalvas aveludadas

As que esverdeiam as primaveras

Das peremptórias fascinações.

 

Recomponho-me.

Finalmente aceitando que elas são as mesmas de sempre

Tenha um nome outro

Um corpo mais agudo ou mais grave

Elas e elas e elas.

 

Fico na exata posição de um morto

Vendo chover as imagens das amadas.

Todas se resumem na mesma de sempre:

A metade da cara de minha pessoa.

 

O amor próprio, desdobrado,

Nas variedades formais do belo prazer? 




(*) Alguns poemas revisados do livro publicado em 1984.

domingo, novembro 12, 2006

A REVISTA DO CAFÉ

A mentalidade feudalista vem predominando no Brasil desde os primórdios de sua história. Detona, explode e desperdiça os ciclos econômicos e, ao longo do tempo, desagrega os valores do possível contexto da nacionalidade em vez de agregar, ou seja, polui, desarranja, extermina em vez de almejar, beneficiar e incrementar. Foi assim na açodada extração e desperdício do pau-brasil, da seringueira, da cana de açúcar, das pedras preciosas e, finalmente, do café, do minério de ferro e da madeira amazônica. O que ficou para a nação de todos os beneplácitos destas riquezas naturais? Apenas as fotografias na parede? Drummond tem um poema que prega o refrão de que de tudo fica um pouco. A extração do minério desfigurou a própria paisagem de Itabira, denunciada e lamentada pelo grande poeta brasileiro. Das belas montanhas ficaram apenas fotos, infelizmente. Não estamos a defender a manutenção das riquezas naturais a troco do pauperismo da população. É certo que elas existem para o benefício da humanidade, mas para a humanidade de sempre e não apenas de hoje. Precisam de ser cuidadas no sentido da conservação e perpetuação das espécies – e não simplesmente manejando o maquinário transformador de florestas em desertos. Vemos que ao longo do tempo toda essa deplorada, mesquinha, tacanha exploração dos bens naturais não resultou em nada positivamente. O País apenas empobreceu, seu povo continua na luta pela sobrevivência biológica à custa do suor do próprio corpo no pesado e desairoso dia-a-dia da pobre existência, que ainda hoje desconhece as recompensas psíquicas dos padrões éticos e estéticos. O recente número 819 (ano 85, outubro 2006) da Revista do Café (editores Azarias M. Vilela, Júlio de Souza Avelar e José Avelino Perácio de Freitas) publica vasta explanação sobre a problemática cafeeira do Brasil, através de elucidativos artigos de Ruy Barreto (“É Preciso Ter Fé no Café”), Darcy Lima e Luciene Azevedo (“Café e Saúde”), Guilherme Braga, Luciana Franco, Flávia de Domenico, Flávio Bredariol, Neila Baldi, Leila Vilela Alegrio, Breno Mesquita e Outros. Ruy Barreto em seu artigo de cinco páginas descreve, narra e discrimina os lances e os pormenores da epopéia do café na história e na economia da civilização brasileira. Um quadro genéricos dos fatos e das pessoas envolvidas no esforço desenvolvimentista do País, apesar da incúria e da cegueira da classe política, quase sempre comprometida na manutenção de seus feudos e currais eleitoreiros. Fica bem claro na exposição dele que o saldo das realizações deve ser mais creditado aos expoentes das iniciativas privadas, e que o saldo dos embargos e atropelos pode ser debitado às oportunísticas e casuísticas lideranças politiqueiras, que secularmente emperram o desenvolvimento econômico, ético e estético brasileiro. Tudo isto ficou evidenciado na eleição do mês passado. Os coronéis do obsoleto e degradante feudalismo viram e mexem nas artimanhas do vergonhoso conluio e não desapegam da manutenção de suas obscenas regalias. Isso sempre aconteceu nos ciclos econômicos e, mais uma vez, o que vimos agora é até espantoso: o coronelismo notoriamente fascista vira a casaca e abraça o socialismo de araque,que também vira a casaca de suas pregações ideológicas – e assim a Nação e o Povo, são novamente enganados e tripudiados. Haja Deus!

sábado, novembro 11, 2006

QUEM NÃO AMEDRONTOU MARILYN MONROE?

Todos adoravam (ainda adoram!) sua amabilidade, que tanto a fez sofrer e morrer, por causa das próprias virtudes. Vítima do machismo, da mídia e da máfia e dos Irmãos Kennedy (comedores impulsivos de mulheres), ela ainda hoje irradia uma imagem angelical de pureza, candura e sensualidade. Uma sensualidade por assim dizer imanente e não produzida (e constrangida): ela seduzia mesmo quando repugnava o próprio poder de sedução. Foi a inocente útil da concupiscência, essa máquina de fazer dinheiro da indústria do divertimento contemporâneo. Conta seu biógrafo, Anthony Summers, que uma vez, no meio de um ensaio teatral da peça “O Jardim das Cerejeiras”, Michael Tchecov (sobrinho do autor da peça, o russo Anton Tchecov), seu professor de interpretação, parou para lhe perguntar se não estava pensando em sexo enquanto representava seu papel, no dia anterior. Ela respondeu que não. E ele replicou: “agora compreendo qual é o seu problema com o estúdio cinematográfico, minha querida. Você é uma jovem mulher que emite vibrações sensuais, não importa o que esteja fazendo ou sentindo. E seus chefes no estúdio estão interessados só nas vibrações sexuais e não no seu talento como atriz. Como estimuladora da sexualidade, você é mais valiosa pra eles”. E Marilyn (é ainda Summers que conta) revelou depois a um entrevistador que sua resposta a Tchecov foi: “ Quero ser uma artista, não uma aberração erótica. Não desejo ser vendida ao público como um afrodisíaco de celulóide. Isso pode ter sido necessário nos meus primeiros anos. Mas agora é diferente”. Mas os poderosos da época não quiseram aceitá-la despojada do aparato estimulativo. E assim precipitaram o fim dela. Tive o prazer, o encantamento, de ver seus belos e magníficos filmes: “O Segredo das Jóias”, “No Mundo da Fantasia”, “Nunca Fui Santa”, “Os Homens Preferem as Louras”, “Como Agarrar Um Milionário”, “A Malvada”, “Torrentes de Paixão”, “O Rio das Almas Perdidas” “Quanto Mais Quente Melhor”, “Adorável Pecadora”, “O Pecado Mora ao Lado”, “O Príncipe e a Corista”, “Os Desajustados”. Mas gostaria muito de ver os outros, certamente maravilhosos: “Só a Mulher Peca”, “Mentira Salvadora”, “O Inventor da Mocidade”, “Almas Desesperadas”. Penso que mesmo inadvertidamente ela interpretou o papel de Isolda (*) no filme “No Mundo da Fantasia” (There’s No Business Like Show Business), dirigido por Walter Lang e musicado por Irving Berlin. Assim ela canta, referindo-se aos homens em geral: Você é igual um bebê: quer porque quer, mas quando obtém o que quer, fica logo descontente.... Depois de conseguir o que quer, já não quer mais.... Se eu lhe der a lua, logo perderá o interesse por ela. Logo que obtém o que quer, fica a desejar outra coisa.... Quando tem o que quer, não quer mais o que tem. Você é volúvel por natureza. Há um desejo em seus olhos que precisa ser satisfeito. Mesmo que eu me sente em seu colo, logo-logo se cansa de mim, porque após ter o que quer, você não quer mais o que tem. Eu conheço você!. E seu galã no filme, Dan Dailey, responde, também cantando: O homem persegue a mulher, até ela o fisgar.... Ele corre atrás dela, até ser apanhado por ela. Ele busca a mulher, até ela o encontrar. E tudo acaba do modo como ela quer. Incerto, ele vai atrás dela, até ela o alcançar. 

(*) Denis de Rougemont interpreta o amor no mito de Tristão e Isolda (amantes do imaginário medieval europeu), no livro “O Amor e o Ocidente” (Editora Morais, Portugal),como “uma fuga sem fim da posse”: ela (ou ele) é a pessoa-de-quem-estamos separados: “perdemo-la ao possuí-la”.

sexta-feira, novembro 10, 2006

CHRISTOFER GILBERT ARTWORK

Improviso (*)

Os litígios esmaecidos e apaziguados as referências matrilineares em delicadezas e inexatidões líricas profanas substanciais apascentam amamentando suas crias os filhos do mistério e da inocência mais deslavada e límpida brincalhões ineptos sacudidos nas nascentes maravilhas as espiritualizações materiais as materializações esvoaçantes na leveza mais airosa álgidas sensações de calor a elasticidade corporal da sensualidade o ir e vir das flexões no seio das sensações a luzidia escuridade dos desvãos alongados das aberturas flexíveis o aeromodelismo das divergências tecnológicas ao longo de incansáveis trajetórias a contemplação da própria individualidade aqui e ali na postura às vezes anímica do corpo delgado a multiplicidade fantasiosa das facetas eróticas burilando o encantamento possessivo do olhar estupefato diante das incertezas que perguntam: será verdadeira tanta beleza? a resposta fica implícita nos escombros na névoa e no vôo e no vão escapista de quem não está nem aí diante das incongruências ah! o corpo feminino sob o olhar masculino: é assim que as doces palavras do enlevo ganham consistência e maleabilidade? as contrafações da argúcia mental às vezes implicantes derivativas abrangentes e sobretudo os cavalos voadores na cabeleira da moça ágil e formosa diante do espelho delicioso tudo tudo como num poema de Adriana Versiani. 

(*) Escrito diante da projeção de um e-mail de nome idêntico.

terça-feira, novembro 07, 2006

GENEALOGIA

A desventura da depressão é congênita? Por mal dos pecados anteriores, até que pode ser. Uma encrenca atrás da outra, indefinidamente? Pode até acontecer. Temos, porém, que levar em conta a vida errônea das pessoas neste mundo de porteiras agressivas, responsável pelo amargo assédio das lágrimas que destemperam o pão nosso de cada dia. A fina película de vida que cobre o planeta está se afinando cada vez mais? Os lugares da infância não cansam de chamar-nos: frágeis e pusilânimes, sentem saudades de nós, naquela quadra? Apesar dos pesares, no entanto, sei muito bem que se aprofundar-me no horror mais execrável, posso encontrar o maravilhoso bem escondidinho lá! Na tessitura dos senões e dos engodos, uma simples palavra que se escreve ou que se lê, pode ser cômica, dramática ou trágica (a palavra que chora por dentro no silêncio da dor reprimida). Entrementes recolhi e colecionei as muitas dores e os poucos prazeres de meus antepassados, a descer do trisavô em 1798 até chegar aos tataranetos dele na virada do segundo milênio. Sim senhor! Estive exaustivamente nas paróquias e nos cartórios manuseei amarfanhei empilhei as fartas dores e os escassos prazeres ao longo dos anos e dos lugares, através do sangue dos nomes prenomes sobrenomes, até chegar às lágrimas que hoje inundam meu quarto minha casa minha rua minha pessoa. As lágrimas que amortalham e sepultam meus pedidos e oferendas aos que me precederam no banho de bênçãos e sorrisos de uma família que é a miniatura da ampliada FAMÍLIA HUMANA.

sexta-feira, novembro 03, 2006

SONETO VINTE E SETE, DE SHAKESPEARE (*)

Trad. de Lázaro Barreto. 

Exaurido pela lida do dia a noite me alcança num leito de alívio nas sombras do horto - mas logo na mente uma jornada avança, e outra luta se inicia, finda a do corpo. Assim no pensamento as premissas debandadas, a procurar-te, amada, vão, em romaria vão, mantendo abertas as pálpebras cansadas, a fitar o que até o cego vê na escuridão. Salvo que de minha alma a doce miragem exibe teu vulto aos meus olhos sem calma, o qual, como jóia suspensa na voragem faz bela a noite que chega mais cedo. Assim de dia o corpo, de noite a alma no teu ou no meu proveito, não têm sossego. 

(*) Escrito depois de ler o livro “Poemas Famosos da Língua Inglesa”, traduzido por Oswaldino Marques, Edit. Civilização Brasileira, RJ, 1956.

TOPONÍMIA DAS MINAS E DOS CAMPOS GERAIS

Cabeceira do Buriti Brejo dos Mártires Córrego dos Nobres Água Emendada Chapada das Perdizes Onça de Pitangui Curinhatá Abre Campos, Passa Vinte Velho, Barra da Cega, Borda Mata Campo do Meio, Catas Altas da Noruega, Pinta-Pau, Rio Espera Cava de Fora, Curralinho de Dentro, Soca-Pó,Sombra da Tarde Juiz de Fora, Mãe dos Homens, Penha do Capim, Fecho do Funil São Sebastião das Três Orelhas, Quem-Quem, Palmeiras de Fora Santa Rita de Pacas, Quebra Viola, Pedra Menina, Quenta-Sol Divino do Canivete, Três Corações, Volta Bala, Cana do Reino Cajuru do Cervo, Três Pontas, Vargem do Paga Bem, Diamantina! Caracóis de Cima, Passa Quatro, Mata do Sino,Gambá de Baixo Belo Horizonte! Cocais da Estrela Seio de Abraão Guarda dos Ferreiros Senhora dos Remédios Dores do Indaiá Acaba Mundo.

quarta-feira, novembro 01, 2006

A POESIA BÍBLICA

Seleção e adaptação de Lázaro Barreto. 

1 - Cântico das Subidas – Dos Salmos de David (*). Na minha tribulação, clamei ao Senhor. Levantei os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? Levanto os olhos para Ti, ó Deus: a minha alma, como o pássaro, escapou do laço dos caçadores. Quando o Senhor reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar.... encheu-se de sorrisos as nossas bocas, e nossos lábios de canções. Os que nas torrentes do deserto semeiam entre lágrimas, ceifarão com alegria. Vão andando e chorando nos ásperos caminhos. Cantando de alegria voltarão, carregando os seus frutos. Se o Senhor não guarda a cidade, de que adianta o desvelo da sentinela? Quem no Senhor faz jus ao pão de cada dia, o terá até de noite durante o sono! Do mais profundo de mim, clamo a Ti, Senhor: na Tua palavra espera a minha alma, mais do que a sentinela espera o sol nascer. Senhor, não ando atrás de glórias terrenas, acalmei a minha alma.... Como um menino no seio de sua mãe, como um menino de colo, assim está a minha alma em mim. Paráfrase dos Provérbios de Salomão (**). Seis são as coisas que o Senhor agradece, antes são sete as que comovem Sua alma: o tatu que tanto gosta do buraco antigo, os lotes de chuvas alternando os oásis, os sentidos cheios de dúvidas no lirismo do dia, o desenho da lesma na areia dos caminhos, as cores nos bolsos, que logo viram luzes, as bolhas dos mistérios que chovem nas pedras, a alma que é corpo nas pessoas e nos pássaros. Seis são as coisas que o Senhor aborrece, antes são sete as que Sua alma abomina: a pobreza de espírito, arcaica agora e depois, a classe dirigente que só dirige para si mesma, o governo nacional que nunca teve juízo, os pés velozes que correm na direção do mal, a violência das ruas que entra nas casas, os deveres sem direitos dos excluídos sociais, o caminho que volta, como o chicote do ímpio. A Felicidade da Virtude (***). O desejo do amor é a árvore da vida, que deleita a alma. O terno coração é a vida do corpo, que deleita a alma. A língua do justo é prata finíssima, a do ímpio é lata velha amassada. Uma boa palavra alegra quem sofre de amargura. Há quem ao falar fere como a espada e quem ao ouvir cura as feridas. Um anel de ouro no focinho do porco: tal é a vaidade com o nome da beleza. O que é bom germina como a folhagem verde, o que perturba a casa não terá senão ventos. A boca do amor será constante no amor: sabe que mais vale comer legumes com prazer e gratidão e amor do que novilho gordo com ódio. O que é doce no falar é mais doce no ouvir: já o amigo dos litígios, esse é como um telhado a gotejar sem parar. Quem dá aos pobres empresta a Deus, mas o pão roubado enche a boca de areia. O pensamento é no coração uma água profunda: sábio é quem consegue trazê-la à superfície. Assim como na água o rosto responde ao rosto, assim o coração de uma pessoa responde ao coração de outra pessoa. Melhor é estar jogado num canto do terraço do que nos braços do amor sem tempero. Quem guarda a língua na boca preserva a alma das angústias. Pobre de quem passa o dia a desejar, tendo nas mãos o bicho da preguiça. Assim o preguiçoso está a dizer: “tem um animal feroz lá fora, se sair de casa serei morto na rua”. A boca que produz os melhores frutos, esta comerá os frutos mais deliciosos, assim retribuídos pelas mãos habilitadas, pois que uma vez para sempre foi dito: assim como a água responde ao rosto, é assim que um coração responde a outro coração. A Sagrada Cantoria dos Salmos. Quando contemplo os Teus céus, obra dos Teus dedos, exclamo: o que é o homem, para Te lembrares dele? Tu o fizeste pouco inferior aos anjos, deste-lhe o mando sobre as obras de Tuas mãos.... Por que te deprimes, minha alma, por que te conturbas dentro de mim? Inclinarei meus ouvidos ao provérbio, resolverei meu enigma ao som da lira. Quando Israel saiu do Egito, o mar viu e fugiu, o Jordão voltou suas águas, os montes saltaram de alegria como carneiros e as colinas, como cordeiros.... Treme, ó terra, diante da face do Senhor! Haverão de te levar nas mãos Dele, a fim de que teu pé não se fira nalguma pedra: passarás sobre feras e serpentes, pisarás sobre espinhos e estrepes, incólume. Não sofrerás o medo do terror noturno, nem da afiada seta que voa durante o dia, nem da peste que vagueia nas trevas, nem da calamidade que devasta os tempos aziagos. Como um menino no seio de sua mãe, assim está a minha alma em mim. 

NOTAS: (*) – Montagem com pinçagens e adaptações no conjunto dos Salmos, do de número 129 ao de número 130. Do Antigo Testamento, traduzido pelo Pe. Matos Soares e publicado no Porto, Portugal, em 1955. (**) – Com base no capítulo 6, versículos 16 a 19, do Livro dos Provérbios de Salomão, obra citada. (***) – Arranjo sinóptico de duas coleções dos Provérbios de Salomão, da cap. 10.1 ao cap. 27.19. Obra citada. (****) – Uma aglutinação aleatória (licença poética?) dos Salmos de David.